Crédito de PIS/COFINS no Regime Monofásico e Submetido à Alíquota Zero

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16/03/2021
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Autora: ANA CRISTINA DE CASTRO FERREIRA. Advogada. Sócia Diretora do escritório Lima Junior, Domene & Advogados. Graduada pela PUC Campinas. Pós-graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Pós-graduada em Processo Civil pela PUC Campinas.

Coautora: JULIANA HERDEIRO BUZIN BRAGA. Advogada. Membro da Comissão de Direito Tributário OAB/Campinas. Pós-graduada em Direito Tributário pela PUC Campinas. Aprimoramento Profissional em Compliance pela Facamp.

RESUMO: O presente artigo tem por objetivo analisar, tecer comentários e considerações, sem esgotar toda a matéria, a respeito da possibilidade da tomada de créditos de PIS/COFINS no regime monofásico, trazendo legislações bem como o entendimento atual dos Tribunais Administrativo e Judicial.

Sumário: 1. Introdução. 2.. Possibilidade de tomada de crédito por distribuidores, atacadistas e varejistas. 3.. Frete e armazenagem na operação de revenda de produtos monofásicos. 4. Frete na transferência de produtos acabados entre mesmo estabelecimento. 5. Considerações Finais. 6.. Bibliografia.

 

 

  1. INTRODUÇÃO

O regime monofásico foi introduzido em nosso ordenamento jurídico através da Lei 10.147/2000. A sistemática do regime monofásico implica, basicamente, na concentração do recolhimento dos tributos, no caso PIS/COFINS, em um único sujeito (fabricante ou importador), à uma alíquota elevada de 12,5%, sendo 10,3% a título de COFINS e 2,2% de PIS, de forma que os demais contribuintes da cadeia nada terão que recolher sobre as receitas auferidas com a venda dos “produtos monofásicos”, promovendo as operações seguintes com a aplicação da alíquota 0 (zero).

Não são todos os grupos de produtos que estão sujeitos ao regime monofásico. A título de exemplo, estão sujeitos ao regime monofásico: medicamentos, produtos de perfumaria e higiene pessoal, máquinas e equipamentos, combustíveis (gasolina – exceto gasolina para aviação – óleo diesel, GLP e gás natural) e bebidas em geral como água, refrigerante e cerveja.

Atualmente, o PIS e a COFINS podem ser recolhidos através de três regimes: (i) regime monofásico (recolhimento de toda cadeia produtiva concentrando em um único contribuinte); (ii) regime cumulativo (que não há a possibilidade de creditamento) e; (iii) regime não cumulativo, instituído pelas Leis n° 10.637/2002 e n° 10.833/2003 (o contribuinte tem o direito de descontar, do valor a pagar a título de PIS/COFINS determinados créditos, conforme disposto nos artigos 3º das respectivas legislações).

Nesse sentido, serão abordadas algumas possibilidades para a tomada de créditos de PIS/COFINS na sistemática do regime monofásico.

  1. POSSIBILIDADE DE TOMADA DE CRÉDITOS PARA DISTRIBUIDORES, ATACADISTAS E VAREJISTAS

Em se falando de regime monofásico, uma grande questão se levanta: as empresas atacadistas, varejistas e distribuidores, baseados na legislação, podem tomar algum tipo de crédito de PIS/COFINS em relação aos produtos sujeitos ao regime monofásico de tributação?

O inciso I, alíneas “a” e “b” e inciso II do artigo 3º das Leis 10.637/02 e 10.833/03, após as alterações promovidas pela Lei 10.865/2004, trouxeram vedações à manutenção dos créditos de PIS/COFINS, ou seja, o artigo 3º claramente veda a tomada de créditos quando da aquisição de produtos sujeitos ao regime monofásico.

Em 2004, foi publicada a Lei 11.033/04, que dispõe em seu artigo 17, a possibilidade de manutenção dos créditos de PIS/COFINS, pelo vendedor, ao efetuar a venda tributada, ainda que à alíquota 0 (zero), conforme abaixo:

Art. 17. As vendas efetuadas com suspensão, isenção, alíquota 0 (zero) ou não incidência da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS não impedem a manutenção, pelo vendedor, dos créditos vinculados a essas operações.

