A atuação do Administrador Judicial na Recuperação Judicial e a Recomendação n.º 72 do Conselho Nacional de Justiça

Precisamos, mesmo, de uma alteração legislativa tão profunda nesse momento?
09/10/2020
Créditos das Fazendas e a Recuperação Judicial
16/11/2020
Precisamos, mesmo, de uma alteração legislativa tão profunda nesse momento?
09/10/2020
Créditos das Fazendas e a Recuperação Judicial
16/11/2020

*Ana Eliza Alli 

A Lei n.º 11.101/2005 reserva, em sua Sessão III do Capítulo II, disposições acerca da figura e atuação do Administrador Judicial, em processos de Recuperação Judicial.

Logo em seu artigo 21, a Lei de Falência e Recuperação de Empresas prevê que o Administrador Judicial deverá ser profissional idôneo, sendo que, se for pessoa física, deverá ser preferencialmente advogado, economista, administrador de empresas ou contador. A Lei também possibilita que pessoas jurídicas ocupem esse cargo, desde que sejam especializadas, caso em que deverá ser declarado, no Termo de Compromisso (artigo 33, da LFRE), o nome do profissional responsável pela condução do processo de Recuperação Judicial.

Sobre a figura do Administrador Judicial, bem leciona Fábio Ulhoa Coelho:

“Em toda recuperação judicial, como auxiliar do juiz e sob sua direta supervisão, atua um profissional na função de administrador judicial. Ele é pessoa da confiança do juiz, por ele nomeado no despacho que manda processar o pedido de recuperação judicial.”[1]

O artigo 22 da lei em comento estabelece, em seus incisos I e II, quais são as atribuições do Administrador Judicial, constando que, além dos deveres previstos no artigo, também existem outros, espalhados pela Lei n.º 11.101/2005.

Segundo o artigo mencionado, compete ao Administrador Judicial, dentre outros deveres: fiscalizar as atividades do devedor e o cumprimento do plano de recuperação judicial; juntar aos autos da Recuperação Judicial relatório mensal das atividades das Recuperandas, bem como relatório sobre a execução do Plano de Recuperação Judicial.

Além disso, compete ao Administrador Judicial a verificação de todos os créditos que serão arrolados na relação de credores das devedoras, sendo que essa verificação abrange a análise de lastros; o recebimento de documentos enviados pelos credores; as divergências intentadas em incidentes processuais de Habilitação e Impugnação de Crédito; a elaboração do edital de que trata o artigo 7º, parágrafo 2º, da Lei n.º 11.101/2005, para, ao final, haver a consolidação do Quadro Geral de Credores.

Ao Administrador Judicial também compete presidir a Assembleia Geral de Credores, ato no qual o Plano de Recuperação Judicial será deliberado e votado, pela comunidade de credores. No conclave assemblear, cabe ao Administrador Judicial o cadastramento e credenciamento dos credores e a conferência dos votos, para posterior divulgação dos resultados.

Nesse espeque, em relação a atuação do Administrador Judicial, insta invocar as lições do Doutrinador Fábio Ulhoa Coelho:

“Na recuperação judicial, as funções do administrador judicial variam de acordo com dois vetores: caso o comitê exista ou não; e caso tenha sido ou não decretado o afastamento dos administradores da empresa em recuperação.”[2]

Caso tenha sido decretado o afastamento dos administradores da devedora, o Administrador Judicial deverá administrar e representar a Recuperanda temporariamente, até que seja eleito um gestor judicial, pela Assembleia Geral de Credores.[3]

Diante de todos os pontos retratados, pela análise da completude das funções do Administrador Judicial, é evidente presumir a importância desta figura nos processos de Recuperação Judicial. Em qualquer ato, fase ou procedimento da Recuperação Judicial, verifica-se a presença indispensável do Administrador Judicial, que fiscaliza o processo recuperacional de forma retida, proba e íntegra, guiado exclusivamente pelo senso de Justiça e comprometimento com a função social do instituto.

Em razão do demonstrado, pode-se dizer que, sem a figura do Administrador Judicial, não seria possível a manutenção do instituto da Recuperação Judicial.

Observando então a figura e a atuação do Administrador Judicial em processos de Recuperação Judicial e Falência, foi criado um grupo de trabalho do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), cujas atividades culminaram na edição, em 19 de agosto do presente ano, da recomendação n.º 72, que prevê a padronização dos relatórios apresentados pelo Administrador Judicial em processos de recuperação empresarial e falência.

Importante trazer à baila que referido grupo de trabalho do CNJ foi criado com o objetivo de modernizar a forma pela qual o judiciário brasileiro lidava com os processos de Insolvência Empresarial.

