Recuperação de Créditos e Questões Controvertidas

Tributação da Renda e o Reconhecimento de Receitas Decorrentes de Decisões Judiciais
16/03/2021
Compliance e Obrigações Acessórias no ICMS
16/03/2021
Tributação da Renda e o Reconhecimento de Receitas Decorrentes de Decisões Judiciais
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Compliance e Obrigações Acessórias no ICMS
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Autor: JOSÉ ANTONIO MINATEL, Doutor e Mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Professor de Direito Tributário na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUCCAMP, nos cursos de graduação e pós-graduação (especialização em Direito Tributário). Professor do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Ex-Delegado da Receita Federal em Campinas. Ex-membro do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda em Brasília. Autor do livro “Conteúdo do Conceito de Receita e Regime Jurídico para sua Tributação”, publicado em 2005 pela MP Editora (SP). Autor do audiolivro “Tudo o que você precisa ouvir sobre o Imposto de Renda – Pessoa Física”, editado em 2010 pela Saraiva (SP). Autor de vários artigos e capítulos de livros publicados sobre matéria tributária e processo administrativo tributário.

Coautora: ROSANA DE PAULA OLIVEIRA RODRIGUES, advogada formada pela PUC-Campinas (2002). Especialista em Direito Tributário pela PUC-Campinas (2009). Pós-graduada no curso de Especialização em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET (2011) e cursos de extensão em contabilidade, legislação societária e práticas fiscais e tributárias, instrutora em cursos e Membro da Comissão de Direito Tributário da Ordem dos Advogados do Brasil – Subseção de Campinas.

Coautor: ANDRÉ LUIZ DE OLIVEIRA BRITO RODRIGUES, advogado formado pela PUC-CAMPINAS (2013). Sócio da Piovesan, Gonzalez e Rodrigues Sociedade de Advogados. Pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET e cursos de extensão em contabilidade, práticas fiscais e tributárias pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC). Membro da Comissão de Direito Tributário da Ordem dos Advogados do Brasil – Subseção de Campinas.

 

 

RESUMO: O presente artigo busca tratar, à luz dos princípios jurídicos e contábeis, o momento adequado da incidência tributária sobre os créditos tributários decorrentes de decisões judiciais transitadas em julgado, a partir de entendimentos jurisprudenciais administrativos e judiciais, tendo como enfoque principal a atual discussão da exclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS.

Sumário: 1. Introdução. 2. O reconhecimento dos créditos tributários decorrentes de decisões judiciais e sua incidência tributária. 3. Conclusão.

 

  1. INTRODUÇÃO

 

O tema ora discutido tem sido pauta constante entre os juristas, inclusive debatido nas palestras anteriores nesse evento. Como visto nessas exposições, as novas diretrizes da contabilidade e seus princípios têm sido bastante abordados, pois são de suma relevância no equacionamento das questões tributárias e, por isso, serão também aqui considerados para o trato das questões a serem examinadas.

Primeiramente, é importante mencionar que, nas questões que tratam de recuperações de créditos tributários reconhecidos por decisões judiciais, há um antigo pronunciamento da Secretaria da Receita Federal do Brasil, esposado pelo Ato Declaratório Interpretativo n° 25/2003, que estabeleceu parâmetros ao indicar a data do trânsito em julgado da ação de conhecimento (ou dos embargos à execução da sentença, se ilíquida) como o momento pertinente para o registro contábil do direito, para fins de avaliação da incidência de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS.

Voltando ao passado e relembrando que já havia escrito algo sobre essa matéria, fui revisitar voto que proferi na época em que participei como julgador do antigo Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda (atual Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF), na longínqua sessão de 17/03/1999. Essa regressão serve para confirmar que o tema continua atual, pois há mais de 20 anos, mesmo não havendo regra específica para indicar qual seria o momento em que se deveria registrar os créditos tributários recuperados, tampouco quais seriam os valores recuperados que estariam sujeitos à tributação, essa controvérsia foi enfrentada no julgamento administrativo, oportunidade em que prevaleceu o voto desse que vos fala e que resultou no Acórdão n° 108-5636, da 8ª. Câmara do Conselho de Contribuintes.