Baseado no artigo acima, tanto a Receita Federal quanto o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF adotaram o entendimento de que, os outros custos inerentes as atividades da empresa, como energia elétrica, aluguéis, depreciação, benfeitora, dentre outros, esses sim, seriam passíveis da tomada de créditos pelas empresas.

Na contramão desse entendimento, em 2008, o Governo Federal editou a Medida Provisória 413/2008, com o intuito de vedar que as empresas atacadistas, varejistas e distribuidores pudessem obter os créditos de PIS/COFINS. Em outras palavras, a medida provisória tentou impedir a aplicação do disposto no artigo 17 da Lei 11.033/04, vedando à tomada de créditos de PIS/COFINS pelas empresas (atacadistas, varejistas e distribuidores) sujeitas ao regime monofásico, calculados sobre os custos, encargos e despesas vinculados às vendas de produtos sujeitos ao regime monofásico. Todavia, a vedação não se manteve no texto legal, quando da conversão da Medida Provisória em Lei 11.727/2008.

No mesmo ano de 2008, outra Medida Provisória, a de nº 451, também tentou mais uma vez excetuar a possibilidade de créditos de PIS/COFINS, a respeito dos incisos II a IX do artigo 3º das Leis 10.637/02 e 10.833/03, incisos que falam exatamente daqueles outros créditos inerentes a atividade da empresa (aluguel, depreciação, entre outros) contudo, tal medida não obteve melhor sorte, uma vez que a referida vedação também foi excluída do texto legal quando da conversão da Medida Provisória em Lei 11.945/2009.

Nesse sentido, a não recepção das vedações contidas nas Medidas Provisórias 413/2008 e 451/2008 quando da conversão em lei, demonstra claramente que o legislador não teve a intenção de vetar a tomada de créditos de PIS e COFINS e, sendo assim, as empresas atacadistas, varejistas e distribuidores possuem o direito em referidos créditos, créditos esses inerentes a atividade da empresa (aluguel, depreciação, entre outros), com exceção dos créditos relacionados à aquisição do produto sujeito ao regime monofásico, conforme já ressaltado acima.

Inclusive, recentemente, em 26/05/2020, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria de votos, RESP 1861.190 – RS, concedeu a uma distribuidora de medicamentos o direito a manutenção dos créditos de PIS e COFINS não cumulativos decorrentes da aquisição de mercadorias no regime monofásico, vendidas a alíquota zero.

  1. FRETE E ARMAZENAGEM NA OPERAÇÃO DE REVENDA DE PRODUTOS MONOFÁSICOS

Outra grande questão no âmbito jurídico, diz respeito a possibilidade de descontar os créditos relativos às despesas com frete e armazenamento, nas operações de revenda de produtos monofásicos.

O artigo 3º, inciso IX da Lei 10.833/03, aduz que as empresas, em geral, podem tomar créditos relacionados à armazenagem de mercadoria e frete nas operações de vendas, nos casos dos incisos I e II, do mesmo artigo 3º, quando o ônus for suportado pelo vendedor:

Art. 3o  Do valor apurado na forma do art. 2o a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a:

I – bens adquiridos para revenda, exceto em relação às mercadorias e aos produtos referidos.

  1. a) no inciso III do § 3odo art. 1odesta Lei; e
  2. b) nos §§ 1oe 1o-A do art. 2odesta Lei;

II – bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes, exceto em relação ao pagamento de que trata o art. 2 da Lei n10.485, de 3 de julho de 2002, devido pelo fabricante ou importador, ao concessionário, pela intermediação ou entrega dos veículos classificados nas posições 87.03 e 87.04 da Tipi;

(…)

IX – armazenagem de mercadoria e frete na operação de venda, nos casos dos incisos I e II, quando o ônus for suportado pelo vendedor.

 

Com base na leitura do artigo, indaga-se: Se todas as empresas possuem o direito ao crédito relativo as despesas com armazenamento e frete nas operações de vendas, tal direito também pode ser aplicado para as empresas atacadistas, varejistas e distribuidores de produtos monofásicos?

