Sociedades Uniprofissionais

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Autor: ABELARDO PINTO DE LEMOS NETO, advogado sócio do escritório Lemos Advocacia para Negócios. Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo, pós graduado em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP.  Pós graduado em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Mestrando em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP.

Coautora: LYVIA AMICO, advogada tributarista no Lemos Advocacia para Negócios, Pós-graduada em Direito Tributário pela GV-Law, Membro da Comissão de Direito Tributário da Ordem dos Advogados do Brasil – Subseção de Campinas. 

RESUMO: A questão sobre a tributação do ISS nas sociedades profissionais é objeto de discussão há décadas. O presente artigo objetiva apresentar uma linha do tempo e as perspectivas jurídicas e jurisprudenciais sobre o assunto.

Sumário: 1. Introdução. 2. Progressão no tempo. 3. Pontos de Conflito. 4. Conclusão.

 

  1. INTRODUÇÃO

Abordar o tema é válido para constatar o distanciamento que existe entre a realidade dos fatos, as disposições normativas e, sobretudo, o entendimento jurisprudencial. É manifestamente flagrante esse distanciamento e a necessidade de uma revisão do entendimento que até então os tribunais, principalmente superiores, têm manifestado, sem abordar o Tribunal de Justiça, uma vez que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem uma riqueza maior de decisões sobre esse assunto e é a quem cabe a palavra final.

 

  1. PROGRESSÃO NO TEMPO

Essa discussão teve início em 1968, quando foi publicado o Decreto-Lei nº 406, cujo artigo 9º tratava da tributação da prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte e, em seu parágrafo 3º, trazia menção específica sobre a prestação de serviço realizada por pessoa jurídica.

Esse parágrafo faz alusão a determinados serviços que, quando prestados por sociedades, estarão sujeitos ao ISS calculado com relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável:

                                               “Art 9º A base de cálculo do impôsto é o preço do serviço.

  • 3° Quando os serviços a que se referem os itens 1, 4, 8, 25, 52, 88, 89, 90, 91 e 92 da lista anexa forem prestados por                                                             sociedades, estas ficarão sujeitas ao imposto na forma do § 1°,                                                calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio,                                                      empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade,                                                embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei                                                aplicável.”   

Após a promulgação da Constituição de 1988, houve larga discussão acerca da constitucionalidade desse parágrafo, porque a Lei Complementar nº 123, de 2006, especificamente sobre essa questão, apenas mencionou o Decreto-Lei ao revogar alguns de seus dispositivos, mas não o artigo 9º. Se assim não o fez, permitiu amplo o debate sobre se teria havido ou não a revogação desse dispositivo e o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o artigo permanece plenamente vigente.

Faz-se necessário, então, verificar, usando como exemplo a legislação de Campinas, como se comportaram as Municipalidades diante dessa tributação diferençada no tocante à prestação de serviços de sociedades de profissionais (sem referência às sociedades uniprofissionais).

De acordo com a Lei campineira, houve uma evolução notória com relação à participação dessas sociedades de profissionais.

Isso porque, desde 1994, quando foi editada a Lei Municipal nº 8.230, até os dias atuais, com a vigência da Lei Municipal nº 12.392, há um sem número de disposições nas quais a Municipalidade procura a todo tempo cercar ou, de alguma forma, não restringir, mas regular, a questão da pessoalidade na prestação desse serviço de natureza profissional.

A Lei nº 8.230, de 1994, em seu artigo 30, § 2º, repete a redação do Decreto -Lei para estabelecer que na ocorrência de prestação de serviços por sociedades de profissionais o valor do imposto será fixo e anual, quando enquadrados nos itens dos serviços trazidos pelo artigo e pela Lei,  e desde que seja praticado por profissional habilitado, que integre a sociedade como sócio, empregado ou não, e que preste serviços em nome da sociedade, assumindo a responsabilidade pessoal pelos serviços executados nos termos da legislação aplicável.

Posteriormente a essa legislação, no ano de 2001, houve o advento da Lei Municipal nº 11.110, que, em seu artigo 26, §§ 1º, 2º e 3º,  trouxe acréscimos para a disposição vigente anteriormente, a fim de detalhar, em seu parágrafo 2º, o que se deveria entender por prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal. O parágrafo define que assim deve-se entender aquela em que “todas as etapas de elaboração e execução de seu objeto sejam efetuadas diretamente pelo contribuinte”, ou seja, usando como exemplo uma clínica médica, ao médico caberia realizar todas as ações desde abrir a porta para receber seu paciente, atender ao telefone, realizar agendamentos, fazer o atendimento e realizar os procedimentos médicos necessários.

O parágrafo 3º, então, trouxe a exclusão da aplicação desse regime específico aos profissionais autônomos ou às sociedades profissionais de cunho empresarial ou equivalente à de empresa.

Em 2003, foi publicada a Lei Municipal nº 11.829, que trouxe basicamente a mesma disposição do Decreto-Lei e das Leis que a antecederam, mas também a necessidade de que o profissional desenvolvesse todas as etapas da prestação de serviço, com a seguinte observação: “o contribuinte considerado profissional autônomo é a pessoa natural que fornecer o próprio trabalho e o disposto no regime diferenciado somente se aplica à sociedade uniprofissional, ou seja, aquela sociedade que detenha ou que possua apenas um objeto social, cujos sócios, pessoas naturais, forneçam o próprio trabalho com o auxílio de, no máximo, cinco pessoas, empregados ou profissionais autônomos”. Passou-se a permitir, então, a contratação de auxiliares para a realização da atividade, desde que limitada a cinco pessoas.

