Relevação e Redução da Multa Fiscal  à Luz do Art. 527-A do Regulamento do ICMS do Estado de São Paulo

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Autor: PABLO FRANCISCO DOS SANTOS, Procurador do Estado de São Paulo. Mestre e Doutorando em Direito Comercial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Professor de Direito Comercial na Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUCCAMP.

Coautor: KETHILEY FIORAVANTE, advogada, formada pela Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP), pós-graduada pelo em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET) e em Gestão Tributária pela UNICAMP, membra da Comissão de Direito Tributário da OAB Subseção Campinas.

RESUMO: O presente artigo tem por objetivo analisar e tecer considerações acerca da aplicação do art. 527-A do Regulamento do ICMS, que versa sobre a relevação ou redução da multa tributária.

Sumário: 1. Introdução. 2. Dos requisitos objetivos e subjetivos para aplicação da redução relevação prevista no art. 527-A do RICMS; 3.  Da observância obrigatória da fundamentação da decisão que aplique o art. 527-A do RICMS. 4. Do controle judicial do Art .527-A do RICMS pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 5. Considerações Finais. 6. Bibliografia.  

 

  1. INTRODUÇÃO

O artigo 527-A do Regulamento do ICMS do Estado de São Paulo (Decreto nº 45.490/2000), apesar de antigo[1], tem ganhado cada vez mais relevância na jurisprudência pátria, especialmente pela sua ampla utilização em ações judiciais, extrapolando a esfera administrativa de discussão.

A aplicação da multa, especialmente daquelas que estejam desassociadas do descumprimento da obrigação de pagar tributos, tem por função principal inibir a prática de infrações, possuindo, neste sentido, um nítido caráter pedagógico. Justamente por isso que se admite, no artigo 527-A do Regulamento do ICMS, a possibilidade redução ou a relevação de multas, desde que preenchidos determinados requisitos.

Na prática, têm sido comum a redução de multas com fundamento no artigo 527-A do RICMS sem uma análise efetiva dos critérios objetivos e subjetivos que a justificam, gerando uma insegurança jurídica na aplicação do instituto[2].  Além disso, problemas como ausência de fundamentação, possibilidade de aplicação de ofício, bem como outros pontos controvertidos, somente vêm a corroborar com a importância do estudo do tema.

Dessa forma, e sem a pretensão de esgotar o assunto, o presente artigo se dedicará ao aprofundamento da compreensão do artigo art. 527-A do RICMS/SP, excluindo, desde já, quaisquer análises acerca de outros fundamentos jurídicos para redução de multas (a exemplo dos artigos 527-B, 527-C e art. 564-A do Regulamento do ICMS)[3].

 

  1. DOS REQUISITOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS PARA APLICAÇÃO DA REDUÇÃO OU RELEVAÇÃO PREVISTA NO ART. 527-A DO RICMS

De acordo com o artigo 527-A do RICMS, “a multa aplicada nos termos do artigo 527 poderá ser reduzida ou relevada por órgão julgador administrativo, desde que a infração tenha sido praticada sem dolo, fraude ou simulação, e não implique falta de pagamento do imposto”, devendo ser levado em consideração também o porte econômico e os antecedentes fiscais do contribuinte (§3º).

Dessa maneira, referido dispositivo nos aponta a necessidade do cumprimento de requisitos objetivos e subjetivos para deferimento do pedido de relevação ou redução da multa, adiante explorados.

  • – Requisitos objetivos

São considerados requisitos objetivos para fruição da redução ou relevação da multa:

  1. Ausência de dolo, fraude e simulação

Para possibilitar a aplicação da relevação ou redução da multa, é imprescindível que a infração não tenha sido praticada com qualquer com dolo, fraude ou simulação. Havendo sido descrito na acusação fiscal quaisquer um desses atos, fica automaticamente impedida a aplicação do art. 527-A do RICMS.

