Das Modalidades de Planos de Recuperação Judicial possíveis no âmbito da Consolidação Processual

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Autora – PAOLA CRISTINA RIOS PEREIRA FERNANDES[1]

 

Das Modalidades de planos de Recuperação Judicial possíveis no âmbito da Consolidação Processual

 

CUIABÁ/MT

2023

SUMÁRIO

 

  1. INTRODUÇÃO 3
  2. DA CONSOLIDAÇÃO PROCESSUAL 3
  3. DO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL 5

3.1.        DOS PLANOS INDIVIDUAIS ISOLADOS                                                       10

3.2.        DOS PLANOS INDIVIDUAIS COLIGADOS                                                   11

3.3.        DO PLANO ÚNICO                                                                                           16

  1. CONCLUSÃO 18
  2. BIBLIOGRAFIA 19

 

DAS MODALIDADES D

  1. INTRODUÇÃO

 

O presente trabalho tem por objetivo apresentar um panorama geral acerca do instituto da consolidação processual, estampado nos art. 69-G e seguintes da LRF, bem como discorrer sobre os efeitos decorrentes do seu deferimento.

 

Igualmente se pretende abordar neste trabalho, a natureza jurídica dos planos, bem ainda os planos de recuperação judicial possíveis de serem formulados pelos devedores, no âmbito da consolidação processual, evidenciando, dessa forma, os efeitos derivados das deliberações dos respectivos planos.

 

  1. DA CONSOLIDAÇÃO PROCESSUAL

 

Inicialmente, salientamos que a consolidação processual foi oficialmente inserida na Lei 11.101/2005, com o advento da Lei 14.112/2020, que acrescentou os artigos 69-G ao 69-I, que regulamentam o tema. Senão vejamos:

 

Art. 69-G. Os devedores que atendam aos requisitos previstos nesta Lei e que integrem grupo sob controle societário comum poderão requerer recuperação judicial sob consolidação processual.

  • 1º Cada devedor apresentará individualmente a documentação exigida no art. 51 desta Lei.
  • 2º O juízo do local do principal estabelecimento entre os dos devedores é competente para deferir a recuperação judicial sob consolidação processual, em observância ao disposto no art. 3º desta Lei.
  • 3º Exceto quando disciplinado de forma diversa, as demais disposições desta Lei aplicam-se aos casos de que trata esta Seção.

Art. 69-H. Na hipótese de a documentação de cada devedor ser considerada adequada, apenas um administrador judicial será nomeado, observado o disposto na Seção III do Capítulo II desta Lei.

Art. 69-I. A consolidação processual, prevista no art. 69-G desta Lei, acarreta a coordenação de atos processuais, garantida a independência dos devedores, dos seus ativos e dos seus passivos.

  • 1º Os devedores proporão meios de recuperação independentes e específicos para a composição de seus passivos, admitida a sua apresentação em plano único.
  • 2º Os credores de cada devedor deliberarão em assembleias-gerais de credores independentes.
  • 3º Os quóruns de instalação e de deliberação das assembleias-gerais de que trata o § 2º deste artigo serão verificados, exclusivamente, em referência aos credores de cada devedor, e serão elaboradas atas para cada um dos devedores.
  • 4º A consolidação processual não impede que alguns devedores obtenham a concessão da recuperação judicial e outros tenham a falência decretada.
  • 5º Na hipótese prevista no § 4º deste artigo, o processo será desmembrado em tantos processos quantos forem necessários.

 

Considerado os dispositivos legais acima mencionados, é possível extrair o conceito de consolidação processual, que a grosso modo seria o processamento conjunto da recuperação judicial de dois ou mais devedores integrantes de um mesmo grupo econômico, que atendam aos requisitos previstos na LRF (art. 48, caput, LRE), resultando na coordenação de atos processuais, garantindo-se, todavia, a independência e autonomia jurídica e patrimonial das devedoras, bem assim dos seus respectivos ativos e passivos (art. 69-I, LRE), o que significa dizer que o mero deferimento da consolidação processual não implica em automática consolidação substancial.

 

Oportunamente registramos que a coordenação de atos processuais acima mencionada (aplicação conjunta das regras processuais), se refere às regras de admissibilidade, competência, nomeação do administrador judicial, formulação do plano, composição e deliberação nas AGCs e, tantas outras.

 

Outrossim, importante observar que em se tratando de processamento conjunto da recuperação judicial de dois ou mais devedores, é imprescindível que haja o prévio requerimento simultâneo pelos aludidos devedores, integrantes de um mesmo grupo econômico sob controle societário comum, além de se exigir que eles preencham os requisitos legais, individualmente.

