Preços de Transferência: Brasil e OCDE

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Autor: ANTÔNIO AUGUSTO SOUZA DIAS JÚNIOR. Procurador da Fazenda Nacional – Mestrando em Direito Tributário Internacional pelo IBDT-SP. Especialista em Direito Tributário pelo IBET e pelo Damásio. Professor de Direito Tributário

 

Coautora: MARIA DANIELLE REZENDE DE TOLEDO. Advogada. Membro da Comissão de Direito Tributário da OAB Campinas. Especialista em Direito Tributário pela Unicamp e Centro de Extensão Universitária.

 

RESUMO: O presente artigo tem por objetivo analisar e tecer comentários e considerações a respeito de preços de transferência, considerando o modelo aplicado pelo Brasil, o modelo proposto pela OCDE  e as tratativas de entrada do Brasil na OCDE.

Sumário: 1. Introdução. 2. Preços de Transferência (Transfer Price). 3. Proposta da OCDE para Preços de Transferência. 4. Processo de entrada do Brasil na OCDE e Preços de Transferência. 5. Considerações Finais. 6. Bibliografia.

 

  1. INTRODUÇÃO

 

A temática envolve o comércio entre pessoas vinculadas ou associadas localizadas em diferentes jurisdições (subsidiárias de multinacional ou representantes comerciais exclusivos, por exemplo).

A importância do tema, além de identificar soluções para eventuais divergências entre as partes contratantes e os impactos fiscais envolvendo as transações, está no expressivo impacto econômico que as transações internacionais representam.

Isso porque, segundo relatório da ONU de 26/02/2013, 80% do comércio mundial se dá entre os ramos das empresas multinacionais[1].

  1. PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA (TRANSFER PRICE)

 Para melhor discussão sobre o tema, indispensável o seguinte questionamento: o que são preços de transferência?

São os preços pelos quais uma empresa transfere bens físicos e propriedade intangível ou fornece serviços a empresas associadas[2]. Há quem entenda como preço de transferência também a transferência de dinheiro, na forma de empréstimos[3], feito entre empresas de mesmo grupo, como facilitador de transferência de renda e recursos.

Há, portanto, dois elementos no conceito de preços de transferência: a) uma transação onerosa; que seja b) realizada entre duas pessoas associadas.

Qual o objetivo das regras de preços de transferência?

Combater a transferência artificial de lucros. Ou, em termos mais detalhados, controlar os preços de transferência em certas transações (importações, exportações e mútuos) envolvendo partes vinculadas ou residentes ou domiciliadas em país ou dependência com tributação favorecida, para fins de apuração da base de cálculo dos tributos incidentes sobre a renda das pessoas jurídicas.

As regras sobre preços de transferência se aplicam sobre:

  • Importação e exportação de bens, direitos e serviços realizada entre partes vinculadas ou entre residente no Brasil e residente ou domiciliado em país ou dependência com tributação favorecida (comumente chamados de “paraísos fiscais”) ou sob “regime fiscal privilegiado”.
  • Juros derivados de empréstimos não registrados no Banco Central do Brasil entre partes vinculadas ou entre residente no Brasil e residente ou domiciliado em paraíso fiscal ou país ou dependência sob “regime fiscal privilegiado”.

Principais tributos envolvidos: IRPJ e CSLL, mas em situações de conexão com valoração aduaneira, pode envolver I.I., IPI, PIS-Importação, COFINS-Importação e ICMS.

Métodos: Métodos dos Preços Independentes Comparados (PIC); Método do Preço de Revenda menos Lucro (PRL); Método do Custo de Produção mais Lucro (CPL).

  1. PROPOSTA DA OCDE PARA O CONTROLE DOS PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA: UTILIZAÇÃO DO PRINCÍPIO ARM’S LENGTH E SEPARATE ENTITY APPROACH.

O princípio arm’s length busca tratar as partes das multinacionais como se fossem entes distintos atuando em condições de mercado. 

A OCDE, nessa linha, sustenta que as empresas associadas buscam replicar a dinâmica de mercado nas suas transações umas com as outras [OECD (2017), OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administration 2017, OECD Publishing, Paris, p. 33].

O arm’s length, ao buscar uma comparação entre pessoas ligadas e terceiros independentes, trata as partes de um todo (unidades do grupo multinacional) como entidades separadas (separate entity approach).