Assim, sem qualquer indicativo que pudesse funcionar como orientação para a controvérsia suscitada, pois o mencionado ADI nº 25/2003 só foi editado quatro anos depois, é preciso reconhecer que o referido acórdão traz importantes reflexões sobre o que se deve tributar e o momento pertinente para esse reconhecimento dos créditos, quando se estiver diante de valores de tributos pagos indevidamente que são objeto de restituição ou compensação.

 

Inegável que o momento é mais que oportuno para voltarmos a revisitar esse tema, por estamos passando por turbulências e incertezas jurídicas relacionadas com a definição do valor do crédito tributário pleiteado em restituição, momento do seu registro contábil e do reconhecimento no resultado da pessoa jurídica, como é o caso do relevante tema, atualmente em pauta, que está relacionado com a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS. Em que pese essa matéria já tenha sido definida pelo STF com a fixação de tese no rito da repercussão geral, há embargos de declaração da Fazenda Nacional ainda pendente de julgamento, o que não impediu que muitas sentenças já tenham transitado em julgado, reconhecendo esse direito.

Esta matéria foi objeto de pronunciamento expedido pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, por meio da Solução de Consulta COSIT n° 13/2018, que fixou orientação no sentido de que o valor do crédito de PIS e COFINS a ser calculado pelos titulares dessas ações judiciais será aquele encontrado pela diferença entre os débitos e créditos, ou seja, só haverá direito ao crédito nas situações de existência de ICMS efetivamente recolhido. No entanto, persistem as dúvidas, incertezas e insegurança, na medida em que a decisão do STF decidiu que fosse excluído o ICMS destacado e/ou debitado nas notas fiscais de saída, sem qualquer referência às operações de entrada que asseguram o direito ao crédito de PIS COFINS, quando se está no regime não cumulativo dessas apurações.

Essa é uma das razões pela qual o referido precedente judicial ainda não tenha sido concluído, pois estão pendentes de julgamento dos embargos de declaração que foram opostos por parte da Fazenda Nacional que, dentre outras pretensões, têm como objetivo afastar a incerteza e a insegurança jurídica sobre o real valor do crédito a que os contribuintes terão direito.

  1. O RECONHECIMENTO DOS CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS DECORRENTES DE DECISÕES JUDICIAIS E SUA INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA.

Assim, tomando esse caso da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e COFINS como exemplo, é pertinente que façamos uma análise sobre os efeitos tributários dessa recuperação judicial de valores pagos indevidamente, qual o momento em que devem ser submetidos à tributação, se é que devam ser tributados.

Do mencionado Ato Declaratório Interpretativo n° 25/2003 é pertinente logo destacar ponto considerado positivo, ao orientar logo no seu artigo 1º que:

 

Os valores restituídos a título de tributo pago indevidamente serão tributados pelo Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e pela Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), se, em períodos anteriores, tiverem sido computados como despesas dedutíveis do lucro real e da base de cálculo da CSLL.

Sim, é positiva essa condicionante, premissa que já serve como o primeiro corte na investigação dos efeitos tributários decorrentes da recuperação de créditos de tributos pagos indevidamente. Com efeito, se a pessoa jurídica é pequena ou média empresa que sempre esteve no regime de tributação do IRPJ pelo lucro presumido, nunca utilizou os valores dos tributos pagos a maior como despesa e, consequentemente, por nunca ter se beneficiado desses valores para reduzir a base de cálculo do IRPJ e da CSLL, ao recuperá- los não deve submetê-los à tributação.