A recomendação traz previsão de que os magistrados devem orientar os Administradores Judiciais a apresentar, periodicamente, os relatórios constantes no referido documento, com a finalidade de auxiliar os Juízes, na condução dos andamentos processuais.[4]

A mencionada recomendação n.º 72, ao meu ver, reforça a importância do Administrador Judicial para o sucesso e para a correta operacionalização do instituto da Recuperação Judicial, reflexão esta que pode ser observada pelo seguinte trecho, retirado da recomendação em comento: “considerando que, para a garantia da efetividade da prestação jurisdicional nos processos de recuperação judicial e de falência, a atuação produtiva e eficaz dos administradores judiciais é medida da mais alta relevância.”[5]

A partir do trecho transcrito acima, extrai-se, também, que a atuação do Administrador Judicial garante a efetividade da prestação jurisdicional, ou seja, a atuação do Administrador Judicial é imprescindível para que o magistrado possa exercer a sua função jurisdicional, em processos de Recuperação Judicial.

Isso porque o Administrador Judicial fiscaliza todas as atividades realizadas pelo devedor, bem como tem conhecimento de todos os atos que ocorrem no processo recuperacional. Assim, pode-se dizer que o Administrador Judicial é figura inerente à Recuperação Judicial, exercendo suas atribuições como se fosse os olhos e os ouvidos do Juiz.

Sobre a recomendação n.º 72 do CNJ, o Juiz Auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça, Dr. Daniel Carnio Costa, diz que as medidas determinadas possibilitam aos juízes um controle mais adequado dos processos, elevando a eficiência e a transparência em processos desta natureza.[6]

Na mesma explanação, o Dr. Daniel Carnio Costa ainda complementa a sua fala, explicando que as determinações da referida recomendação especificam a lei n.º 11.101/2005 e detalham os conteúdos que devem constar nos relatórios a serem apresentados pelo Administrador Judicial, contendo, inclusive, modelos de padronização que facilitem a interpretação e análise dos interessados no procedimento recuperacional.[7]

Em análise ao texto da recomendação n.º 72, do CNJ, verifica-se que o seu artigo 1º dispõe que o Administrador Judicial deverá apresentar, ao final da fase administrativa de verificação de créditos, Relatório da Fase Administrativa, contendo um resumo das análises realizadas, para a confecção do edital de que trata o artigo 7º, parágrafo 2º, da Lei de Falência e Recuperação de Empresas.

O artigo supracitado ainda prevê, em seu parágrafo 1º, que o objetivo do referido relatório é conferir maior transparência e celeridade à Recuperação Judicial, na medida em que os credores terão acesso às informações de seus interesses, como, por exemplo, com base em quais lastros o Administrador Judicial apurou o valor de seus créditos, o que possibilitará, inclusive, que os credores tenham subsídios para decidir se formularão incidentes processuais de Habilitação ou Impugnação de Crédito.

Nesse concatenado de informações, pode-se concluir que a exposição do Relatório da Fase Administrativa poderá diminuir a distribuição de Habilitações e Impugnações de crédito, na medida em que, estando a informação sobre quais documentos foram levados em conta para a apuração de seus créditos, muitos credores que, erroneamente, pensavam ter direito a importâncias diversas, poderão compreender o racional utilizado para a elaboração dos cálculos e, assim, verificar a desnecessidade do ajuizamento desses incidentes processuais.

Tal ponto pode ser melhor visualizado, considerando-se o seguinte exemplo: imaginemos a situação hipotética de um credor que não tenha conhecimento acerca da forma de atualização de seu crédito (artigo 9º, inciso II, da Lei n.º 11.101/2005) e que, em razão disso, acredite que seu crédito seja de valor superior ao efetivamente existente. Nesse contexto, o credor, possivelmente, iria ajuizar incidente processual para discussão do valor do respectivo crédito; porém, se tiver acesso a um relatório, nos autos recuperacionais, no qual conste a demonstração da forma de atualização correta, poderá entender o racional utilizado para a quantificação do crédito e, consequentemente, desistir do incidente processual.

Ademais, o artigo 1º da recomendação em comento ainda estabelece a necessidade de criação, pelos Administradores Judiciais, de website para servir como um canal de comunicação com os credores, o que facilita, ainda mais, o acesso a esse tipo de informação.

Percebe-se que tais medidas são extremamente importantes para a maior inclusão dos credores no processo de Recuperação Judicial, uma vez que muitos não compreendem muito bem a dinâmica do processo, o que faz com que tenham, de certa forma, maior dificuldade em relação à defesa dos seus direitos.

Digo isso, com base em experiências vivenciadas, nas quais, muitas vezes, estive em contato com credores que não sabiam em que fase se encontrava a Recuperação Judicial; quando o seu crédito seria adimplido pela devedora, muito menos que existia um Plano de Recuperação Judicial em curso, no qual os créditos sujeitos à Recuperação Judicial estariam submetidos, sendo que o pagamento de seu crédito ocorreria nos termos e condições constantes em tal documento. Nesse sentido, também presenciei casos de credores que foram a uma Assembleia Geral de Credores convictos de que estavam participando de uma audiência, sem saberem que, naquele momento, seria realizada a deliberação e votação dos termos constantes no Plano de Recuperação Judicial.