 Críticas ao arm’s length:

  • não se pode comparar uma multinacional que atua em vários países com uma empresa localizada em uma única jurisdição (“comparando o incomparável”);
  • a própria essência de uma multinacional diz respeito à sua atuação conjunta como uma única entidade (sinergia), e não como entes separados;
  • a economia digital e intangíveis – comparáveis mais escassos;
  • alta carga de complexidade em análises econômicas (investigação de margens de lucro) e elevados custos de conformidade.

O Brasil adotou o princípio arm’s length?

 

O  princípio arm’s length, em tradução direta, significa “distância de um braço”, que segundo Vivian de Freitas e Rodrigues de Oliveira, pode ser descrito como aquele que determina que transações entre entidades de um mesmo grupo devem – para fins fiscais – ser mensuradas com preços que seriam aplicados por partes independentes em transações similares, sob condições similares em um mercado aberto[4].

 A Lei 9.430/1996, legislação que trata do assunto no ordenamento jurídico brasileiro, não menciona expressamente o termo.

O item 12 da exposição de motivos dessa lei, apesar de sustentar que as regras brasileiras “estariam em conformidade com regras adotadas nos países integrantes da OCDE”, não é categórico sobre a adoção ou não do padrão arm’s length pelo Brasil.

Segundo Ricardo Mariz de Oliveira[5], a Lei 9.430/94 não adotou o referido princípio, mas adotou e descreveu regras e métodos rígidos e únicos, os quais, em determinadas situações, podem conduzir aos valores que terceiros independentes praticariam, mas em outras situações não conduzem a esse resultado.

É possível dizer que a lei brasileira privilegiou a praticabilidade, cedendo a uma adoção mais rigorosa do princípio arm’s length.

O melhor exemplo disso está nas margens fixas de lucro do método PRL, em oposição a uma análise funcional e caso a caso para determinação da margem de lucro, preconizada pela OCDE.

O modelo brasileiro é mais adequado a países em desenvolvimento, por exigir menos recursos do fisco.

 Críticas:

  • as margens são aplicadas independentemente da estrutura de custos da empresa (SCHOUERI, Arm’s Length: Beyond the Guidelines of the OECD);
  • ausência de transparência quanto aos critérios utilizados para se chegar às margens legais (SCHOUERI, op. cit.);
  • dificuldades impostas ao contribuinte para refutar as margens legais, transferindo um ônus que deveria ser do Fisco (SANTIAGO e LOBATO)

Apesar da maior parte das críticas serem legítimas, entendemos que o modelo brasileiro não deve ser abandonado, mas sim aprimorado, notadamente pelo baixo índice de litigiosidade em preços de transferência, fator relevante a ser considerado.

O modelo brasileiro, ainda, está de acordo com as capacidades institucionais da Receita Federal do Brasil, o que possibilita a sua aplicação e fiscalização. (Sérgio André Rocha, International Taxation, Epistemologies of the South, and Institutional Capacities: Transfer Pricing and the Universalization of the OECD Standards).

 

  1. PROCESSO DE ENTRADA DO BRASIL NA OCDE E PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA

 A questão ganhou bastante relevância e passou a ser objeto de noticiários em razão da possibilidade da indicação do Brasil para entrada na OCDE, através do governo dos Estados Unidos da América[6].

Fato é que referida perspectiva de entrada do Brasil no referido órgão já é objeto de estudo e tratativas pelo Governo Brasileiro há tempos.

A OCDE e a RFB emitiram declaração conjunta em evento de alto nível realizado em 11/7/2019 para apresentar os resultados de um programa de trabalho de 15 meses realizado pela OCDE em conjunto com a RFB.

Tal declaração “não indica apenas áreas para maior alinhamento, mas propõe um mero descarte da legislação brasileira” (https://www.conjur.com.br/2019-jul-25/opiniao-seguranca-juridica-isonomia-relacao-brasil-ocde).

Talvez a maior perda para o Brasil em eventual entrada na OCDE seria uma abdicação do modelo de margens fixas, que embora imperfeito, se mostra mais vantajoso do que um modelo complexo como o da OCDE.