  1. Ausência da falta de recolhimento de tributo

Para que haja a relevação e redução da multa, não poderá haver qualquer prejuízo ao Estado quanto ao recolhimento do tributo devido na operação. Assim, caso haja o lançamento de principal no item do auto de infração, não há qualquer possibilidade para invocação do art. 527- A do RICMS[4]. Caso o auto de infração seja composto por diversos itens, somente aqueles sem a imposição de tributação poderão ser objeto do pedido.

  1. Não reincidência do contribuinte na infração

Outro importante requisito é da impossibilidade de reincidência na infração. Fica afastada a possibilidade de relevação ou redução caso o contribuinte tenha sido penalizado anteriormente pelo mesmo fato, ainda que o débito já tenha sido liquidado.  O objetivo da norma é inibir a prática de reiterados ilícitos, de modo que o contribuinte busque sempre o aprimoramento da sua regularidade tributária.

  1. Impossibilidade de redução inferior a 70 UFESP.

Muito embora haja a previsão para relevação integral da multa, na prática, tem sido raras as decisões judiciais ou administrativas que acabam por afastar integralmente a multa imposta ao contribuinte, dado o seu caráter repreensivo.

  1. Voto favorável de 3 dos 4 membros do órgão julgador

Uma novidade trazida pela Lei nº 16.498 de 18.07.2017, que alterou a Lei nº 13.457 de 2009,  foi a instituição de voto qualificado para aplicação de redução ou relevação da multa pelo Tribunal de Impostos e Taxas. Em esfera administrativa, a aplicação do referido benefício depende de voto de pelo menos 3 dos juízes presentes, não sendo possível, portanto, a relevação ou redução de multa por voto de qualidade do Presidente da Câmara.

 

  • – Requisitos Subjetivos

De outra banda, condições particulares dos contribuintes também devem ser levadas em consideração pelo órgão julgador (seja ele administrativo ou judicial) para fins de aplicação do art. 527-A do RICMS/SP.

É sabido que toda decisão está sujeita à discricionariedade atribuída ao julgador, que pode variar em maior ou menor grau, a depender da previsão legal. Entretanto, a discricionariedade, no caso de aplicação do artigo 527-A do RICMS, está vinculada exclusivamente aos requisitos subjetivos (ou seja, análise do porte econômico, antecedentes fiscais e análise do caso concreto), especialmente para fins de dosimetria da penalidade.

Tendo a empresa comprovado os requisitos objetivos, determinar-se-á o quantum (percentual ou não) da redução que será aplicada ao caso concreto, considerando as características de cada contribuinte (requisitos subjetivos), com fundamento no parágrafo 3º do art. 527-A, a seguir detalhados.

  1. Necessidade de análise do porte econômico da empresa

Os órgãos julgadores administrativos e judiciais podem se escusar da aplicação do art. 527-A do Regulamento do ICMS nas infrações cometidas por empresas de grande porte econômico, e com condições financeiras que a permitiam a adoção previa de medidas e evitariam a prática da infração lançada.

Contudo, importante destacar que o porte econômico da empresa, por si só, não é fundamento suficiente para afastar a possibilidade da relevação ou redução da multa, devendo ser justificado a desídia da empresa com o fato autuado, conforme decidido pelo Tribunal de impostos e taxas nos processos 4034130 e 3130869, julgados, respectivamente, em 30.11.2016 e  28.04.2011.

  1. Análise dos antecedentes fiscais da empresa

Outro importante fator é a análise dos antecedentes fiscais da empresa. Diferentemente da não reincidência na infração (que exige se tratar do mesmo fundamento juridico para confirmar a reiteração do fato), a análise dos antecedentes fiscais da empresa pode resgatar autos de infração lavrados sob quaisquer outros fundamentos, ou mesmo se esta vem recolhimento o tributo do mês corrente ou não. 

  1. Análise do caso concreto.

A análise do caso concreto – apesar de não possuir fundamento legal, tem sido utilizado pelo Tribunal de Impostos e Taxas para conferir pessoalidade ao caso concreto, analisando cada ação realizada pelo contribuinte para confirmar se houve, por exemplo, algum desleixo ou desídia da empresa, ocasionando a lavratura do Auto de Infração.   

