Tributação da Renda e o Reconhecimento de Receitas Decorrentes de Decisões Judiciais

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Autor: CARLOS AUGUSTO DANIEL NETO, advogado sócio do Daniel & Diniz Advocacia Tributária. Ex-Conselheiro Titular da Primeira e Terceira Seções de Julgamento do CARF. Especialista (IBET), Mestre (PUC-SP) e Doutor (USP) em Direito Tributário. Colunista da Coluna “Direto do CARF”, na Revista Consultor Jurídico.

Coautora: LYVIA AMICO, advogada tributarista no Lemos Advocacia para Negócios, Pós-graduada em Direito Tributário pela GV-Law, Membro da Comissão de Direito Tributário da Ordem dos Advogados do Brasil – Subseção de Campinas. 

 Coautor: NICHOLAS GUEDES COPPI, advogado sócio do Granito, Coppi, Boneli e Andery. Mestre em Direito Constitucional e Processual Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Professor da Pós-Graduação em Direito Tributário do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Advogado. Membro da Comissão de Direito Tributário da Ordem dos Advogados do Brasil – Subseção de Campinas. 

RESUMO: O momento do reconhecimento de receitas decorrentes de decisões judiciais é primordial para a incidência dos tributos sobre a renda auferida. O presente artigo discorre sobre o tema, apresentando os fundamentos jurídicos e o entendimento dos tribunais.

Sumário: 1. Introdução. 2. A aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica. 3.O reconhecimento de rendimentos decorrentes de decisões judiciais. 4. Conclusão.

 

  1. INTRODUÇÃO

O elemento tempo é essencial quando pensamos o sistema tributário, mais especificamente a tributação da renda. Sendo assim, uma problemática que assola os contribuintes é o momento do reconhecimento de receitas decorrentes de decisões judiciais, ou melhor dizendo, em que exercício passam a compor a base de cálculo dos tributos incidentes sobre a renda auferida.

Isso porque, em regra, a legislação estabelece que os rendimentos das pessoas físicas estão sujeitos ao regime de caixa, devendo ser reconhecidos no momento em que se der o seu efetivo recebimento (art. 125, I do RIR/2018[1]_[2]), enquanto os rendimentos das pessoas jurídicas se submetem ao regime de competência, atendendo às regras contábeis de reconhecimento de receitas e despesas, independentemente da disponibilidade financeira da riqueza nova, ressalvados os ajustes de natureza fiscal (art. 258 do RIR/2018[3]).

Contudo, é comum que as regras tributárias determinem uma inversão àquelas praticadas para o reconhecimento de receitas tributáveis ou despesas dedutíveis, como o recebimento de rendimentos acumulados, pela pessoa física (art. 48 do RIR/2018), e as pessoas jurídicas optantes da apuração do IRPJ pelo Lucro Presumido, que optam pelo regime de caixa (art. 587, §2º do RIR/2018).

O assunto ganha relevância frente à corrida dos contribuintes ao Poder Judiciário visando o afastamento do ICMS da base de cálculo das contribuições ao PIS e à COFINS julgado em caráter de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no RE nº 574.706/PR[4] e as teses dele derivadas, que terão como consequência provável a geração de créditos tributários pelo êxito das demandas diante da posição firmada pela Receita Federal do Brasil (RFB) no Ato Declaratório Interpretativo SRF nº 25/2003, que determina que “pelo regime de competência, o indébito passa a ser receita tributável do IRPJ e da CSLL no trânsito em julgado da sentença judicial que já define o valor a ser restituído”.

Esse posicionamento é objeto de demandas que têm sido julgadas em favor dos contribuintes pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) e que têm servido de parâmetro para a definição do momento de reconhecimento das receitas decorrentes de decisões judiciais objeto do presente artigo.

 

 

  1. A AQUISIÇÃO DA DISPONIBILIDADE ECONÔMICA OU JURÍDICA

 

O Código Tributário Nacional, em seu artigo 43, estabelece como fato gerador do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza a aquisição de sua disponibilidade econômica ou jurídica, cabendo à Lei nº 6.404/1976, conhecida como Lei das S.A., estabelecer, em seu artigo 177, que a escrituração contábil segue os parâmetros estabelecidos pelas regras contábeis e observa o regime de competência, regido pelo princípio da realização.