Nesse contexto, indispensável trazer a análise de Phelippe Toledo Pires de Oliveira, para quem:

“despite some criticism and possible improvements, Brazilian transfer pricing rules have proven to be advantageous (for example, their simplicity and their low compliance cost). If transfer pricing becomes a deal-breaker, it would be a shame to see Brazilian tax authorities abandoning its pre-fixed margins[7] (in Brazil’s Entry into the OECD: State of Play, Tax Challenges and Potential Outcomes, British Tax Review Issue 1, 2019)

“O documento sugere que a atual abordagem brasileira seja inconciliável com princípio arm’s length, do que discordamos fortemente. (…) acreditamos que as margens predeterminadas sejam sim compatíveis com o padrão internacional, desde que as margens estejam dentro de um espectro arm’s length, isto é, sejam melhor calibradas vis-à-vis o respectivo setor empresarial, e operem meramente como presunção relativa disponível aos contribuintes.” (SCHOUERI, ROCHA, TORRES e TAVARES. https://www.conjur.com.br/2019-jul-25/opiniao-seguranca-juridica-isonomia-relacao-brasil-ocde)”

Atualizando a situação da inclusão do Brasil na OCDE, indispensável mencionar que ainda não está definida a situação do Brasil, pois ainda não foi dada a recomendação de adesão, indicação prometida pelo Governo Norte Americano ao Governo Brasileiro.

O que se vislumbra no presente momento é o apoio dado à inclusão da Argentina e Romênia, de forma que o ingresso do Brasil na OCDE poderá ser objeto de novas discussões.

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS.

 As possibilidades de métodos para aplicação de Preços de Transferência implicam em análise de mercado interno e externo para melhor escolha do modelo que pode auxiliar o País a equilibrar balança comercial, receber a tributação devida e ainda evitar a remessa de valores ao exterior.

Por certo que um modelo único poderia facilitar o controle e a uniformidade de entendimento entre os inúmeros países que comercializam entre si. Mas tal modelo deve ter em mente a real possibilidade de aplicação pelos países em desenvolvimento, de forma que o modelo internacional não seja de impossível aplicação por algum país.

Nesse contexto, vislumbramos que o aperfeiçoamento da legislação e modelo brasileiro, com eventuais adaptações para harmonizar com o modelo da OCDE, principalmente se o Brasil passar a fazer parte como membro efetivo, poderá ser medida com real benefício ao nosso país.

 

  1. BIBLIOGRAFIA

 

OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 839.

 

OLIVEIRA, Vivian de Freitas e Rodrigues de. Preço de transferência como norma de ajuste do imposto sobre a renda. São Paulo: Noeses, 2015.

 

OWENS, Jeffrey. Should the Arm’s Length Principle Retire? International Transfer Pricing Journal. 2005 (Volume 12), No. 3.

 

OLIVEIRA, Phelippe Toledo Pires de. Brazil’s Entry into the OECD: State of Play, Tax Challenges and Potential Outcomes, British Tax Review Issue 1, 2019

 

SCHOUERI, Luiz Eduardo. ROCHA, Sérgio André. TORRES, Heleno Taveira.  TAVARES, Romero J. S.  Disponível em < https://www.conjur.com.br/2019-jul-25/opiniao-seguranca-juridica-isonomia-relacao-brasil-ocde >. Acesso em agosto 2019.

 

Lei 9.430/96. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9430.htm >. Acesso em setembro de 2019.

[1][Disponível em: http://unctad.org/es/paginas/PressRelease.aspx?OriginalVersionID=113. Acesso em 03.08.2018].

[2](OECD 2017, OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administration 2017, OECD Publishing, Paris, p. 17).  

[3] OWENS, Jeffrey. Should the Arm’s Length Principle Retire? International Transfer Pricing Journal. 2005 (Volume 12), No. 3.

[4] Oliveira, Vivian de Freitas e Rodrigues de. Preço de transferência como norma de ajuste do imposto sobre a renda. São Paulo: Noeses, 2015.

[5] OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 839.

[6] Nesse sentido, vejamos notícia “o presidente Jair Bolsonaro assinou hoje (18/07) o decreto que cria o conselho que vai acompanhar a adesão do Brasil à OCDE.” (http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2019-07/governo-cria-conselho-brasil-ocde-e-revoga-centenas-de-decretos).

[7] “A pesar de passível de críticas e possíveis melhorias, as regras brasileiras de preços de transferência já provaram ser vantajosas (por exemplo, sua simplicidade e seu baixo custo de conformidade). Se o preço de transferência se tornar um obstáculo, seria uma pena ver as autoridades brasileiras abandonando sua prática de margens pré-fixadas.”

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