 

Sob o aspecto processual, a consolidação ora analisada, nada mais é que um litisconsórcio ativo, inicial, facultativo e simples ou unitário a depender, neste último caso, do tipo de plano de recuperação judicial apresentado pelas devedoras.

 

O litisconsórcio será ativo, porquanto reflete a pluralidade de autores do pedido de recuperação judicial e, será inicial, na medida em que a sua formação deverá ser contemporânea ao aludido pedido de recuperação, seja em razão da inexistência de lei autorizando sua formação em momento posterior ao ajuizamento, seja porque eventual admissão de litisconsórcio ulterior violaria o princípio do juiz natural.

 

De igual modo será facultativo, vez que inexiste lei prevendo a obrigatoriedade da sua formação, em especial no âmbito da recuperação judicial, mediante a inclusão de todas as sociedades integrantes de um mesmo grupo econômico no polo ativo da demanda. Isso se justifica porque o art. 5º, inciso II da Constituição Federal assevera que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

 

Dessa forma, destacamos que o ajuizamento da recuperação judicial como meio de superação de crise econômico-financeira é uma prerrogativa do devedor, de modo que somente a ele cabe analisar a conveniência da formação do aludido litisconsórcio.

 

Ademais, merece atenção o fato de que a discricionariedade conferida ao devedor para a formação do litisconsórcio ativo da demanda, tem como consequência lógica a obrigatoriedade de cumprimento individualizado (por devedor) dos requisitos legais previstos no art. 51 da LRF, para que seja deferido o processamento do pedido de recuperação judicial.

 

Igualmente, alertamos para o fato de que o litisconsórcio decorrente do pedido de recuperação judicial por mais de dois devedores poderá ser classificado como sendo simples ou unitário, a depender do plano de recuperação judicial apresentado no âmbito da consolidação processual, bem ainda da eventual autorização de consolidação substancial, que não será objeto do presente estudo.

 

Disto isto e, considerando os dispositivos constantes no art. 69-G e seguintes da LRF, temos que a consolidação processual, além de configurar um litisconsórcio ativo, inicial e facultativo, tem o fito de possibilitar a coordenação dos atos processuais no âmbito da recuperação judicial, que por sua vez objetiva a economia processual, a uniformidade das decisões judiciais e a tentativa harmonioso de reestruturação total do grupo econômico postulante.

 

  1. DO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL

 

Feitas as ponderações preliminares acerca da consolidação processual, passamos a nos debruçar sobre o plano de recuperação judicial a ser apresentado pelas devedoras, cujo regramento está consignado no art. 53 e 54 da LRF.

 

Reza o art. 53 da Lei 11.101/2005, que o plano de recuperação judicial será apresentado pelas devedoras dentro do prazo improrrogável de 60 dias, a contar da data da publicação da decisão que deferiu o processamento do pedido de recuperação judicial. Senão vejamos:

 

Art. 53. O plano de recuperação será apresentado pelo devedor em juízo no prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias da publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial, sob pena de convolação em falência, e deverá conter:

I – discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a ser empregados, conforme o art. 50 desta Lei, e seu resumo;

II – demonstração de sua viabilidade econômica; e

III – laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada.

Parágrafo único. O juiz ordenará a publicação de edital contendo aviso aos credores sobre o recebimento do plano de recuperação e fixando o prazo para a manifestação de eventuais objeções, observado o art. 55 desta Lei.

 

Outrossim, determina a LRF que o plano de recuperação judicial deverá discriminar, de forma pormenorizada, os meios de recuperação a ser empregados pelas devedoras, bem ainda o resumo da demonstração de sua viabilidade econômica, cujo documento será acompanhado de laudo econômico-financeiro e avaliação dos bens e ativos das devedoras, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada.

 

A par dessas considerações iniciais, facilmente podemos extrair que o plano de recuperação judicial, nada mais é do que uma proposta de pagamento das dívidas consolidadas no quadro geral de credores, mediante a utilização de determinados meios relacionados pelas devedoras.

 

Explicando melhor! O plano de recuperação judicial possui natureza jurídica de proposta, com aptidão para a formação de um contrato de novação das dívidas. Trata-se, contudo, de negócio unilateral apresentado pelas devedoras, porquanto, configura apenas a manifestação de vontade de uma das partes, cuja manifestação vincula tão somente as próprias devedoras.

