Créditos da Fazenda e a Recuperação Judicial

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05/02/2024
Alienação do principal estabelecimento da empresa em Recuperação Judicial
16/02/2024
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Fernando Pompeu Luccas

Não é novidade para ninguém a imensa carga tributária imposta às empresas no Brasil, bem como a necessidade de se reformar esse sistema.

No tocante às empresas em crise, também não é novidade que, em sua maioria, costumam possuir débitos significativos com o fisco.

O que se observa na prática é que, no início da crise empresarial (muitas vezes, inclusive, antes de se procurar operações de crédito), as sociedades empresárias deixam de recolher seus impostos, usando esse inadimplemento como uma espécie de “financiamento” de suas atividades, prática que leva à famosa “bola de neve”, acumulando-se, mês a mês, o passivo, que, em muitos casos, chega a se tornar impagável.

Na área de Recuperação de Empresas, quando nos deparamos com esse cenário, vemos, em muitos casos, uma tendência a tentar se proteger a atividade empresarial, em nome da preservação dos empregos etc.

Porém, por outro lado, os efeitos do inadimplemento dos tributos são nefastos, sobre dois principais aspectos: o primeiro, em se considerando a carga tributária exorbitante que temos no país, a concorrência desleal com outros players do mesmo segmento, pois, se o seu concorrente recolhe todos os impostos e você não faz o mesmo, vê-se uma exorbitante diferença da margem de resultados, o que proporciona, ao inadimplente, uma condição melhor de preços para o mercado; o segundo, o comprometimento de recursos que deveriam ir para os cofres públicos, que, em última análise, trata-se do dinheiro comum a todos.

É claro que, nesse segundo ponto, existem problemas sérios de desvios de recursos públicos por conta da corrupção e, também, o ineficiente emprego de tais recursos, por conta de má gestão. Porém, corrupção e incompetência na gestão da máquina pública não se tratam de problemas de recursos públicos, mas, sim, de uma questão cultural enraizada no país e da falta de maturidade eleitoral do brasileiro.

Diante desse cenário, no tocante às sociedades em recuperação, o que fazer? Acabar com a Recuperação Judicial para devedores do fisco? Facultar, à Fazenda Nacional, requerer a Falência de uma sociedade em recuperação, caso não consiga pagar seus tributos federais em moldes pré-determinados?

Trata-se de um tema muito difícil de endereçar, pois, conforme exposto, não se deve proteger uma sociedade empresária devedora de tributos a todo custo, sob pena de se ferir a coletividade (em uma esfera macro), bem como sua própria concorrência (em uma esfera específica).

Então, o que fazer? Nesse ponto, o convite à reflexão que se propõe é no sentido da análise da atuação das Fazendas na cobrança dos seus créditos.

Não se pode admitir que as empresas devam seus tributos por longos anos, isso é um fato. Porém, também é um fato que não se pode admitir a inércia e a ineficiência das Fazendas na cobrança de seus créditos pelos mesmos períodos, deixando empresas acumularem passivos imensos durante longos anos, sem uma postura eficiente para a recuperação desses créditos.

Trata-se de senso comum, para quem é especialista em cobrança, que, quanto maior é o atraso, mais difícil se torna a recuperação do crédito. Dessa forma, supor que a maioria das empresas que atualmente se valem do processo de Recuperação Judicial terão condições de pagar os seus tributos em atraso com parcelamentos pré-determinados em tetos de, por exemplo, 120 meses, mostra-se utópico.

Mas então a solução seria um perdão de dívidas? Obviamente não, pois poderia até estimular, ainda mais, o não pagamento de tributos.

Dessa forma, mostra-se adequado se endereçar essa questão em duas frentes.

A primeira delas, que tivemos a oportunidade de sugerir quando se discutiu a reforma da lei, porém que não foi acatada, podemos chamar de “tratamento matemático do legado”. Como a questão de se haver muitas empresas com grandes débitos fiscais no Brasil se trata de situação posta, quando uma delas ingressar com pedido de Recuperação Judicial, o legislador deve pensar em mecanismos que garantam a retomada imediata do recolhimento de tributos a partir do stay period, diante do “efeito caixa” que ele traz, pensando-se em alternativas possíveis para pagamento do débito pretérito, que pode ser, num primeiro momento, a estipulação de uma “data de corte”, como um prazo sugerido de dois anos anteriores ao pedido de Recuperação, para ser pago, aí sim, em um prazo razoável pré-determinado (por exemplo, de dois anos), a se iniciar após a aprovação do Plano de Recuperação, com consequências em caso de inadimplemento. A partir então da quitação desse saldo de débitos de dois anos anteriores ao pedido de Recuperação Judicial, mantendo a empresa também a regularidade fiscal, poder-se-ia se manter os mesmos valores de parcelas, pensando-se numa dinâmica de atualizações, até a quitação do saldo remanescente, que, em muitos casos, certamente transporá décadas, diante das bolas de neve que se verificam na prática.

Porém, essas não seriam condições totalmente diferentes de tudo o que já se viu? Sim, contudo se trata de ônus das Fazendas pela ineficiência nos mecanismos de cobrança dos seus créditos, o que nos levará às reflexões sobre a “segunda frente”.

Na segunda frente, a ideia é que as Fazendas Públicas criem mecanismos melhores para a cobrança de seus créditos logo no início do atraso, valendo-se, inclusive, de tecnologia, que mostre, no mês contra mês, quando determinada empresa deixa de recolher determinado tributo, gerando “sinais de alerta”, que iniciem mecanismos eficazes de cobrança, ou, até mesmo, ingresso rápido com medidas judiciais.

Sobre a primeira frente, o legislador, quando da redação da Lei 14.112/2020, optou por tentar trazer um prazo pré-determinado, o que, como previsto, não solucionou o problema, que se trata de assunto puramente matemático, culminando na já esperada encruzilhada para o Poder Judiciário, cuja solução atual, em última instância, não viu alternativa senão suspender os processos. A pergunta é: até quando? Como solucionar o problema?

Dessa forma, o ponto para reflexão que se deixa é, novamente, a necessidade de se endereçar o assunto de forma prática e matemática, o que se entende como a única solução cabível para se endereçar, de vez, a possibilidade de reorganização do passivo fiscal dessas empresas, bem como se reforçar o alerta para que o fisco altere sua dinâmica de cobrança para novos atrasos, como forma de se sanar o círculo vicioso que observamos atualmente.

 

Fernando Pompeu Luccas é advogado, administrador judicial, professor, escritor e presidente da Comissão de Estudos em Falência e Recuperação Judicial da OAB/Campinas.

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