E qual é a ratio, qual é a lógica dessa premissa? A lógica dessa diretriz, já abordada há mais de vinte anos no voto que proferi no acórdão nº 108-5636 do atual CARF, é de que a restituição, e também a compensação, nada mais representam do que a desconstituição da relação jurídica anterior deflagrada pela aplicação da regra de incidência, pois é pela via da restituição que se desconstitui e se neutraliza a relação jurídica anterior.

Se na relação jurídica anterior, o IRPJ na sistemática do lucro presumido era calculado com base em um percentual da receita, sem levar em consideração o resultado contábil que é afetado pelas despesas com ICMS, PIS e COFINS, no momento em que for recuperar um valor desses tributos pago a maior, do qual não se aproveitou como despesa para redução da base tributável do IRPJ, não tem sentido trazê-los à tributação no momento em que forem recuperados.

Neste sentido, conforta verificar que a interpretação do Ato Declaratório Interpretativo n° 25/2003 é literal e certeira: o valor do tributo recuperado somente será submetido à tributação pelo IRPJ e CSLL se, anteriormente, tenha sido utilizado e aproveitado como despesa.

Fixada essa diretriz, imaginemos a empresa que tem decisão judicial transitada em julgado e que, pelo fato de ter aproveitado os tributos recuperados anteriormente como despesas, se depara com a obrigação de incluir na base de cálculo do IRPJ e da CSLL todo o valor do seu crédito pleiteado em restituição. Ainda assim, há perguntas prévias que exigem respostas: Qual será o valor? Quando é pertinente que se faça essa tributação?

 

Em que momento a empresa tem expectativa de que irá obter a restituição ou poderá efetuar a compensação desses valores?

Focado nessas indagações, enquanto integrante da 8ª Câmara do Tribunal Administrativo proferi voto no citado acórdão nº 108-5636 para abordar e encontrar respostas para essas situações, pelo que peço vênia para aqui destacar trecho que considero fundamental:

Não me parece razoável que se possa impor ao sujeito passivo obrigação de antecipar novo pagamento de tributo calculado exatamente sobre os valores que ainda permanecem indevidamente em poder do Fisco enquanto não disponibilizada a restituição dos valores pagos a maior ou enquanto não exercida a efetiva compensação.”

A atual exigência de se tributar antecipadamente na data do trânsito em julgado, como consta do mencionado ADI nº 25/2003, é uma agressão ao princípio da moralidade, na medida em que se consuma uma nova exigência tributária antecipada pelo mesmo ente que ainda mantém em seu poder os valores indevidamente pagos pela empresa, além de impor dificuldades para que o contribuinte tenha a imediata disponibilidade da restituição a que tem direito, ou mesmo para que possa utilizar seu crédito pela via da compensação.

Vejam que, antes mesmo da publicação do Ato Declaratório Interpretativo n° 25/2003 e de qualquer outra manifestação do Fisco, o mencionado Acórdão nº 108-5636 já trazia importante ponderação sobre essa intolerável tributação antecipada, aceno que continua atual e pertinente para a definição do momento que se revela adequado para registro contábil e tributação dos créditos reconhecidos em decisões judiciais que trazem essa mesma situação.

Questões correlatas foram também abordadas neste mesmo congresso, como o tratamento tributário para o perdão de dívida que, segundo as regras da Contabilidade, o valor perdoado deve ser reconhecido como receita.

Não se nega que a ciência contábil tem princípios, métodos e objetivos próprios. Após as alterações implementadas pelas Leis n° 11.638/2007 e 11.941/09, a nova Contabilidade passou a ter a preocupação de demonstrar a POTENCIALIDADE da pessoa jurídica, ao determinar que a avaliação dos bens do seu patrimônio seja efetuada pelo seu valor justo, e não mais pelo valor do custo de aquisição.

Essa avaliação a valor justo ainda não representa acréscimo de qualquer riqueza, mas somente a potencialidade de sua futura e incerta realização. Portanto, não poderá ser

 

objeto de incidência de IRPJ e de CSLL, pois não será possível destacar parcela dessa potencialidade para que seja liquidada ou extinta a obrigação tributária correspondente.