 

Este princípio está atrelado a três outros princípios da contabilidade que lhe dão suporte, quais sejam: a) o princípio da continuidade: afeta a forma de mensuração dos elementos patrimoniais porque pressupõe a continuidade da empresa, e não sua liquidação, mantendo assim uma base de avaliação coerente com essa premissa; b) o princípio da prudência: avaliação do ingresso de ativo pelo menor valor atual e registro do passivo o quanto antes e pelo maior valor a ser dispendido; c) o princípio da objetividade: registro dos elementos patrimoniais quando forem mensuráveis e quando de fato ocorrer uma mutação patrimonial.

 

Ainda de acordo com a Lei das S.A., o artigo 187 estabelece que as receitas do período devem constar na demonstração de resultado do exercício independentemente de sua realização em moeda, enquanto as perdas e despesas relacionadas a esses ganhos devem ser registradas quando incorridas.

É perceptível, então, que existe, em decorrência do princípio da prudência, um tratamento assimétrico dispensado às receitas e despesas, porque – para os custos e despesas – a legislação determina o provisionamento, enquanto para as receitas determina apenas os ganhos do período, prevendo para o seu reconhecimento que seja definitiva, incondicional e mensurável.

 

  1. O RECONHECIMENTO DE RENDIMENTOS DECORRENTES DE DECISÕES JUDICIAIS

A Receita Federal do Brasil editou o Ato Declaratório Interpretativo (ADI) n

º 25/2003 em que estabelece como condição básica para a tributação do valor reconhecido como indébito que ele tenha sido, anteriormente, reconhecido como uma despesa dedutível do lucro real e da base de cálculo da CSLL, trazendo uma diferenciação quanto ao momento de reconhecimento da receita conforme o regime de tributação ao que o contribuinte estiver obrigado.

As empresas obrigadas ao regime de caixa (aquelas que optaram pelo regime do lucro presumido ou do Simples) devem reconhecer essa receita no momento do pagamento do precatório. Já aquelas sujeitas ao regime de competência, devem, em regra, oferecer à tributação os valores percebidos no momento do trânsito em julgado; caso a sentença não defina o valor, entende a Receita Federal por dois momentos distintos quanto à ocorrência do fato gerador da tributação da renda: a) no trânsito em julgado dos embargos à execução – fundado em excesso de execução; e, b) na expedição do precatório, quando não houver embargos à execução.

Três são os problemas relacionados ao entendimento da Receita Federal.

O primeiro deles é quanto à definitividade, ou seja, uma sentença transitada em julgado pode ter ausência de liquidação, ser objeto de embargos à execução, ou ainda, de uma ação rescisória. Qualquer um dos cenários gera ausência de certeza do valor que a sentença adjudicou, ao passo que o CARF se manifestou, no Acórdão n° 1301-001.739, pelo afastamento da tributação quando há o ajuizamento de ação rescisória e embargos à execução por afetar a definitividade da receita, bem como a sua disponibilidade jurídica, sendo postergada a ocorrência do fato gerador tributário até o trânsito em julgado das ações.

Ainda, deve ser analisada a possibilidade de realização de algum evento crítico pelo contribuinte. Por evento crítico deve-se entender alguma ação que gere a definitividade do valor objeto da decisão judicial, tal como a cessão ou a compensação do crédito.

Na cessão, será reconhecido o valor recebido por aquele precatório. Já na compensação há a bifurcação do entendimento quanto ao reconhecimento da receita no momento de habilitação do crédito – procedimento necessário para a verificação de formalidades trazidas no artigo 101 da Instrução Normativa RFB nº 1.717/2017, sem implicar o direito creditório ou a homologação do crédito, nos termos do parágrafo único do mesmo artigo -, ou após a transmissão do PER/DCOMP,  em que haverá a análise do crédito pela autoridade competente, com a consolidação de sua certeza e liquidez, momento este em que deverá se dar o reconhecimento dessa receita.

