O plano de ação contra o dinheiro que não deixa rastros para ser Tributado

Relevação e Redução da Multa Fiscal  à Luz do Art. 527-A do Regulamento do ICMS do Estado de São Paulo
16/03/2021
Sociedades Uniprofissionais
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Autor: ADELMO DA SILVA EMERENCIANO, Advogado. “Business Complex Litigation”, Mestre e Doutor pela PUC/SP.

Autora: ALESSANDRA CERVELLINI, Advogada, MBA em Direito Tributário pela FGV/Rio, especialista em contratos, tributos, direito aplicado ao agronegócio, com habilidades de negociação e mediação inclusive no que toca o direito de família e sucessão.

Resumo: O presente artigo tem por objetivo lançar luz sobre os desafios da economia digital, apresentar algumas ações que estão sendo feitas para combater a transferência artificial de lucros para países com baixa tributação e quais medidas o Brasil tem conseguido levar adiante com êxito.

 Sumário: 1. Introdução. 2. O que é o BEPS?; 3. A busca por soluções. 4. Informalidade das compras e vendas feitas por meio da internet. 5. O enfraquecimento do sistema tributário. 6. O plano das 15 ações. 7. Brasil hoje – desdobramentos das ações definidas pelo BEPS. 8. Conclusão

 

  1. INTRODUÇÃO

Neste artigo será levantada algumas questões sobre a Erosão da Base Tributável e Transferência de Lucros – EBTT, que internacionalmente é conhecido com a sigla BEPS “Base Erosion and Profit Shifting”.

Essa erosão é detectada, explicando de forma rasa, quando são feitos planejamentos fiscais que tem como pilares a não coerência das normas legais de cada país, que se desdobra numa não definição do que é a base tributável e falta de transparência, e colaboração entre as autoridades fiscais para dar segurança e previsibilidade ao sistema de tributação.

 

  1. O QUE É O BEPS?

Erosão da Base Tributável e Transferência de Lucros – BEPS, essa é a denominação para o projeto que intenta combater a transferência artificial de lucros para países com baixa tributação, estas novas estruturas e medidas visam barrar/minimizar a evasão e a elisão fiscal.[1]

A coordenação deste projeto fica por conta da OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico que conta com a participação dos países que fazem parte do chamado G20, os do Grupo dos 20 – G20 do qual o Brasil faz parte, juntamente com a União Europeia e mais a Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão, Reino Unido, Rússia África do Sul, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, China, Coreia do Sul, Índia, Indonésia, México e Turquia.

Estes países tem a meta de implementar quinze diretrizes, que em tese trarão mais transparência ás práticas tributárias.

Foi criado em 2013, pelo grupo da OCDE, em função de investigações iniciadas em 2011, sobre evasão de impostos, das empresas Starbucks, Amazon e Google no Reino Unido, na sequência, foi a vez da empresa Apple ser investigada por ter tido benefícios não legais na Irlanda e o grupo italiano Fiat, que teria usado Luxemburgo para este fim.

Em 2015, foi divulgado um plano com ações práticas para diminuir a perda global de arrecadação de impostos.

 

  1. A BUSCA POR SOLUÇÕES

Dentre as preocupações do grupo está a dupla tributação, que é imposta ao contribuinte em alguns casos onde não há a observância de acordos, normas e convenções dos países com que o Brasil negocia, para resolver estas situações há um grupo já formado, o MAP – “Mutual Agreement Procedure”, que em tradução livre é um procedimento de acordo mútuo, que se trata de uma ferramenta de resolução breve de conflitos, disponibilizado pela Receita Federal do Brasil.

Há casos também, que a lacuna é o oposto, é a não incidência de tributos sobre os rendimentos da pessoa jurídica, ficando esta sujeita apenas a uma tributação nominal, trata-se do Princípio da congruência, assim, um pagamento que seria tributável e não o é. 

Mas esse ainda não é o grande problema da Receita Federal, a tecnologia cada vez mais avançada e tomando espaço na vida humana, no cotidiano é que está fazendo como que não só o governo do Brasil, mas de muitos países percam em recolhimento tributário.

Países que já estão com acordo em vigor para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal.[2]

[1] BRASIL. RECEITA FEDERAL. . Receita Federal disponibiliza Manual de Procedimento Amigável. 2019. Disponível em: <http://receita.economia.gov.br/noticias/ascom/2019/janeiro/receita-federal-disponibiliza-manual-de-procedimento-amigavel>. Acesso em: 23 out. 2019.

[2] Receita Federal MINISTÉRIO DA ECONOMIA. Acordos para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal. Disponível em: <http://receita.economia.gov.br/acesso-rapido/legislacao/acordos-internacionais/acordos-para-evitar-a-dupla-tributacao/acordos-para-evitar-a-dupla-tributacao>. Acesso em: 31 out. 2019.