O IRPJ tem como materialidade de sua incidência a aquisição de disponibilidade, segundo a dicção do artigo 43 do Código Tributário Nacional, disponibilidade essa que pode ser econômica ou jurídica. Por disponibilidade econômica tem-se entendido a situação em que o sujeito passivo já tem em seu poder a riqueza nova traduzida em dinheiro, de cuja importância já é possível destacar a parcela do tributo que deve ser entregue ao Poder Público.

E a disponibilidade jurídica? É muito comum ouvir-se referências sobre a disponibilidade jurídica, com conclusões precipitadas aduzindo que estaria consumada na hipótese de o sujeito passivo, sem ter ainda os recursos financeiramente, já tivesse direito sobre a pretendida riqueza nova. Advertimos que não basta ter somente o direito àquela riqueza nova, pois haveria a necessidade de que esse direito já evidenciasse, no mínimo, a efetiva disponibilidade jurídica, só configurada quando o questionado direito possa ser exercido, ou seja, quando possa utilizar ou transferir, ou usar, gozar e dispor que são as notas determinantes para configuração da disponibilidade.

Há 40 anos atrás, Alcides Jorge Costa já esbravejava que a disponibilidade em relação ao fato gerador do imposto sobre a renda deveria estar conectada à capacidade contributiva, confirmando o atual entendimento de que a disponibilidade jurídica pressupõe estar diante de ações previstas pelos verbos utilizar, gozar e dispor, condutas relacionadas com o objeto traduzido pelo direito que se pretende ver consumido ou transferido.

Assim, voltando ao nosso tema, diante de sentença judicial transitada em julgado, como no exemplo da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, tem-se a situação em que a empresa vai abdicar de executar a sentença em juízo, para preparar o procedimento de prévia habilitação perante a Secretaria da Receita Federal do Brasil, que é a condição para que o crédito reconhecido por decisão judicial possa ser utilizado para liquidar obrigações de outros tributos federais, por meio do procedimento de compensação.

Até esse estágio, não se tem disponibilidade alguma, nem jurídica, tampouco econômica. Embora haja reconhecimento de direito em juízo, a sentença apenas potencializa uma expectativa de utilização do direito reconhecido. Sob o prisma da disponibilidade jurídica que tipifica o fato gerador do imposto de renda, nos termos do CTN, ainda falta

 

capacidade contributiva ao titular do direito reconhecido em juízo, pela impossibilidade de usar, gozar e dispor imediatamente desse direito.

Quando o titular desse direito promove, perante a Secretaria da Receita Federal do Brasil, os procedimentos para a prévia habilitação do crédito reconhecido na ação judicial, há correntes de interpretação defendendo que, no deferimento dessa habilitação, já seria cabível o reconhecimento contábil e tributação integral do pretendido crédito. Outra vez, é pertinente ponderar que se trata de tributação antecipada de valores que ainda estão em poder daquele que indevidamente fez a cobrança do tributo que se espera repetir, pretensão do Fisco que esbarraria na falta de capacidade contributiva por ausência de disponibilidade, inclusive jurídica, além de configurar uma agressão à moralidade!

Avancemos para avaliar os efeitos em outro cenário, num segundo momento em que a empresa transmite a sua declaração de compensação para liquidar outros tributos federais. Parece claro que neste instante a pessoa jurídica está exercitando a sua pretensão de gozar, utilizar e dispor de seu direito reconhecido em juízo, instrumento da compensação que tornou viável a consumação da disponibilidade jurídica, com efeitos equivalentes ao da disponibilidade econômica, na medida em que tornou possível o destaque de parcela do direito de crédito e sua destinação ao Poder Público para extinguir outras obrigações tributárias.