Por meio de Soluções de Consulta, a Secretaria da Receita Federal reconhecia a possibilidade de manutenção e aproveitamento dos créditos de PIS/COFINS não cumulativos, decorrentes das despesas com frete na revenda de produtos sujeitos à tributação concentrada, conforme entendimento exarado na Solução de Consulta nº 323/2012.

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF possuía também um posicionamento favorável[1], posicionamento este reiterado inclusive pela Câmara Superior de Recursos Fiscais, de que as empresas atacadistas, varejistas e distribuidores poderiam manter os créditos da armazenagem e do frete, relacionados a venda dos produtos sujeitos ao regime monofásico, nos termos do inciso IX do artigo 3º, conforme ementa abaixo:

Ementa(s)
Assunto: Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins

Período de apuração: 01/07/2004 a 30/09/2008

COFINS. INCIDÊNCIA NÃO CUMULATIVA. REVENDA DE PRODUTOS COM INCIDÊNCIA MONOFÁSICA. DESCONTO DE CRÉDITOS SOBRE DESPESAS COM ARMAZENAGEM E FRETES NA OPERAÇÃO DE VENDA. Também para as mercadorias sujeitas ao regime monofásico de incidência da COFINS não cumulativa, há o direito de descontar créditos relativos às despesas com armazenagem e frete nas operações de venda, quando por ele suportadas na condição de vendedor, nos termos do art. 3°, IX, da Lei n°. 10.833/2003. (Acórdão 9303-006.219 – 24.01.2018)

O fundamento utilizado na decisão acima diz respeito a possibilidade prevista no próprio artigo 17 da Lei 11.033/04, ressaltando ainda o julgador que “a vedação ao crédito contida no artigo 3º, inciso I da Lei nº 10.833/2003, inserta pela Lei 11.727/2008, abarca os bens adquiridos para revenda sujeitos à tributação concentrada. Refere-se, assim, expressamente aos custos relacionados à aquisição de bens, envolvendo os dispêndios para trazer os produtos ao estoque de mercadorias para revenda, não alcançando os dispêndios para a efetiva venda dos bens.” Ou seja, as despesas relacionadas as entregas das mercadorias revendidas não integram o “custo de aquisição” das mesmas, constituindo-se em verdadeiros dispêndios para a venda, sendo incabível considerá-las na vedação contida no inciso I, do art. 3º da Lei nº 10.833/2003.

Eis que, com a publicação da Solução de Consulta 99.079 de 20 de junho de 2017, que trouxe um esclarecimento e entendimento do que seria a interpretação do inciso IX do artigo 3º da Lei 10.833/03, a Câmara Superior de Recursos Fiscais mudou seu posicionamento, conforme o voto de qualidade proferido no Acórdão 9303-007.767, sob o argumento de que, a remissão do inciso IX ao inciso I objetiva restringir o direito ao creditamento dos comerciantes no caso das vendas de produtos sujeitos à tributação plurifásica, pois o inciso I, por sua vez, remete ao § 1º do art. 2º, para excluir os “monofasiados”. E, se assim não fosse, bastaria que a norma se referisse às despesas nas operações de venda, sem necessidade de fazer qualquer remissão aos incisos I e II, pois a atividade-fim dos industriais e dos revendedores é a mesma: vender.[2]

No âmbito judicial, o Superior Tribunal de Justiça[3] vem entendendo que as empresas possuem o direito em manter os créditos relacionados ao frete e armazenagem destinados à operação de venda, pois “O fato de os demais elos da cadeia produtiva estarem desobrigados do recolhimento, à exceção do produtor ou importador responsáveis pelo recolhimento do tributo a uma alíquota maior, não é óbice para que os contribuintes mantenham os créditos de todas as aquisições por eles efetuadas“.[4]

Não obstante a escassez de decisões favoráveis no Judiciário, os julgados mais recentes do Superior Tribunal de Justiça vêm no sentido favorável aos contribuintes, o que faz com que muitas empresas discutam judicialmente esse direito.

  1. FRETE NA TRANSFERÊNCIA DE PRODUTOS ACABADOS ENTRE MESMO ESTALEBECIMENTO – POSICIONAMENTO FAVORÁVEL AO CONTRIBUINTE– CARF – CSRF

Com relação as empresas que possuem diversos estabelecimentos e efetua transferência de produtos entre as suas filiais, muito se discutiu se esse “frete” seria ou não destinado à venda.