 

 

  1. INFORMALIDADE DAS COMPRAS E VENDAS FEITAS POR MEIO DA INTERNET

Se hoje há muita compra e venda feita de modo informal por meio do WhatsApp, todas estas pessoas estão trabalhando, e circulando mercadorias sem pagamento de IRPF, INSS, ICMS, ISS em fim, há venda de trabalho e serviço e mercadoria sendo vendida e comprada sem nenhuma possibilidade atual de fiscalização, não há legislação que abarque todos esses novos modelos tecnológicos.

Quando se compra um software, ainda que este esteja em “nuvem”, já há legislação que define a incidência do ICMS sobre estas operações, independentemente do meio pelo qual este será disponibilizado, seja um aplicativo ou mesmo um serviço internacional, e há incidência de imposto, inclusive IOF se a compra é feita com cartão de crédito.

 

A importação com entrega via postal, também cresceu muito, sendo inegável que passem muitas mercadorias acima do valor tolerado de não incidência de imposto que é de até US$ 50 (cinquenta dólares).

 

 

  1. O ENFRAQUECIMENTO DO SISTEMA TRIBUTÁRIO

Por serem as legislações tributárias diferentes e com territorialidades diversas, empresas e pessoas físicas reduzem sua carga tributária com uma pequena manobra, mantém suas atividades produtivas ou geradoras de receita numa localidade e o pagamento dos impostos noutra, assim, com a escolha do local da tributação mais favorável é possível deslocar os seus rendimentos para regiões do Brasil onde a tributação é menor, ou até mesmo para país de menor carga tributária.

Em 2015 o Laboratório Allergan, localizado na Irlanda, foi comprado pela multinacional norte-americana Pfizer. Eles faziam o medicamento BOTOX, e na sequencia, a matriz Pfizer transferiu suas atividades produtivas para a Irlanda, onde a tributação sobre o seu resultado seria substancialmente menor.[1]

As empresas de menor porte ou com negócios somente locais enfrentam uma competição desigual, pois estas não possuem o aparato contábil e o suporte jurídico das empresas grandes e multinacionais que conseguem reduzir sua carga tributária com excelentes planejamentos tributários.

Como dito no plano de Ação da OCDE “A concorrência leal é afetada pelas distorções induzidas pela erosão da base tributária e pela transferência de lucros.”

 

  1. O PLANO DAS 15 AÇÕES

Estas 15 ações na verdade são direções para serem seguidas, cada País envolvido e interessado é que de fato terá que desenvolver suas regras e implantar efetivamente seu plano de ação, abaixo a lista com as 15 ações:[2]

Ação 1 – Negócios Digitais

Ação 2 – Entidades e Instrumentos híbridos

Ação 3 – Regras de CFC “Controlled Foreign Companies” – Controle de empresas estrangeiras

Ação 4 – Juros e outras deduções financeiras

Ação 5 – Práticas tributárias prejudiciais “Patent Boxes” – Caixas de Patentes

Ação 6 – Abuso no uso de tratados, propósitos e convenções

Ação 7 – Estabelecimento Permanente

Ações 8, 9 e 10 – Resultados de preços de transferência

Ação 11 – Análise de BEPS – Erosão da Base Tributável e Transferência de Lucros

Ação 12 – Divulgação de planejamento tributário agressivo

Ação 13 – Documentação de Preços de Transferência, tanto “local file” que se refere ás operações locais com entrega de documento ao fisco local, como “máster file”, que é a visão panorâmica do negócio, quando a empresa deve entregar documentos em todos os países em que atua e tiver operação.[3] Por fim o CbC “Country-By-Country Reporting” ou DPP – Declaração País-a-País, que também é um relatório que contém informações do grupo todo da empresa.

Ação 14 – Mecanismos de resolução de conflitos   

Ação 15 – Instrumentos Multilaterais

 

 

  1. BRASIL HOJE – DESDOBRAMENTOS DAS AÇÕES DEFINIDAS PELO BEPS

 

Há um Manual de procedimento amigável, que foi elaborado pela Receita Federal do Brasil, e está disponível em sua página.[4]

 

O objetivo daquele Manual é solucionar de forma não judicial as divergências entre contribuinte e fisco.  É uma inovação que não faz parte do atual ordenamento jurídico, mas é um instrumento de grande valia para resolver divergências ou dificuldades relativas à interpretação ou aplicação de uma convenção para evitar a dupla tributação – CDT ou um acordo internacional destinado a evitar a dupla tributação – ADT.