Todavia, surge aqui outra questão: a disponibilidade confirmada pela compensação será de todo o valor indicado no procedimento de prévia habilitação? Esclarecendo a dúvida, suponha-se que uma empresa tenha R$ 10 milhões de reais em créditos reconhecidos por sentença judicial transitada em julgado e que foram previamente habilitados perante a Secretaria da Receita Federal do Brasil. Porém, desse montante, a pessoa jurídica se permitiu compensar somente parte do crédito, no valor de R$ 500 mil reais. Qual teria sido a efetiva disponibilidade da empresa? Baseado nas premissas já tratadas, a minha resposta continua firme para indicar que a disponibilidade efetiva está restrita ao valor de R$ 500 mil reais que foi utilizado para extinguir obrigação tributária, pelo instrumento jurídico da compensação. O restante do crédito habilitado, e ainda não utilizado, parece- me que está sujeito a condição futura e incerta.

Mas, com o trânsito em julgado da sentença ainda é possível falar em condição futura e incerta? Sim, me parece possível. Basta imaginar a situação de pessoa jurídica que, no período seguinte ao da habilitação administrativa dos créditos reconhecidos em juízo, passa a não ter operações em que apareça como contribuinte de tributos federais, ou

 

hipótese extremada em que não tenha fato gerador pela ausência de qualquer receita ou de faturamento, situações em que não terá débito tributário a pagar. Portanto, não há condições factíveis para utilização dos créditos pelo mecanismo da compensação tributária que pressupõe a existência de débitos supervenientes a serem liquidados.

Pode-se argumentar, ainda, com outras condições futuras igualmente impeditivas de utilização dos créditos, como a inexistência de tributo a pagar pela apuração de saldo credor continuado de PIS e COFINS, como também a situação da empresa que tem constante prejuízo fiscal e não apura IRPJ e CSLL a pagar. Nessas hipóteses não há como utilizar o valor do crédito, confirmando a natureza de eventos futuros e incertos que condicionam o exercício do direito ao uso e gozo do crédito pela via da compensação.

Esses exemplos parecem suficientes para demonstrar que, para fins de incidência do IRPJ, a chamada disponibilidade, ainda que jurídica, não se configura pela simples certidão que atesta o trânsito em julgado da decisão judicial. É comum que os auditores contábeis, ao receberem os pareceres dos advogados apontando decisão judicial transitada em julgado sobre matéria relacionada com créditos tributários, já indiquem a necessidade de reconhecimento do correspondente ativo na contabilidade. Mas o fato de reconhecer esse ativo contabilmente o fará ser considerado, simultaneamente, como receita da empresa daquele período do registro? Como destaquei inicialmente, reconhecer e demonstrar potencialidades estão entre as novas funções reservadas para a contabilidade, potencialidade que, no entanto, não pode ser tomada como base de cálculo para imediata incidência do Imposto sobre a Renda.

Para efeitos tributários, essa potencialidade equivale ao que se denominava de “resultados de exercícios futuros” em que se registrava a chamada “receita a realizar”, grupo de contas que aparecia nas demonstrações contábeis vigentes antes da reforma contábil implementada pela lei societária. Na medida em que se efetivam as compensações, é que se torna possível a realização do direito, não parecendo lógica a pretendida tributação antecipada pelo mesmo ente que arrecadou os tributos considerados indevidos, enquanto mantém em seu poder o indébito reconhecido na ação judicial.

É preciso considerar que há muitos registros contábeis que são idealizados para cumprir função meramente neutralizadora, ou seja, para retificar o impacto no resultado da empresa provocado por registro anterior que precisa ser anulado. Assim, quando as regras contábeis determinam que a baixa de obrigação pelo perdão de dívida equivale ao registro de uma receita, é mecanismo que procura anular custo ou despesa contratada

 

anteriormente que não se consumou, pela ausência de desembolso, buscando retratar a essência das operações. Portanto, trata-se de lançamento contábil com função de neutralizar uma operação anterior, não que retrate a obtenção de receita nova.