 

Com a aprovação do plano de recuperação judicial pelos credores, o aludido plano passa a ser um negócio jurídico bilateral, na medida em que passa a contar com a manifestação de vontades das devedoras e dos seus respectivos credores. Todavia, ainda não há que se falar em contrato de novação das dívidas, vez que a LRF exige a chancela do Poder Judiciário.

 

Assim sendo, somente após realizado o controle de legalidade e a verificação dos pressupostos necessários à concessão do pedido de recuperação judicial pelo magistrado, é que teremos a sentença homologatória do plano, concedendo, outrossim, a recuperação judicial às devedoras. Essa sentença homologatória confere ao plano de recuperação judicial, a natureza jurídica de contrato de novação das dívidas, também denominado de contrato de recuperação judicial.

 

Neste particular registramos que no caso da apresentação de planos individuais (isolados ou coligados) pelas devedoras em recuperação judicial sob consolidação processual, cada plano aprovado e homologado pelo juízo representará um contrato distinto de novação das dívidas, de modo que eventual descumprimento do plano por qualquer uma das devedoras não refletirá nas demais devedoras.

 

Discorrendo acerca da natureza jurídica do plano de recuperação judicial, Livia Gutierrez (GUTIERREZ 2016) salienta que:

 

A natureza jurídica do plano de recuperação judicial não é matéria tranquila entre os doutrinadores e estudiosos desse instrumento previsto pela Lei 11.101 de 2005. Isso porque, embora o procedimento recuperacional seja marcado pela participação judicial e fiscalização do Ministério Público em diversos momentos, ele redunda essencialmente na elaboração de um acordo amplo e de cumprimento conjunto, submetido à avaliação, votação e aprovação, ou não, pela maioria dos credores.

 

Igualmente lecionando sobre o tema, Pedro Rebello Bortolini (BORTOLINI 2023) registra que:

 

 O plano de recuperação, antes da sua aprovação e homologação pelo juiz, consiste basicamente na proposta para a formação de um contrato. Em não sofrendo objeção dos credores ou sendo aprovada pela maioria qualificada deles, resultará num negócio jurídico que, com a sentença concessiva da recuperação judicial, implicará a novação das dívidas, inclusive quanto aos credores abstinentes ou dissidentes.

 

Com a concessão da recuperação judicial, o plano que tiver sido aprovado (que nem sempre será idêntico ao da proposta original do devedor, já que são admitidas modificações na própria AGC) passará então a constituir um contrato: o contrato de recuperação judicial.

 

Da mesma forma, Cássio Cavali (CAVALLI 2015) acentua que:

 

O plano de recuperação judicial é o núcleo do procedimento de recuperação de empresas. Ele sintetiza o esforço negocial empreendido entre devedor e credores em busca da maximização do valor da empresa devedora. Nisto, o instituto da recuperação judicial resgatou o quanto de negocial havia sido perdido no instituto da concordata, de modo que agora verdadeiramente tem-se um instituto concursal voltado ao soerguimento da empresa a partir da negociação de um acordo entre credores e devedores.

 

Com essas considerações e, sem adentrar nas correntes doutrinárias que objetivam discutir a natureza jurídica do plano de recuperação, nos filiamos ao posicionamento adotado por Pedro Rebello Bortolini, na medida em que a homologação do plano pelo Poder Judiciário representa uma novação do passivo da devedora, cujos termos e condições resultaram da negociação havida entre as partes (de um lado a devedora e de outro o seu conjunto de credores), a partir da proposta apresentada pela devedora.

 

Superadas as questões alusivas à natureza jurídica do plano de recuperação judicial, voltamos os olhos para os meios de recuperação propostos pelas devedoras, especialmente a partir da norma encartada no §1º do art. 69-I da Lei 11.101/2005, cuja redação estabelece que “os devedores proporão meios de recuperação independentes e específicos para a composição de seus passivos, admitida a sua apresentação em plano único”.

 

Dentro desse horizonte, ressaltamos que a especificidade a que se refere o dispositivo legal em comento, indica que o plano de recuperação judicial de cada devedor, deverá estabelecer de forma clara os meios necessários à superação da crise enfrentada, e que atendam aos seus interesses individuais. O que não significa dizer que os aludidos meios devam, obrigatoriamente, ser distintos para cada devedor. Pelo contrário, os devedores podem se valer dos mesmos meios necessários à superação da crise econômica, desde que tais meios se coadunam com os seus interesses particulares.

 

Por outro lado, no que se refere à independência dos meios de recuperação a serem apresentados pelas devedoras, nos termos da norma em comento, é de se destacar que o espírito do legislador foi o de ratificar que a mera consolidação processual não mitigará autonomia jurídica e patrimonial das devedoras.