Se contratado um maior número de pessoas, nos termos da Lei Municipal nº 11.829, de 2003, seria inaplicável esse regime de tributação. Faz-se, então, uma regressão ao texto do Decreto-Lei que não previa limitação quanto ao número de pessoas passíveis de contratação pelas sociedades profissionais, ao que se percebe que a limitação trazida pela municipalidade veio restringir o alcance daquela disposição legal.

Atualmente vige a Lei Municipal nº 12.392, de 2005, que estabelece essencialmente as mesmas disposições, trazendo apenas, em relação às sociedades médicas, a autorização para que possa haver um concurso de assistentes, auxiliares, sem qualquer limitação quanto ao número de pessoas que podem ser contratadas para tanto.

 

  1. PONTOS DE CONFLITO

Feita essa apresentação do tema, existem alguns pontos de conflito importantes de vislumbrarmos.

O primeiro deles é a questão de ser uma sociedade simples ou uma sociedade empresária. Outro ponto é a caracterização da pessoalidade na prestação do serviço e, por último, a responsabilidade pessoal do prestador de serviço.

Em relação ao primeiro ponto, a redação do Decreto-Lei nº 406 não menciona qualquer distinção de que a sociedade deveria ser enquadrada como uma sociedade simples ou uma sociedade empresária.

Esse entendimento adveio de uma construção jurisprudencial por meio da qual se entendeu que uma vez que o serviço tem que ser pessoal, ele tem que ser prestado por aquele profissional devidamente habilitado e uma sociedade empresária não deteria a possibilidade de desenvolver a prestação de serviço nessa linha, atendendo a esses requisitos.

Esse entendimento é uma construção jurisprudencial, mas nem sempre essa questão se mostra verdadeira.

A sociedade empresária é aquela cujo exercício da atividade é própria de empresário, que é aquele que exerce uma atividade organizada, seja de produção de bens ou de prestação de serviços, sendo que o Código Civil, nessa questão, não define o que seria uma atividade organizada. A construção quanto a isso é igualmente doutrinária e jurisprudencial.

As sociedades simples são reservadas para as profissões ditas intelectuais, ou seja, aquelas em que o profissional utiliza o seu saber e o seu conhecimento para o exercício.

Quanto a esse ponto, uma questão a que os tribunais vêm se apegando para reconhecer que uma sociedade empresária não possui o direito de usufruir do benefício é o fato de ter, notadamente, lucro, resultados positivos. Ao eleger isso em seu contrato social como uma meta a ser alcançada ela perde a pessoalidade no exercício da sua função e, por essa razão, haveria um impedimento para que uma sociedade empresária pudesse ser considerada passível de usufruir do benefício.

Na verdade, esse é um entendimento que não pode prevalecer, porque as próprias sociedades simples, ao se constituírem, seguem a determinação legal trazida pelo Código Civil, em seu artigo 997, inciso VII, e fazem constar em seu contrato de constituição qual o destino dos lucros e das perdas.

A controvérsia se dá então pela exclusão da possibilidade das sociedades empresárias se beneficiarem da tributação em bases fixas porque distribuem lucros, cabendo então às sociedades simples esse benefício, sendo que estas últimas estão obrigadas, por lei, a destinar os lucros e perdas em seu contrato social.

Caberia ao Judiciário decidir o assunto, o que não tem ocorrido. As decisões que têm sido proferidas são no sentido de que a sociedade adota a forma de uma sociedade empresária, porque distribui lucros e, por isso, não poderia usufruir do benefício. Ora, uma sociedade simples distribui lucros, como previsto no Código Civil.

No que diz respeito ao segundo ponto, a questão da pessoalidade, é importante destacar que o Decreto-Lei nº 406 não estabeleceu o regime de tributação fixa somente para sociedades uniprofissionais, sendo que faz expressa referência às sociedades de profissionais.

Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal (STF), em um julgado de maio de 1982, assegurou a tributação do ISS tanto às sociedades uniprofissionais quanto às pluriprofissionais. O entendimento foi no sentido de que o Decreto-Lei não faria qualquer distinção, razão pela qual não caberia à Lei Complementar, ou qualquer outra regulamentação, fazê-la.

Por fim, quanto à responsabilidade pessoal, existem previsões legais específicas para cada tipo de atividade realizada pelos profissionais. Com isso se pode dizer que o Decreto-Lei esvazia a questão ao estabelecer um regime de tributação diferenciado para as sociedades de profissionais que atuam de maneira pessoal, com assunção de responsabilidade pessoal por aqueles que exercem a atividade porque assim não poderia ser diferente já que as atividades do advogado, médico ou engenheiro, por exemplo, possuem previsões legais específicas que regulamentam sua responsabilidade pessoal.

  1. CONCLUSÃO

Em resumo, o que se demonstrou foi a necessidade de que a jurisprudência evolua no sentido de reconhecer a validade das disposições do Decreto-Lei nº 406 e suas disposições frente a essa tentativa das Municipalidades no sentido de cada vez mais restringir o alcance para não permitir o exercício pleno da atividade profissional dessas sociedades que têm o resguardo de legislação específica e, por essa razão, há imperiosa necessidade de revisitação deste assunto.

 

 

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