Essa função neutralizadora pode ser identificada no perdão de dívida com fornecedor, pela aquisição de matéria-prima que integrou o custo de produção e afetou o resultado da adquirente. Não havendo a necessidade de liquidar o passivo com o fornecedor, surge a questão de como estornar um custo já registrado que não se materializou. A forma de neutralizar esses efeitos se dá mediante a baixa da obrigação com o correspondente registro contábil de equivalente receita, ainda que o perdão da dívida não provoque ingresso de nova receita.

Mas, e se a dívida perdoada não afetou originalmente o resultado, como é o caso de dívida de financiamento bancário que caracteriza ingresso de capital de terceiros? Por ter essa natureza de aporte de capital de terceiros, poderia o perdão configurar quando muito um ganho de capital, mas jamais uma receita para incidência das contribuições que a tomam como base de cálculo.

Voltando ao tema dos créditos tributários reconhecidos em decisões judiciais, não se pode também esquecer que, dada a morosidade do julgamento dos processos, quer sejam administrativos ou judiciais, no passado alguns desses valores poderiam estar contemplados por regras de não-tributação.

Tome-se como exemplo a pessoa jurídica que hoje tem reconhecido o direito de reaver o valor do antigo crédito-prêmio que foi negado no passado, previsto no Decreto-lei n° 491/1969, cuja decisão judicial definitiva seguiu o caminho do precatório para essa liquidação. Esse chamado crédito-prêmio era um benefício relacionado com as exportações, assim como hoje ainda vigora uma série de benefícios para incentivar as exportações que se valem desse mesmo raciocínio do crédito-prêmio.

A legislação da época dispunha que esse valor, dado como incentivo financeiro ao exportador e creditado em sua conta bancária, tinha natureza de exportação, porque vinculado à operação de efetiva exportação. Com essa natureza de exportação, era incluído no cálculo do chamado Lucro da Exploração que não era tributado pelo IRPJ. Reconhecendo o Poder Judiciário a inconstitucionalidade das portarias ministeriais que suprimiram o benefício, passados mais de 20 anos estão as pessoas jurídicas sendo

 

restituídas desses valores pelas exportações à época realizadas, por meio de precatórios com pagamentos parcelados.

Ao receberem esses valores, vem a Secretaria da Receita Federal do Brasil formalizando autos de infração para exigir IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, por considerar que são valores que devem ser submetidos à tributação como nova receita. Evidente que é descabida e equivocada essa pretensão do Fisco, pois esses valores, só hoje recebidos, não perdem a natureza reconhecida para a operação praticada há 20 anos atrás, em que a legislação considerava como receita de exportação, assegurando que o valor do crédito-prêmio deveria ser adicionado ao montante da receita de exportação para o cálculo do Lucro da Exploração que não estava sujeito à incidência do imposto de renda.

Portanto, o contribuinte que somente agora recebe esses valores, além de sofrer com a demora do Poder Público (da União) em pagar o que foi reconhecido pelo Poder Judiciário, não pode admitir nova mutilação no seu direito, ainda mais mediante a tentativa do Fisco de transmudar a natureza do valor que lhe havia sido negado, natureza essa que era de crédito-prêmio de exportação que à época não estava sujeito à incidência de IRPJ, tampouco existia a CSLL e as atuais contribuições de COFINS e PIS. Conforta registrar recente pronunciamento do CARF exatamente neste sentido, reconhecendo a natureza de exportação e não sujeitando tais valores ao IRPJ e à CSLL, assim como afastando as exigências de PIS e COFINS.

  1. CONCLUSÃO

 

Concluindo essas reflexões, pelos fundamentos expostos continuo insistindo que só pode haver a tributação de créditos tributários reconhecidos por decisões judiciais quando confirmada a sua disponibilidade, jurídica ou econômica, no sentido de existência de direito que já possa ser exercitado pelo contribuinte, a ponto de que possa usar, dispor ou transferir nos termos da legislação em vigor, na linha dos pronunciamentos da jurisprudência mais recente.

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