 

Importante frisar que este Manual de procedimento amigável – MAP, não interfere na contagem do prazo decadencial ou prescricional dos tributos em debate, não tem relação com o processo administrativo tributário, bem como não impede que seja feito em paralelo um pedido de restituição de tributos, que ficará suspenso durante a análise do MAP.

 

O pedido de abertura de procedimento amigável tem seus requisitos no Anexo I da IN nº 1.846/18 e os tributos que podem ser debatidos neste procedimento são o IR, a CSLL e os tributos abrangidos pelos acordos e convenções destinados a evitar a dupla tributação – ADT/CDT.

 

Hoje no Brasil, já há a implantação de algumas destas ações que pontualmente, estão anotadas abaixo.

Temos as Ações:

3 – Regras de Lucros no Exterior Lei 12.973/14

4 – Regras de Subcapitalização “Thin Cap” Lei 12.249/10

5 – Definição de atividade econômica substantiva – Holdings IN 1658/16 e Identificação do beneficiário final, CNPJ Investidor Estrangeiro IN RFB 1.897/19.

7 – Informações sobre estabelecimento permanente IN RFB 1.722/17

8, 9 e 10 – Regras de preços de transferência Lei 12.715/12

12 – Tentativa de divulgação de Planejamento Tributário Agressivo – LEI 13.202/15.

13 – FATCA, e-Financeira – IN 1.835/18 e DPP IN RFB 1.722/17.

14 – Regras para procedimentos amistosos IN RFB 1.669/16

15 – Acordo para troca de informações DPP; Criação do CRS “Commom Report Standard” via IN RFB 1.905/19.

 

Com a economia globalizada e o avanço da tecnologia, quase não há mais limites de fronteiras entre as nações para o deslocamento de suas bases tributáveis para locais com tributação mais favorável, o que causa uma grave injustiça fiscal, pois a riqueza é gerada em um país, mas quem arrecada os impostos é outro país que nada fez para forneceu para a criação da riqueza, é o chamado “planejamento tributário agressivo”, onde de modo raso, um ganha tudo e o outro nada.

 

Os casos que se tem notícia são os que movimentam grandes volumes de moeda, mas há milhares de outros casos que não ficam em evidencia e afetam significativamente os governos que não tem seus impostos arrecadados, por isso essas regras vieram para que o contribuinte tenha o dever de informar suas operações e seus propósitos negociais para as autoridades fiscais.

 

 

  1. CONCLUSÃO

 

As intenções e o plano de ações que o BEPS está se propondo a realizar, são de problemas já mapeados. O grande desafio é encontrar soluções e desenvolver legislação mais moderna que diminua as distorções existentes nos sistemas fiscais atuais, não somente do Brasil, mas de todos os países.

 

Como a velocidade das transformações, é cada vez mais frequente estes fóruns de discussão e levantamento de ideias para implantação de ações, que devem ser permanentes, acompanhando as modificações fáticas, com atenção especial para que no ímpeto de tentar melhorar não sejam criadas mais barreias e uma teia de condutas estabelecidas que na prática não são possíveis de serem executadas.

 

O objetivo é que se tenha um mapeamento claro com regras de tributação harmonizadas entre os países que executam negociações tributadas, ou seja, compram e vendem mercadorias e serviços e recebem dinheiro com transparência fiscal, o que tente a minimizar os abusos na utilização dos instrumentos jurídicos de modificação da base tributável.

 

É preciso, todavia, ter consciência de que extirpar a erosão das bases tributárias transnacionais é uma tarefa hercúlea.

 

[1] GILLEARD, Matthew. Pfizer-Allergan: how the US tax code is pushing companies through the exit door.“International Tax Review”, Dec. 2015. Disponível em:<http://www.internationaltaxreview.com/Article/3514531/Pfizer-Allergan-How-the-US-tax-code-is-pushingcompanies-through-the-exit-door.html>. Acesso em: 01 nov. 2019.

[2] GRANT THORNTON INTERNATIONAL LTD. BEPS Base Erosion and Profit Shifting: O novo Contribuinte global e as ações do Governo para combater a evasão fiscal. Disponível em: <https://fundacaofhc.org.br/imagens/35/71/arq_13571.pdf>. Acesso em: 31 out. 2019.

[3] SOARES, Débora. BEPS: Relatório final da OCDE. Disponível em: <https://ibefsp.com.br/beps-relatorio-final-ocde/>. Acesso em: 31 out. 2019.

[4] Ministério da Fazenda Receita Federal do Brasil. Manual – Procedimento Amigável. Disponível em: <http://receita.economia.gov.br/noticias/ascom/2019/janeiro/receita-federal-disponibiliza-manual-de-procedimento-amigavel/manual_de_procedimento_amigavel.pdf>. Acesso em: 31 out. 2019.

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