 

  • – Forma e oportunidade de comprovação dos requisitos

É dever do contribuinte demonstrar o cumprimento taxativo de cada um dos requisitos abaixo, tanto em seus recursos administrativo ou ações judiciais, de forma a formar o livre convencimento do órgão julgador. Esses documentos e informações devem ser juntados na primeira oportunidade de manifestação do contribuinte, sob de pena de preclusão.

 

  1. DA OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA DO PRINCÍPIO DA FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO QUE APLIQUE O ART. 527-A DO RICMS

Como verificado acima, são diversos os requisitos (objetivos e subjetivos) necessários para aplicação da relevação ou redução da multa com fundamento no artigo 527-A do Regulamento do ICMS.

Ocorre que, apesar da seriedade com que deve ser enfrentada a questão, somente muito recentemente é que se passou a dar atenção especial à necessidade de fundamentação das decisões que apliquem (ou afastem) as reduções previstas no artigo 527-A do RICMS.  Não eram raros os casos em que a aplicação do art. 527-A do RICMS, ou pior, o seu afastamento, tenha sido realizada de forma totalmente infundada e sem respaldo argumentativo, o que inclusive impedia a própria apresentação de recurso pelo contribuinte.

É sabido que o princípio da fundamentação jurídica[5] é ato indissociável da validade das próprias decisões (administrativas ou judiciais) devendo ser observado pelo julgador sob pena de nulidade de decisão. Assim, ao conceder ou negar a aplicação do art. 527-A ao caso concreto, é dever do julgador esclarecer as circunstancias concretas que levaram ao entendimento exarado, além de enfrentar cada um dos impactos financeiros da sua decisão.

Os artigos 20 e 21 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lei nº 12.376/2010), na redação dada pela Lei nº 13.655/2018, expressamente determinam que as decisões administrativas e judiciais devem considerar as consequências práticas da decisão proferida, o que vem em total cumprimento à necessidade de ponderação acerca dos motivos que levaram à decisão, conferindo segurança jurídica ao caso concreto.

Em instância administrativa, o Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo tem anulado decisões pela precariedade na fundamentação da decisão que deixou de especificar os motivos concretos para não aplicação do art. 527-A do RICMS, especificamente quanto aos critérios subjetivos.

Há facilidade de identificação dos requisitos objetivos para aplicação do art. 527-A do RICMS, ou seja, inexistência de falta de pagamento de imposto, ausência de dolo, fraude ou sonegação, observância do limite mínimo da multa, não reincidência da infração e quórum mínimo qualificado. Ou esses requisitos estão presentes ou não estão, não restando muitas divagações sobre esse ponto.

Já os requisitos subjetivos (porte econômico, antecedentes fiscais da empresa e caso concreto) passam pela discricionariedade do julgador e, se não forem devida e suficientemente fundamentados, podem ser anulados pela Câmara Superior, para que outra decisão seja proferida em seu lugar.

Portanto, a fundamentação é imprescindível para fins de aplicação ou afastamento do art. 527-A do RICMS/SP, sob pena de nulidade, por se tratar de ato imprescindível à formalização do entendimento esposado e de validade da decisão proferida.

 

  1. DO CONTROLE JUDICIAL DO ART. 527-A DO RICMS PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Tem se mostrado cada vez mais recorrente a invocação do artigo 527-A do RICMS em processos judiciais como meio de defesa dos contribuintes, independentemente da instauração de contencioso administrativo (com apresentação e impugnação ao auto de infração).

Muito embora o artigo 527-A do Regulamento do ICMS tenha sido editado com vistas ao julgamento em esfera administrativa, pairam discussões acerca da natureza do julgamento proferido com fundamento no artigo 527-A do RICMS, ou seja, se estamos diante de um ato discricionário ou vinculado. A importância dessa análise é crucial, já que a conclusão pelo caráter discricionário da análise afasta, como regra, a possibilidade de o Poder Judiciário exercer controle sobre sua aplicação[6].