 

Entretanto, em que pese o disposto na norma em referência, anotamos que os aludidos devedores não estão impedidos de formularem premissas contendo a conjugação de esforços para melhor superar a crise que os assolam, de modo que poderão apresentar propostas de recuperação em conjunto, observando-se, para tanto, os limites decorrentes da autonomia jurídica e patrimonial de cada sociedade integrante do grupo econômico devedor.

 

Com esse horizonte, não podemos deixar de consignar que os meios de recuperação propostos pelos devedores, sejam eles distintos ou semelhantes, individuais ou conjugados, deverão passar pelo crivo dos credores, cuja deliberação, no caso de mera consolidação processual, deverá ser realizada de forma individualizada (por devedor).

 

Apresentadas essas premissas iniciais em relação ao plano de recuperação judicial, seguimos a diante para analisar as espécies de planos de recuperação judicial que podem ser formulados pelos devedores, quando restar autorizado apenas e tão somente a consolidação processual no âmbito do processo de recuperação judicial em grupo.

 

Nesse diapasão é bom repisar que na consolidação processual, diferentemente do que ocorre na consolidação substancial, a todos os devedores é garantida a sua respectiva autonomia e independência jurídica e patrimonial, o que não significa dizer que os mencionados devedores estejam obrigados a formularem planos isolados de recuperação judicial, sem levar em consideração os demais devedores.

 

Assim sendo, aos devedores em recuperação judicial com consolidação processual, é permitido a formulação de plano conjunto de recuperação judicial (plano único) ou, ainda, de planos individuais (isolados ou coligados).

 

Vale dizer que a apresentação de plano conjunto (plano único) ou mesmo, de planos individuais (isolados ou coligados) pelos devedores, em momento algum implica no reconhecimento de confusão patrimonial ou desvio de finalidade, desde que eventual prejuízo experimentado por uma das sociedades envolvidas (sacrifício dos interesses de uma empresa do grupo em favor de outra, com vistas a aumentar as chances de aprovação do plano), seja devidamente compensado.

 

  • DOS PLANOS INDIVIDUAIS ISOLADOS

 

Suplantado o tema alusivo à natureza jurídica do plano de recuperação judicial, além de tecer breves comentários em relação às modalidades de planos de recuperação judicial possíveis, quando restar autorizado apenas e tão somente a consolidação processual na recuperação judicial de grupo econômico, seguimos com o estudo da matéria, com vistas a analisar o plano individual isolado.

 

Nesse diapasão, conforme dito alhures, a autorização da consolidação processual pressupõe a existência, mesmo que mínima, de uma interdependência econômica entre todas as devedoras, bem ainda que a crise econômico-financeira de uma, repercuta em todas as demais empresas.

 

Todavia, em que pese a interconexão havida entre as devedoras que integram um mesmo grupo econômico, lhes é facultado a propositura de meios de recuperação independentes e específicos para a composição dos seus respectivos passivos, cujos meios de recuperação devem levar em consideração os seus próprios interesses.

 

Lecionando sobre a temática, Pedro Rebello Bortolini (BORTOLINI 2023) destaca que:

 

É perfeitamente possível, portanto, a formulação individual de planos isolados, sem relação alguma entre si. Nesses planos, os devedores se limitarão a imputar prestações a si mesmos, sem nenhuma disposição que envolva os demais, e sem vinculação de qualquer espécie aos planos propostos pelos outros.

 

Note-se que o fato de os devedores apresentarem individualmente planos isolados não implica a inutilidade do litisconsórcio. Além de permitir a redução de custos e a economia processual, a consolidação processual permite que a negociação das empresas integrantes do grupo e as medidas previstas na lei para viabilizá-la, a exemplo da suspensão das execuções, ocorram ao mesmo tempo, o que pode ser suficiente para justificar a opção dos devedores pelo ajuizamento conjunto da ação.

 

Assim sendo, temos que os planos individuais isolados consubstanciam-se na apresentação de propostas e meios de recuperação imputáveis ao próprio devedor que os apresenta, sem que haja qualquer ligação ou vinculação com as demais sociedades envolvidas e, também, com as propostas e meios de recuperação formulados pelas demais devedoras.

 

Dentro dessa concepção, não podemos nos furtar em ressaltar que o traço mais marcante dos planos individuais isolados, é justamente a total ausência de vinculação das devedoras, em relação ao resultado das deliberações realizadas pela assembleia. O que significa dizer que a rejeição do plano apresentado por um dos devedores ou o seu descumprimento, não causará impactos nas demais.

