VICE, empresa que já foi considerada o futuro da mídia, pede Recuperação e poderá ser comprada por seus credores

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*Heloísa Nogueira – 

O DIP é uma modalidade de investimento em que o credor injeta dinheiro na empresa que já lhe deve. Importado dos EUA, o procedimento foi incluído no ordenamento brasileiro pela reforma da Lei 14.112/20.

 

No dia 15 de maio de 2023 a empresa VICE pediu Recuperação Judicial (filled for Chapter 11) no distrito de Nova York, com dívidas balizadas entre U$ 500 milhões de dólares e U$ 1 bilhão de dólares[1].

 

Foi publicado pela CNN que o pedido de Recuperação Judicial foi feito como forma de garantir uma conclusão rápida e eficiente da venda da empresa, estando o valor inicial da compra da empresa em U$ 225 milhões de dólares[2].

 

Esta oferta inicial foi feita por um consórcio de credores da empresa que estão tomando o lugar de “stalking horse” no procedimento de alienação, uma vez que possuem interesse na continuidade da atividade da VICE, que, aos olhos destes, ainda representa uma empresa viável. 

 

Este procedimento no qual os próprios credores aportam mais dinheiro à empresa que os deve é chamado de DIP, abreviação para “Debtor in Possession”.[3]

 

No ordenamento Norte Americano[4] assim como no brasileiro – que nele se inspirou, a vantagem do credor que injeta mais dinheiro na empresa é ao mesmo tempo se arriscar mais para diminuir o seu risco. 

 

Pode soar um pouco contraditório, mas a lógica por trás do DIP é: o dinheiro do passado já colocado na empresa será pago na forma do Plano de Recuperação Judicial conforme a classe de credores votante, ou seja, o credor depende não só da proposta da devedora, mas também do consenso de uma coletividade. 

 

Por outro lado, quando este mesmo credor, que antes tinha o poder de voto da sua cabeça combinado com a porcentagem de seu crédito, escolher apostar na empresa e aportar “fresh money”, ele se coloca em uma posição privilegiada com relação a este novo dinheiro caso a operação de reestruturação não dê certo e a falência ocorra.

 

O artigo 69-J, incluído na reforma da Lei 11.101/05[5], dispõe sobre o procedimento do DIP, que há muito já era usado no Brasil e que, todavia, não estava cristalizado no Diploma Recuperacional. No mesmo sentido o artigo 84 da Lei também foi alterado, fazendo constar este patamar privilegiado do credor que, em caso de falência, será extraconcursal e receberá antes mesmo dos credores trabalhistas. 

 

Apesar das semelhanças entre o procedimento do DIP nos Estados Unidos e no Brasil, a eficácia deste instituto se apresenta de forma bem diferente, e na opinião desta Autora isso ocorre por uma questão econômica e também cultural. 

 

Em levantamento sobre perfil de investimento realizado pela ANBIMA (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais)[6], feito em 2022, foi constatado que, ainda hoje, somente 23% da população brasileira investe, sendo que “a poupança continua sendo a queridinha”.

 

Esse número reduz para 3% quando o recorte é feito para analisar aqueles que investem em Fundos de Investimentos, agentes que normalmente se arriscam mais no procedimento recuperacional e para 1% quando se fala em bolsa de valores. 

 

Isso demonstra que o perfil médio dos investidores no Brasil é conservador e ainda há muito receio em se realizar investimentos. Como dito acima, as questões cultural e econômica andam juntas, e a desconfiança nas instituições e a incerteza na economia, misturadas com o histórico inflacionário do país, fazem com que a assunção de risco, especialmente um tão grande, como no caso de empresas que já estão em Recuperação Judicial, ocorra de uma forma bem mais tímida no Brasil. 

 

Por outro lado, quando se analisa o perfil médio do investidor nos Estados Unidos, em pesquisa publicada em janeiro deste ano, vê-se que 58% dos Americanos possuem algum investimento em bolsa de valores e mais de 150 milhões de americanos operam com risco.[7]

 

Com esses dados é possível concluir que o desempenho do DIP no Brasil é consideravelmente distinto dos Estados Unidos, por exemplo, no caso da VICE, antes mesmo de ocorrer o pedido, os credores já haviam aportado mais valores para aumentar a liquidez da empresa e permitir que a operação continuasse rodando.

 

Além disso, a operação de DIP está sendo feita após uma reestruturação inicial. Logo, apesar de ser inquestionável o interesse econômico dos credores em maximizar o seu investimento através desta “aposta”, servindo como “stalking horse” da VICE, é evidente que esta postura traz mais credibilidade ao procedimento recuperacional americano, pois eles estão dizendo ao mercado que aquela empresa continua sendo um player confiável e viável.

 

Heloísa Nogueira é Sócia do escritório NCLAW – Nogueira e Chiteco Jr. Sociedade de Advogados, formada em direito pela PUC-Campinas com especialização em Análise Econômica do Direito pela Universidade de Augsburg, Coordenadora do Núcleo de Recuperação Judicial da OAB Jovem Estadual.

 

 

[1] ‌VICE Media LLC Files for Chapter 11 Bankruptcy. Vice.com. Disponível em: <https://www.vice.com/en/article/pkap5v/vice-media-llc-files-for-chapter-11-bankruptcy>. Acesso em: 27 maio 2023.

[2] ZIADY, Hanna. Vice Media entra com pedido de recuperação judicial para facilitar venda. Cnnbrasil.com.br. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/economia/vice-media-entra-com-pedido-de-recuperacao-judicial-para-facilitar-venda/>. Acesso em: 27 maio 2023.

 

[3] Debtor in Possession (DIP): Meaning, Rules, Pros and Cons. Investopedia. Disponível em: <https://www.investopedia.com/terms/d/debtorinpossession.asp#toc-disadvantages-of-debtor-in-possession-dip>. Acesso em: 29 maio 2023.

[4] Chapter 11 – Bankruptcy Basics. United States Courts. Disponível em: <https://www.uscourts.gov/services-forms/bankruptcy/bankruptcy-basics/chapter-11-bankruptcy-basics>. Acesso em: 31 maio 2023.

[5] ‌Lei n 11.101. Planalto.gov.br. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11101.htm>. Acesso em: 31 maio 2023.

[6] ‌ANBIMA. Raio X do investidor 2022 – ANBIMA. Anbima.com.br. Disponível em: <https://www.anbima.com.br/pt_br/especial/raio-x-do-investidor-2022.htm>. Acesso em: 25 maio 2023.

[7] DALY, Lyle. How Many Americans Own Stock? About 150 Million | The Motley Fool. The Motley Fool. Disponível em: <https://www.fool.com/research/how-many-americans-own-stock/>. Acesso em: 29  maio 2023.

 

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