A jurisprudência atualmente dominante no Tribunal de Justiça[7] entende que o artigo 527-A do RICMS pode ser objeto de controle sob o ponto de vista da razoabilidade e da proporcionalidade, em linha com o quanto esposado pelo C. STF no julgamento do RE 365.368-Agr/SC.

De toda maneira, cabe ao Poder Judiciário a mesma análise profunda dos requisitos objetivos e subjetivos da relevação ou redução da multa, devendo fundamentar sua decisão após uma análise concreta da situação, notadamente dos requisitos subjetivos para fins de dosimetria da penalidade. 

 

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como visto, a aplicação do art. 527-A do RICMS aos contribuintes que demonstrem preencher os requisitos legais constitui aspiração de justiça, posto que, em razão da situação concreta do contribuinte, permite a redução ou até mesmo a relação da sanção imposta.

Pode-se concluir, assim, que o dispositivo em comento constitui instituto relevante, mas que ainda encontra sérias divergências jurisprudenciais, tanto em esfera administrativa quanto judicial, sendo imprescindível uma uniformização dos entendimentos para maior segurança jurídica dos contribuintes.

 

  1. BIBLIOGRAFIA

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 33ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2019.

Código Tributário Nacional. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5172Compilado.htm >. Acesso em maio de 2020.

Lei nº 13.457/2009 – Dispõe sobre o processo administrativo tributário decorrente de lançamento de ofício, e dá outras providências. Disponível em https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/2009/lei-13457-18.03.2009.html. Acesso em maio de 2020.

NORTH, Douglas. Transaction costs, institutions and economic performance. International Center for Economic Growth, 1992 (Occasional Papers, 30).

SANTI, Eurico Marcos Diniz e outros. Repertorio analítico de jurisprudência do TIT-SP. 1ª ed – São Paulo: Max Limonad, 2018.

[1] Visto que encontra previsão desde 1989 no artigo 92 da Lei 6.374/89, que disciplina a instituição do ICMS no Estado de São Paulo.

[2] Neste sentido: NORTH, Douglas. Transaction costs, institutions and economic performance. International Center for Economic Growth, 1992 (Occasional Papers, 30): “De fato, a dificuldade de se criar um sistema judicial dotado de relativa imparcialidade, que garanta o cumprimento de acordos, tem-se mostrado um impedimento crítico no caminho do desenvolvimento econômico. No mundo ocidental, a evolução de tribunais, dos sistemas legais e de um sistema judicial relativamente imparcial tem desempenhado um papel preponderante no desenvolvimento de um complexo sistema de contratos capaz de se estender no tempo e no espaço, um requisito essencial para a especialização econômica”

[3] É importante consignar que muitas das conclusões aqui esposadas são fruto das pesquisas realizadas e publicadas pelo NEF/FGV DIREITO/SP, de que é exemplo a seguinte publicação: https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/observatorio-tit-reducao-relevacao-multa-fiscal-15052018.

[4] A exemplo do julgamento havido no AIIM n.º 4047778-2, 11ª Câmara Julgadora.

[5] Previsto, por exemplo, no artigo 2º da Lei 9.789/99, no art. 11 da Constituição do Estado de São Paulo e no artigo 38 da lei 13.457/2009.

[6] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 33ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2019, p. 131: “O Judiciário, entretanto, não pode imiscuir-se nessa apreciação, sendo-lhe vedado exercer controle judicial sobre o mérito administrativo. Como bem aponta SEABRA FAGUNDES, com apoio em RANELLETTI, se pudesse o juiz fazê-lo, “faria obra de administrador, violando, dessarte, o princípio de separação e independência dos poderes. E está de todo acertado esse fundamento: se ao juiz cabe a função jurisdicional, na qual afere aspectos de legalidade, não se lhe pode permitir que proceda a um tipo de avaliação, peculiar à função administrativa e que, na verdade, decorre da própria lei. No mesmo sentido, várias decisões de Tribunais já foram proferidas.”

[7] Vide, a título de exemplo: Apelação Cível 1040450-76.2018.8.26.0053; Relator (a): Encinas Manfré; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 15ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 18/05/2020; Data de Registro: 18/05/2020.

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