 

Sobre os efeitos decorrentes da apresentação do plano individual isolado, Pedro Rebello Bortolini (BORTOLINI 2023) assevera que:

 

Tratando-se de planos isolados propostos individualmente (ainda que instrumentalizados num mesmo documento), a concessão da recuperação judicial a um devedor dependerá apenas da aprovação dos seus próprios credores. Da mesma forma, o eventual descumprimento do plano por parte de um devedor não comprometerá a recuperação judicial concedida a outro devedor, nem implicará a falência deste.

 

Arrematando a questão, consignamos que a concessão da recuperação judicial para cada um dos devedores, dependerá exclusivamente da aprovação dos planos individuais isolados pelos seus respectivos credores, cujos quóruns de instalação e votação das assembleias observará unicamente o conjunto de credores e o volume da dívida alusiva a cada devedor.

 

  • DOS PLANOS INDIVIDUAIS COLIGADOS

 

Além dos planos individuais isolados acima mencionados, a doutrina especializada nos trouxe a possibilidade da formulação de planos individuais coligados, que muito embora se traduzem em proposições individuais, possuem traços de dependência entre si.

 

Com essas considerações, podemos afirmar que os planos individuais coligados se consubstanciam na apresentação de meios específicos alusivos às particularidades de cada devedor, cujos planos contém alguns compromissos imputáveis aos demais devedores, porquanto, a relação de dependência econômica havida entre as sociedades integrantes do grupo devedor, exige uma conjugação mínima de esforços com o fito de garantir o sucesso do soerguimento das devedoras como um todo.

 

Para ilustrar alguns desses compromissos assumidos pelas demais devedoras, podemos citar como exemplos a prestação de garantias cruzadas e, também, a assunção de dívidas.

 

Tratando da matéria, Pedro Rebello Bortolini (BORTOLINI 2023) assevera que:

 

Como se viu, haverá circunstâncias que exigirão dos devedores esforços coordenados ou combinados para permitir a própria recuperação, especialmente quando um devedor for economicamente dependente dos demais, caso em que o reequilíbrio econômico-financeiro e a manutenção da atividade poderão demandar compromissos de um devedor em relação a outro ou ao grupo como um todo.

 

A recuperação das empresas poderá exigir, por exemplo, a concessão de garantias, a cessão de contratos, a assunção de dívidas, ou a conclusão de outros negócios entre os devedores, bem como prestações de qualquer natureza alinhadas com a recuperação do grupo, sempre respeitadas as exigências e vedações de ordem pública.

 

Ademais, salientamos que os planos individuais coligados se dividem em (i) planos individuais coligados por subordinação e (ii) planos individuais coligados por dependência, que serão analisados a seguir.

 

  • DOS PLANOS INDIVIDUAIS COLIGADOS POR SUBORDINAÇÃO

 

O plano individual coligado por subordinação se configura quando um devedor formula um plano de recuperação judicial, subordinando a sua eficácia à aprovação e homologação do plano de outro devedor, estabelecendo, portanto, uma verdadeira condição suspensiva da novação, na medida em que o plano subordinado somente produzirá efeitos no mundo jurídico quando ocorrer a aprovação e homologação do plano subordinante.

 

Oportunamente registramos que o plano apresentado por cada um dos devedores será devidamente apreciado pelos seus respectivos credores, de modo individualizado. Todavia, a aprovação do plano subordinado estará indiretamente vinculada à análise e deliberação dos credores do plano subordinante, de forma que a rejeição deste (plano subordinante), poderá obstar a concessão da recuperação judicial do devedor que propôs o plano subordinado.

 

Vale registrar que neste caso, o próprio devedor que escolheu apresentar um plano subordinado ao plano de outra devedora, correrá o risco da rejeição do plano subordinante, que certamente obstará a concessão da sua recuperação judicial.

 

Lecionando sobre o assunto, Pedro Rebello Bortolini (BORTOLINI 2023) salienta que:

 

À falta de vedação legal, é possível que o plano de um devedor subordine a sua eficácia à aprovação de outro plano, estabelecendo uma condição suspensiva da novação. Embora a LRF não contemple expressamente essa possibilidade, é certo que não a veda, devendo ser assim privilegiada a liberdade de contratar, que se coloca a serviço dos fins visados pela recuperação judicial.

 

Estabelecida tal subordinação, a reprovação do plano individual de um devedor impedirá a concessão da recuperação àquele que propôs o plano condicionado (mesmo que seja aprovado), já que não satisfeita condição a que se subordinou a eficácia do negócio jurídico. Nessa hipótese o devedor assumirá, em seu próprio plano, o risco da reprovação do plano de outro.