 

O segundo problema está relacionado à disponibilidade. Com o trânsito em julgado da sentença nasce o dever de pagamento do Estado a ser feito por meio de precatório, o que não corresponde, efetivamente, à disponibilidade jurídica ou econômica do valor a ser recebido, uma vez que, nos termos do Acórdão CARF nº 1301-002.122, “Embora o precatório contenha um valor definido, que é o montante requisitado pelo Poder Judiciário ao Poder Executivo, tal valor não representa, necessariamente, aquilo que vai ser pago, nem tampouco a data da requisição judicial permite que se diga (nem sequer de forma aproximada) quando o pagamento irá acontecer..

 

Sendo assim, o recebimento do precatório representa uma mera expectativa de direitos, normalmente objeto de cessões com pesados deságios, devendo ser reconhecida quando do efetivo recebimento dos valores e não no momento da aquisição do direito a receber os valores por meio de precatório, ou seja, há o diferimento da tributação em razão da ausência de disponibilidade.

 

O terceiro problema diz respeito à inexistência de congruência entre as regras de contabilidade pública, mormente aquelas que tratam do reconhecimento de despesas para o Estado e o momento de reconhecimento de receita pelo contribuinte, e que correspondem, em suma, à obrigação do cômputo de uma receita do contribuinte em contrapartida a uma despesa efetiva do Estado – o pagamento do precatório.

 

Por fim, o Poder Judiciário possui, em maior parte, entendimento favorável ao reconhecimento dos rendimentos decorrentes de decisões judiciais pelos contribuintes a partir do trânsito em julgado da sentença. Poucas são as decisões judiciais em que se reconhece sua ausência de capacidade contributiva pelo mero recebimento da disponibilidade econômica ou jurídica do pagamento, sem a efetiva realização da moeda ou recebimento do valor que lhe é de direito.

 

Já a jurisprudência administrativa do CARF tem se mostrado mais favorável ao contribuinte, reconhecendo a ausência de disponibilidade, de definitividade e de certeza e afastando o Ato Declaratório da Receita Federal em diversos casos.

 

  1. CONCLUSÃO

Demonstrado o posicionamento da Receita Federal contraposto aos princípios contábeis adotados pela legislação vigente, é importante que seja feita a ponderação dos princípios regentes do princípio da realização e que se observe, também, o princípio da capacidade contributiva para que se defina o momento em que devem os rendimentos objeto de decisões judiciais ser contabilizados pelos contribuintes e oferecidos à tributação pelo IRPJ e CSLL.

 

Diante disso, a conclusão a que chegamos é a de que o reconhecimento de receitas decorrentes do indébito tributário e sua respectiva tributação só poderão ocorrer em três momentos: (i) na cessão do precatório a terceiros, pelo valor recebido pelo título; (ii) na transmissão do PER/DCOMP, hipótese em que há a eliminação de um passivo tributário utilizando-se do valor reconhecido judicialmente e habilitado perante a RFB; ou (iii) no exercício do empenho da despesa, momento em que nasce a obrigação do ente público de realizar o desembolso em favor do contribuinte, e apenas no valor que for efetivamente empenhado, nos casos em que o pagamento se dará de forma parcelada.

 

Nesse ponto, atualmente anda bem o CARF ao analisar, individualmente, cada caso, trazendo as ponderações necessárias à situação fática dos contribuintes.

[1] Regulamento do Imposto de Renda de 2018 – Decreto nº 9.580/2018.

[2] Art. 125. Para fins do recolhimento complementar do imposto sobre a renda, constitui base de cálculo a diferença entre a soma dos valores:

I – de todos rendimentos recebidos no curso do ano-calendário sujeitos à tributação na declaração de ajuste anual, inclusive o resultado positivo da atividade rural; e

II – das deduções estabelecidas no inciso II do caput do art. 76 ou do desconto simplificado de que trata o art. 77.

[3] Art. 258. O lucro real é o lucro líquido do período de apuração ajustado pelas adições, exclusões ou compensações prescritas ou autorizadas por este Regulamento.

  • 1º A determinação do lucro real será precedida da apuração do lucro líquido de cada período de apuração em observância às disposições das leis comerciais.
  • 2º Os valores que, por competirem a outro período de apuração, forem, para efeito de determinação do lucro real, adicionados ao lucro líquido do período de apuração, ou dele excluídos, serão, na determinação do lucro real do período de apuração competente, excluídos do lucro líquido ou a ele adicionados, respectivamente.

[4] Relatora Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgado em 15/03/2017, Repercussão Geral.

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