Assim, na minha opinião, os processos de Recuperação Judicial deveriam ser mais claros e de fácil compreensão, para que a comunidade de credores que não possuem advogados constituídos nos autos possam, minimamente, entender o que está ocorrendo na Recuperação Judicial, uma vez que é nesse processo que será determinada a forma e as condições de pagamento dos seus créditos.

Seguindo a análise da recomendação do CNJ, o artigo 2º traz uma padronização aos Relatórios Mensais de Atividades, previstos no artigo 22, inciso II, alínea “c”, da Lei n.º 11.101/2005. Já o artigo 3º, estabelece que os Administradores Judiciais deverão apresentar, na periodicidade que os magistrados acharem necessária, Relatório de Andamentos Processuais, contendo informação concernente às recentes petições protocoladas e às questões que se encontram pendentes de apreciação:

Art. 3º Recomendar aos administradores judiciais que apresentem aos magistrados, na periodicidade que esses julgarem apropriada em cada caso, Relatório de Andamentos Processuais, informando as recentes petições protocoladas e o que se encontra pendente de apreciação pelo julgador.”

A disposição contida do artigo 3º se dá em razão do elevado volume de atos realizados no processo de Recuperação Judicial. Isso porque, além das petições que partem dos devedores e do Administrador Judicial, também existem diversas manifestações oriundas da comunidade de credores. Desta forma, o processo de Recuperação Judicial é, comumente, carregado de acontecimentos, que precisam ser analisados pelo Juízo.

No mesmo sentido, segue a determinação contida no artigo 4º, a qual estabelece que os Administradores Judicias deverão apresentar, na periodicidade que os Juízes acharem necessária, Relatório dos Incidentes Processuais, contendo informações básicas sobre cada incidente, bem como a fase na qual se encontram.

A recomendação ainda contêm modelos dos relatórios mencionados, constantes em seus anexos, sendo que tais documentos deverão ser enviados em ferramentas visualmente fáceis de serem interpretadas (artigo 5º).

Por derradeiro, o artigo 7º estabelece que o disposto na recomendação é o mínimo que se espera da atuação dos Administradores Judiciais, os quais deverão sempre buscar o constante aprimoramento de suas técnicas empregadas, de modo a zelar pela transparência e celeridade das Recuperações Judiciais e das Falências, in verbis:

Art. 7º As recomendações de que trata este ato normativo são diretrizes mínimas do que se espera da atuação dos administradores judiciais, que, sem prejuízo da sua observância, deverão buscar o constante aprimoramento das técnicas e procedimentos empregados no desempenho das suas funções, de modo a sempre zelar pela celeridade e transparência nos processos de recuperação empresarial e falência.”

Nesse diapasão, verifica-se, pela análise do texto da recomendação n.º 72 do CNJ, que os operadores do Direito estão em busca da celeridade e transparência dos processos de Recuperação Judicial e Falência, o que se permite concluir, em outras palavras, que o que se almeja é facilitar, ao máximo possível, o transcurso das Recuperações Judiciais e Falências, a fim de que se tornem mais compreensíveis aos credores, bem como que suas informações sejam esmiuçadas, para que os magistrados profiram suas decisões de forma célere, a fim de que o trâmite, como um todo, seja pautado pela eficiência, sendo a figura do Administrador Judicial uma das principais chaves para se atingir esses objetivos.

Ana Eliza Alli – Advogada. Formada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUCCAMP (2018). Pós-Graduanda em Direito Civil e Direito Empresarial pelo Instituto Damásio de Direito da Faculdade Ibmec SP (2020 – 2021) e com Curso de Extensão em Falência e Recuperação de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas – FGV (2019). Membro efetivo da Comissão de Estudos sobre Falência e Recuperação Judicial da 3º Subseção da OAB de Campinas/SP.

 

Referências

 

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 28ª Ed. rev. e ampl. Editora Revista dos Tribunais, ano 2016.

 

Recomendação n.º 72, do CNJ, na íntegra, acessada em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3426

 

Site do Conselho Nacional de Justiça, acessado em: https://www.cnj.jus.br/normas-do-cnj-preparam-justica-para-recuperacoes-judiciais-e-falencias-pos-pandemia/

 

Site Rota Jurídica, acessado em: https://www.rotajuridica.com.br/cnj-recomenda-conciliacao-e-padronizacao-da-atuacao-de-administradores-judiciais-nas-acoes-de-falencia-e-recuperacao-judicial/

[1] COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 28ª Ed. rev. e ampl. Editora Revista dos Tribunais, ano 2016, p. 323.

[2] COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 28ª Ed. rev. e ampl. Editora Revista dos Tribunais, ano 2016, p. 324.

[3] Idem.

[4] https://www.rotajuridica.com.br/cnj-recomenda-conciliacao-e-padronizacao-da-atuacao-de-administradores-judiciais-nas-acoes-de-falencia-e-recuperacao-judicial/

[5] https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3426

[6] https://www.cnj.jus.br/normas-do-cnj-preparam-justica-para-recuperacoes-judiciais-e-falencias-pos-pandemia/

[7] Idem.

Pular para o conteúdo