 

Finalmente, registramos que a hipótese ora tratada (planos individuais coligados por subordinação) em nada se relaciona com o plano único, que será estudado mais adiante, porquanto as propostas de soerguimento serão apresentadas de forma individualizada (meios específicos e independentes de recuperação), acarretando negócios jurídicos distintos em relação a cada um dos devedores, de forma que o eventual descumprimento do plano por qualquer um dos devedores não refletirá nos demais devedores.

 

  • DOS PLANOS INDIVIDUAIS COLIGADOS POR DEPENDÊNCIA

 

Além dos planos individuais coligados por subordinação, a doutrina nos traz a possibilidade da apresentação de planos individuais coligados por dependência, cujo traço mais marcante é a promessa de prestação em favor de outro devedor, por conta de outro devedor ou ainda, de realização de negócios entre os aludidos devedores.

 

Exemplificando esta hipótese, temos o caso de um devedor consignar em seu plano de recuperação judicial a prestação de alguma garantia em favor de outro, ou mesmo, assumir uma dívida ou prestação originariamente imputada a outro.

 

Nesses casos, diferentemente do que ocorre nos planos individuais coligados por subordinação, em regra, inexiste a subordinação da eficácia de um plano à aprovação e homologação de outro. O que ocorre é a imputação de obrigação a ser cumprida por outro devedor, cujo cumprimento desta obrigação, pressupõe a aprovação e homologação do plano daquele que assumir o encargo.

 

Para ilustrar a questão, podemos imaginar que o devedor “A” consignou em seu plano que o devedor “B” lhe concederá uma garantia em face das obrigações outrora contraídas, tratando-se, portanto, de uma promessa de fato de terceiro. Igualmente, restou consignado a mesma obrigação no plano formulado pelo devedor “B”. Contudo, para que o devedor “B” cumpra a obrigação que lhe fora imputada, deverá o seu plano de recuperação judicial ser devidamente aprovado por seus respectivos credores, bem ainda homologado pelo juízo da recuperação judicial.

 

Por outro lado, podemos igualmente imaginar que o devedor “A” consignou em seu plano que o devedor “B” lhe concederá uma garantia em face das obrigações contraídas. Contudo, diferentemente do exemplo anterior, o devedor “B”, não fez qualquer menção à referida obrigação, em seu plano de recuperação judicial. Com este cenário, temos que a aprovação do plano de recuperação judicial formulado pelo devedor “A”, não obriga o devedor “B” ao cumprimento da referida obrigação, ensejando, entretanto, a responsabilização do devedor “A”, perante seus próprios credores, pelo descumprimento da aludida obrigação, que por sua vez, poderá acarretar a decretação da sua própria falência.

 

Nesse sentido, Pedro Rebello Bortolini (BORTOLINI 2023) nos esclarece que:

 

As disposições formuladas por um devedor que imputem prestação a outro terão, no tocante ao primeiro, a natureza de “promessa de fato de terceiro”, disciplinada pelos artigos 439 e 440 do Código Civil. Logo, se o plano de recuperação do devedor “A” contiver promessa de fato do devedor “B”, a aprovação do plano de “A” não obrigará “B” a cumprir esses fato, mas “A” responderá perante os seus credores se “B” não cumprir aquilo que prometeu por conta dele (seja porque não conseguiu cumprir, seja porque a prestação se tornou juridicamente impossível, ante a reprovação do próprio plano), o que poderá configurar descumprimento do plano de recuperação de “A” e eventualmente ensejar a decretação da sua falência.

 

Se a eficácia da prestação prometida por conta de outra não for contratualmente subordinada à aprovação do plano deste (ainda que a possibilidade jurídica de tal prestação dependa dessa aprovação), quem assume o risco da reprovação do plano do outro – que o impedirá de cumprir a prestação prometida por conta dele – é o próprio devedor que prometeu por conta do outro, já que, mesmo nesse caso, a obrigação continua produzindo alguns efeitos sobre a esfera do devedor que a prometeu, uma vez que seu próprio plano tenha sido aprovado e homologado.

 

A par dessas considerações, podemos concluir que a despeito de um devedor consignar em seu plano, obrigação imputada a outro devedor, sem que tal obrigação conste no plano do devedor a quem se imputou a obrigação, eventual aprovação daquele, vinculará apenas o proponente e os seus respectivos credores, porquanto, o devedor a quem se atribuiu a obrigação, não a assumiu expressamente em seu plano de recuperação judicial.