A Câmara Superior de Recurso Fiscais[5] entende pela possibilidade de creditamento das despesas com frete de produtos acabados entre estabelecimentos, por se constituir como parte da “operação de venda”[6] e, tendo em vista que o inciso IX do artigo 3º da Lei 10.833/03 fala em “operação de venda”, conclui-se que tudo aquilo que se relaciona a “operação de venda” deve ser compreendido então para a manutenção do crédito.

A Câmara Superior de Recurso Fiscais também utiliza como fortalecimento a este entendimento o quanto julgado pelo Superior Tribunal de Justiça na sistemática dos recursos repetitivos, Recurso Especial nº 1.221.170 – PR, que prevê a aplicação do critério da essencialidade ou relevância para o processo produtivo para possibilitar o creditamento de certas despesas. E como os serviços intermediários necessários a efetivação da venda, como os fretes, muitas vezes são essenciais para a venda dos produtos, a decisão do referido RE corrobora ainda mais para a possibilidade de credito das despesas com frete entre estabelecimentos de produtos acabados.

Não é de hoje que as empresas vêm investindo no setor de logística pois, além de ser grande diferencial para permanecer competitivo no mercado, é crucial para que um negócio se destaque frente à concorrência. Nesse sentido e, diante das decisões que vem sendo proferidas com relação ao tema, cada vez mais as empresas atacadistas e varejistas dos produtos monofásicos se socorrem ao Judiciário, com grandes chances de êxito, visando a obtenção de créditos de PIS/COFINS com relação as despesas relacionadas ao frete e armazenagem, nas operações de transferência de produtos entre seus estabelecimentos.

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O tema abordado no presente artigo se traduz bastante relevante para as empresas, principalmente as atacadistas, varejistas e distribuidores que, com a ajuda de um profissional jurídico e contábil, podem estudar e levantar as possibilidades de obtenção de créditos de PIS/COFINS, o que pode vir a trazer um grande benefício para o caixa da empresa.

Nesse sentido, conclui-se que as empresas varejistas, atacadistas e distribuidores de produtos monofásicos podem se valer dos créditos de PIS e COFINS em relação aos custos inerentes a sua atividade, nos termos do artigo 3º das Leis 10.637/02 e10.833/03, como, por exemplo, de aluguel, depreciação e demais já expostos no presente artigo.

A grande celeuma com relação a possibilidade de tomada de créditos, diz respeito as despesas relacionadas ao frete e armazenamento e, em que pese o CARF e a Receita Federal terem mudado seu entendimento, o STJ vem decidindo favoravelmente aos contribuintes, sendo possível o creditamento das despesas de armazenagem e frete nas operações de venda, desde que o frete tenha sido suportado pelo vendedor, bem como a possibilidade da tomada de créditos com relação ao frete de produtos acabados sujeitos ao regime monofásico, quanto transferidos entre estabelecimentos da mesma empresa.

  1. BIBLIOGRAFIA

Regulamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS – Estado de São Paulo. Disponível em  < https://legislacao.fazenda.sp.gov.br/Paginas/Home.aspx > .

Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Disponível em < https://scon.stj.jus.br/SCON/

Jurisprudência da Câmara Superior de Recursos Fiscais. Disponível em  < http://idg.carf.fazenda.gov.br/jurisprudencia/acordaos-carf-2

Lei 10.637/2002. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10637.htm

Lei 10.833/2003. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2003/L10.833.htm

Lei 10.865/2004. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.865.htm

Lei 11.033/2004. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Lei/L11033.htm

 

[1] Acórdãos nºs 9303-004.310 e 9303-004.311

[2] Acórdão 9303-007.767 – 3ª Turma – Sessão de 11 de dezembro de 2018

[3] Resp 1.666.071-SP; Resp 1.215.773RS

[4] AgRg no Resp 1.051.634/CE.

[5] Acórdão 9303-008.578-CSRF/3ª Turma.

[6] Acórdão 9303-008.099 – CSRF/3ª Turma.

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