A Obrigatoriedade do Duplo Grau de Jurisdição no Processo Administrativo

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Autora: SUZY GOMES HOFFMANN. Advogada. Sócia da Gomes e Hoffmann, Bellucci, Piva Advogados. Mestre e Doutora em Direito Tributário pela PUC-SP. Ex-Vice-Presidente do CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais).

Coautora: KENIA FERREIRA ALVES. Advogada. Pós-graduada em Direito Tributário pelo IBET (Instituto Brasileiro de Estudos Tributários). Pós-graduanda em Direito Tributário pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

RESUMO: O presente artigo tem por objetivo analisar e tecer comentários e considerações a respeito do que vem a ser o CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, de sua atuação no âmbito administrativo tributário, bem como de sua possível extinção pela Receita Federal do Brasil.

Sumário: 1. Introdução. 2. CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais: Conceito. 3. Constituição e Processo Administrativo Tributário. 4. O Processo Administrativo como Desdobramento da Democracia. 5. Possibilidade de Extinção do CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais e seus Possíveis Desdobramentos. 6. Considerações Finais. 7. Bibliografia.

          1 – INTRODUÇÃO

A Receita Federal do Brasil, está analisando a possibilidade de extinção do CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, órgão do Ministério da Economia, responsável pelo julgamento dos Recursos Administrativos Tributários da Receita Federal.

Torna-se necessário verificar como se dá a obrigatoriedade do princípio do duplo grau de jurisdição, no Processo administrativo, no âmbito do CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais -, bem como, partindo de uma análise dos princípios constitucionais, que também se aplicam ao processo administrativo, analisando o acesso dos contribuintes ao CARF, e as  implicações que seriam geradas com uma possível extinção do referido órgão.

  1. CARF – CONSELHO ADMINISTRATIVO DE RECURSOS FISCAIS: CONCEITO

O CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais-, foi criado pela Medida Provisória nº 449, de 03.12.2008, convertida na Lei nº 11.941, em 27.05.2009. Faz parte do Ministério da Economia, sendo um órgão colegiado e tem como objetivo julgar recursos administrativos de decisão de Primeira Instância que versem sobre a aplicação da legislação referente a tributos administrados pela Receita Federal do Brasil.

O CARF, no modelo que agora vigora, é resultado da unificação da antiga estrutura do Conselho de Contribuintes, na qual se tinha o Primeiro (IRPF e IRPJ), o Segundo (IPI) e o Terceiro (Aduana) Conselhos de Contribuintes. É formado por 216 conselheiros, dentre eles metade são de auditores fiscais, que representam a Receita Federal do Brasil, e a outra metade, são membros indicados por confederações e entidades de classes que representam os contribuintes.

  1. CONSTITUIÇÃO E PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO

A Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso LIV, estabelece como direito fundamental, o devido processo legal, e, no inciso LV, do referido artigo, assegura a todos em processo judicial ou administrativo o direto ao contraditório e à ampla defesa.

Como visto acima, a Carta Magna, foi expressa em resguardar o direito ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, também para a esfera administrativa.

Entende-se que o duplo grau de jurisdição possibilita às partes que o processo seja analisado em mais de uma instância, sendo uma superior à outra. Isso ocorre devido ao fato de que toda decisão pode ser passível de revisão.

E, mesmo se utilizando do argumento de que na jurisdição brasileira, pode-se socorrer ao judiciário a qualquer tempo, não há que se falar na supressão do direito ao duplo grau de jurisdição, tendo em vista que com a  atuação do CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, garante-se o exercício da referida garantia. Uma vez que o contribuinte tem a possibilidade de ter sua demanda analisada ainda no âmbito administrativo.

  1. PROCESSO ADMINISTRATIVO COMO DESDOBRAMENTO DA DEMOCRACIA

Sabe-se que o Estado Democrático de Direito, tem como corolário o total respeito à democracia. Assim, torna-se muito importante a existência de Tribunais Administrativos, nos quais se possa exercer amplamente os direitos assegurados na Constituição Federal.