 

Outrossim, registra-se que muito embora os planos de recuperação judicial dos devedores prevejam obrigações assumidas por um deles em favor do outro, por meio de planos individuais coligados por dependência, tais obrigações não acarretam a supressão da independência e especificidade dos meios de recuperação listados individualmente, cujos planos serão votados em apartado pelos seus respectivos credores, de modo que a novação operada vinculará apenas o devedor proponente do plano aprovado.

 

Corroborando com todo o exposto, Pedro Rebello Bortolini (BORTOLINI 2023) destaca que:

 

Deve ficar claro, porém, que o fato de o plano de um devedor estipular prestações que envolvem outro não significa que os meios de recuperação deixarão de ser específicos ou independentes. Serão específicos na medida em que se prestarem à superação da crise do devedor proponente do plano, ainda que viabilizada por ações integradas com o restante do grupo. E serão independentes porque não afetam a exclusividade que cada devedor possui de propor o próprio plano (nem a de seus respectivos credores de aprová-lo ou rejeitá-lo) nem comprometem a sua independência jurídica.

 

Noutras palavras, a novação resultante da aprovação dos planos individuais vinculará apenas o devedor proponente do plano aprovado, isto é, o devedor que individualmente assumiu determinada prestação (ainda que a favor ou por conta de terceiros) e os respectivos credores sujeitos a esse plano. Não vinculará os outros devedores se eles também não assumirem as prestações que lhe forem imputadas, o que dependerá de seus próprios planos contemplarem tais prestações e serem igualmente aprovados pelos seus respectivos credores.

 

Com esse cenário e, na esteira do que se mencionou em linhas pretéritas, a caraterística mais marcante dos planos individuais coligados por dependência é a promessa de prestação em favor de outro devedor, por conta de outro devedor ou ainda, de realização de negócios entre os aludidos devedores, sem que isso configure supressão ou mitigação da independência e especificidade dos meios de recuperação relacionados individualmente, especialmente porque, os aludidos planos serão votados em assembleias instaladas individualmente.

 

  • DO PLANO ÚNICO

 

No que se refere à possibilidade de se apresentar um plano único, oportunamente registramos que não obstante parte da doutrina especializada entenda que a sua apresentação somente tem lugar quando houver sido deferida a consolidação substancial, tal entendimento não é condizente com a interpretação que se deva dar aos dispositivos encartados na LRF que regulamentam os institutos da consolidação processual e substancial.

 

E isso é assim, porque o §1º do art. 69-I da LRF expressamente prevê que os devedores poderão propor meios de recuperação específicos e independentes para a composição de suas dívidas, admitida, no entanto, a apresentação de plano único, o que em última análise, significa dizer que o legislador ordinário ratificou que a mera consolidação processual não mitigará a autonomia jurídica e patrimonial das devedoras, mesmo que os meios propostos para o soerguimento do grupo econômico sejam similares e complementares entre si, dado o entrelaçamento econômico entre as devedoras.

 

Sobre isso, Pedro Rebello Bortolini (BORTOLINI 2023) destaca que:

 

Ao admitir a apresentação dos meios de recuperação em um plano único, a lei está autorizando, na verdade, a formulação de uma proposta conjunta por dois ou mais devedores. Cuida-se da expressão máxima da coordenação viabilizada pela consolidação processual, pertinente aos casos em que a dependência ou integração entre as empresas for de tal ordem que o destino de uma estará indissociavelmente ligado ao das demais, a exigir, por conseguinte, uma solução conjunta (e eventualmente uniforme) para a crise do grupo.

 

Dentro dessa perspectiva, facilmente podemos extrair a conclusão de que a eventual formulação de plano único pelas devedoras, consubstanciado na apresentação de meios conjugados de recuperação e superação da crise enfrentada, para além de exprimir a máxima coordenação dos esforços e recursos destinados ao soerguimento do grupo, em nada interfere na autonomia patrimonial e jurídica das devedoras.

 

Explicando Melhor! Haverá casos em que a relação de dependência econômica havida entre as sociedades integrantes do grupo devedor seja demasiadamente elevada, que outra saída não lhes resta a não ser a apresentação de meios conjugados de recuperação, cujo principal efeito é a vinculação de todas as devedoras ao mesmo resultado das deliberações.

