Precisamos, mesmo, de uma alteração legislativa tão profunda nesse momento?

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*Maria Tereza Tedde

Estamos no último trimestre de um ano tão complexo quanto desafiador.

Muitos não conseguiriam agora se lembrar das projeções feitas há um ano, e ninguém poderia esperar tantas mudanças em período tão curto de tempo. E elas continuam acontecendo.

Especificamente no que respeita à nossa matéria, há 7 meses (que parecem 7 anos), previmos o caos na economia e imaginamos uma avalanche de pedidos de recuperação judicial, que causaria um apagão em nosso já tão assoberbado Poder Judiciário.

Multiplicaram-se, então, em velocidade e quantidade impressionantes, os fóruns de discussão sobre o tema, e chegou-se à conclusão de que deveríamos acelerar as mudanças que estavam sendo propostas para a Lei n. 11.101/05!

E aprovou-se, na Câmara dos Deputados, de afogadilho, um projeto que não agradou a ninguém, aquecendo, ainda mais, os debates.

Hoje, envida-se um esforço hercúleo para que o Senado Federal não aprove o projeto como posto, e a legislação sobre insolvência segue como a sociedade: sabemos que mudará, mas não sabemos qual será o resultado.

Enquanto isso, do outro lado da janela, os números mostram que o volume de recuperações judiciais requeridas ainda não acompanhou as previsões iniciais.

Considerando-se que isso não decorre de uma pujança econômica, pergunto-me se não seria conveniente que parássemos um pouco e reavaliássemos o caminho.

Embora pareça razoável defender que a quantidade de pedidos aumentará nos próximos meses, pois o empresariado ainda estaria se organizando para tanto, sugiro que não desprezemos outros fatores.

O primeiro deles consiste na insegurança que a iminência de uma grande alteração legislativa traz.

Em meio ao caos, os empresários deveriam poder, ao menos, ter na legislação um norte para as suas decisões. Isso lhes foi tirado, pois não se sabe nem o conteúdo da lei que vigerá em breve, tampouco como será sua aplicação pelo Poder Judiciário.

Sem clareza sobre o futuro (e, por futuro, refiro-me aos próximos poucos dias, pois ouvimos, constantemente, que o projeto será votado “na semana que vem”), pede recuperação judicial agora quem não tem nada mais a perder.

Queremos isso, mesmo havendo consenso acerca da significativa redução das chances de sucesso em caso de “late turnaround”?

É certo que norma atual passa ao largo da perfeição, mas é conhecida e a jurisprudência já está razoavelmente formada, dando-nos respostas aos problemas existentes, ainda que não concordemos completamente com elas.

Assim, apesar do avançado do processo legislativo, não consigo deixar de questionar se, de fato, esse é o momento adequado para alterações tão profundas.

Caso seja, e se a crise é tão grave a ponto de justificar tal medida, não deveríamos, então, olhar mais para a legislação falimentar do que para a recuperacional?

Esta indagação leva-nos ao segundo fator a ser considerado, que é o destinatário da norma.

Embora de importância indiscutível, a recuperação judicial não é uma opção para todos, visto seu procedimento ser, naturalmente, caro e burocrático.

De acordo com dados divulgados pelo SEBRAE[1], 90% por cento das empresas no Brasil são de micro e pequeno porte. Ainda, 85% delas têm faturamento anual bruto de até R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais).

Por mais simplificado que se torne o procedimento, faz-se necessário remunerar o Estado, o administrador judicial, os advogados e assistentes técnicos pela condução do processo. E continuar pagando tributos, folha de salários e outros custos e despesas da operação.

A conta não fecha.

Para piorar, são essas, majoritariamente, as empresas mais afetadas por qualquer crise, pois não têm “gordura para queimar” e já não acessam, normalmente, muitas fontes de financiamento.

Com isso em mente, não deveríamos considerar como um dos motivos para que não tenhamos visto uma grande onda de pedidos de recuperação o fato de que aqueles que mais precisariam do remédio, simplesmente, não conseguem acessá-lo?

Podemos, então, escolher continuar gastando rios de tinta e toda a energia acadêmica e legislativa na melhoria do procedimento de recuperação judicial.

Ou, podemos assumir que a universalização talvez seja impossível (ao menos agora) e, ao invés de condenar os pequenos ao limbo eterno do encerramento irregular, e seus credores a um inevitável calote, destinar parte desses esforços para o aprimoramento do procedimento falimentar, dando-lhe, ao menos, um fim mais rápido e barato, bem como a oportunidade de um recomeço digno.

Penso que é tempo de sermos mais pragmáticos. Meses já se passaram e é hora de pensarmos, sem grandes idealizações, em como seguir.

Maria Tereza Tedde é advogada, especialista em Direito Empresarial, sócia do escritório Salusse Marangoni Parente e Jabur Advogados.

[1] www.datasebrae.com.br

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