Com base no Julgamento da ADI 1976, que tem como Relator o Ministro Joaquim Barbosa, no processo de construção da democracia, bem como de um Estado Democrático de Direito, a Administração Pública tem que respeitar, antes de tudo o princípio da legalidade, tanto no âmbito administrativo como no judicial. E que, não sendo possível o recurso administrativo, inviabiliza a possibilidade de a própria administração rever um ato, porventura ilícito.

Vê-se que a supressão da instância administrativa seria verdadeiro ato atentatório aos princípios de um verdadeiro Estado Democrático de Direito. Pois, haveria impedimento de todos os contribuintes terem seus processos analisados numa esfera que lhes permite não apresentar garantias. 

  1. POSSIBILIDADE DE EXTINÇÃO DO CARF – CONSELHO ADMINISTRATIVO DE RECURSOS FISCAIS E SEUS POSSÍVEIS DESDOBRAMENTOS

É sabido que várias notícias a respeito de uma  possível extinção do CARF vêm sendo veiculadas.

A Receita Federal do Brasil está revendo a viabilidade de manter tal órgão e traz em sua defesa o argumento da eficiência. Ora, para ser eficiente, não necessariamente é preciso suprimir direitos amplamente assegurados pela Carta Magna.

Se o que se pretende é ser eficiente, haveria que se analisar as possibilidades de implementação de modelos que ampliassem tal eficiência.

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim, entende-se que a possibilidade de o contribuinte recorrer ao CARF não poderia ser suprimida por se tratar de garantia constitucional ao devido processo legal, à ampla defesa e ao duplo grau de jurisdição.

Há que se levar em conta, também, que o Processo Administrativo Tributário é o único momento em que o contribuinte pode discutir o lançamento do tributo sem ser onerado. Ou seja, sem ter que apresentar garantia.

Dessa forma, mesmo aquele contribuinte tido como sonegador tem o direito de ver seu recurso julgado administrativamente, se valendo de um julgamento justo.

De outro modo, extinguindo-se o CARF, haveria o risco de um “efeito dominó”, pois, todos os tribunais administrativos tributários do país teriam precedente para fazer a mesma coisa.

Tal possibilidade geraria uma corrida ao Judiciário. O que poderia transferir a alegada falta de eficiência dos tribunais administrativos para o Judiciário, o que se veria com um aumento expressivo em suas demandas tributárias. Sem contar, que, na esfera judicial, o contribuinte teria despesas processuais, que poderia evitar, no caso de ter sua demanda julgada procedente em âmbito administrativo.

Seria a falta de eficiência, alegada como motivo para a extinção do órgão, culpa do contribuinte? Seria o contribuinte o responsável pela demora no julgamento das demandas administrativas e, consequentemente, pelo acúmulo de processos pendentes de julgamento?

Entende-se que não. Seria necessário, ao invés de simplesmente extinguir o CARF, suprimindo garantias processuais constitucionais, que fossem criados e implementados mecanismos de aperfeiçoamento na dinâmica do referido tribunal.

Tem-se, ainda, que o CARF contribui de modo efetivo para o aperfeiçoamento de discussões jurídico-tributárias, por ser um órgão de referência nacional. Contribuindo para assegurar ao contribuinte o direito constitucional do devido processo legal.

  1. BIBLIOGRAFIA

ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário. 13ª ed. Salvador: Ed. Juspodium, 2019.

MELO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo. 2ªed. RT.1991.

COELHO, Gabriela. Auditores da Receita propõem ao Governo extinção do CARF. 2019. Disponível em: <https://conjur.com.br/>. Acesso em setembro de 2019.

Receita Federal do Brasil – RFB/CARF. Disponível em:<https://fazenda.gov.br/>.Acesso em setembro de 2019.

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