 

Isso não quer dizer, todavia, que a apresentação de plano único incorra em algum prejuízo aos credores das devedoras, porquanto, conforme dito alhures, ao contrário do que ocorre na consolidação substancial, a autonomia jurídica e patrimonial dos devedores fica preservada. Outrossim, é bom que se diga que em decorrência da preservação da autonomia jurídica e patrimonial das devedoras, os quóruns de instalação e deliberação assembleiar do plano único, deverão ser observados individualmente, tal como se verifica das lições empreendidas por Pedro Rebello Bortolini (BORTOLINI 2023). Ex positis:

 

(…), a aprovação do plano único dependerá da inexistência de objeções ou da aceitação das maiorias qualificadas dos conjuntos de credores de cada um dos devedores proponentes, que deliberarão em assembleias separadas (LRF, art. 69, §2º). Caso o conjunto de credores de algum dos devedores rejeite a proposta, o plano se reputará reprovado em relação a todos os devedores, que deverão ter a falência decretada. (Grifo nosso).

 

Ademais, a par dos fundamentos jurídicos que amparam a possibilidade da apresentação conjunta do plano de recuperação judicial pelos devedores, a mais importante é autonomia da vontade privada assegurada a estes, que no exercício do direito de liberdade de contratar, decidem pela conjugação de esforços para a superação do estado de crise.

 

Finalmente, se faz oportuno registrar que após a concessão da recuperação judicial em decorrência da aprovação do plano único, o aludido plano passa a ter natureza jurídica de contrato de novação, vinculando todos os envolvidos, de modo que eventual descumprimento do plano por qualquer um dos devedores, durante o período de fiscalização, acarretará a convolação em falência de todos eles.

 

  1. CONCLUSÃO

 

Em síntese, podemos conceituar a consolidação processual como sendo um litisconsórcio ativo, inicial, facultativo e simples ou unitário, a depender do tipo de plano de recuperação judicial proposto, no âmbito da recuperação judicial aviado por grupo econômico sob controle societário comum.

 

Outrossim, conforme salientado em linhas pretéritas, o efeito principal da consolidação processual é a coordenação dos atos processuais a serem praticados no processo de recuperação judicial, mantendo-se, contudo, a autonomia jurídica e patrimonial das devedoras.

 

Assim, na linha do que restou evidenciado e, considerando que a legislação em vigor possibilitou que as devedoras pudessem propor meios específicos e independentes de recuperação judicial, admitindo-se, todavia, a apresentação de plano único, demonstramos a possibilidade de as devedoras formularem planos individuais isolados, planos individuais coligados (por subordinação ou por dependência) ou, até mesmo, um plano único, objetivando a composição dos seus passivos e o sucesso da sua recuperação judicial.

 

Não obstante, muito embora tenha sido registrado que ao contrário da consolidação substancial, a consolidação processual não resulta na supressão ou mitigação da autonomia jurídica e patrimonial das devedoras, buscou-se ressaltar que a depender do plano de recuperação escolhido, os efeitos decorrentes da sua aprovação ou rejeição poderão vincular todas as devedoras.

 

  1. BIBLIOGRAFIA

 

BORTOLINI, Pedro Rebello. Recuperação judicial dos grupos de empresas – aspectos teóricos e práticos da consolidação processual e substancial. Indaiatuba, São Paulo: Editora Foco, 2023.

CAVALLI, Cássio. “Plano de recuperação.” Em Tratado de direito comercial – Falência e recuperação de empresa e direito marítimo, por Fábio Ulho (org.) COELHO, 258. São Paulo: Saraiva, 2015.

COELHO, Fábio Ulho. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas. São Paulo: Saraiva, 2005.

COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na sociedade anônima. Rio de Janeiro: Forense, 1983.

COMPARATO, Fábio Konder, e Calixto SALOMÃO FILHO. O Poder de Controle na Sociedade Anônima. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

GUTIERREZ, Livia. Conjur. Natureza jurídica do plano de recuperação judicial. 14 de Setembro de 2016. https://www.conjur.com.br/2016-set-14/livia-gutierrez-natureza-juridica-plano-recuperacao-judicial (acesso em 24 de Agosto de 2023).

SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falências. São Paulo: SaraivaJur, 2023.

SCALZILLI, João Pedro, Luis Felipe SPINELLI, e Rodrigo TELLECHEA. Recuperação de empresas e falência: teoria e prática na Lei 11.101/2005. São Paulo: Almedina, 2023.

 

Paola Cristina Rios Pereira Fernandes- [1] Advogada da Caixa Econômica Federal, lotada no JurirCB – Jurídico Regional de Mato Grosso. Graduada em Direito pela Universidade de Cuiabá – UNIC, 12/2004. Pós-graduada em Direito Empresarial pela Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT, 2010/2011. Membro da Comissão Estadual de Falência e Recuperação de Empresas da OAB/MT (2020/2021 e 2022/2024). paola.fernandes@caixa.gov.br paolariosadv@gmail.com

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