Recomendação do CNJ em meio a pandemia: CEJUSC Empresarial visando a conciliação e mediação entre empresários, fornecedores e trabalhadores

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*Ana Eliza Alli 

Vivemos um momento inédito na história da humanidade. No começo do ano, fomos surpreendidos com a chegada de um vírus que, para muitos, mostrou-se letal.

De repente, fomos inseridos em um “novo normal”, onde tudo é feito a distância, de forma virtual, para que, assim, não tenhamos contato uns com os outros, evitando a propagação do novo Coronavírus.

Nesse “novo normal”, as pessoas tiveram que se adaptar ao Home Office (trabalho de forma remota). Os alunos de todos os níveis de escolaridade passaram a assistir as aulas por meio da EAD (Educação a Distância).

A orientação é no sentido de que devemos evitar uma circulação excessiva, exceto para ir em locais que prestam serviços e possuam produtos essenciais, como farmácias, supermercados, clínicas médicas, dentre outros. E se sairmos, é obrigatório o uso de máscara e distanciamento seguro entre as pessoas.

É inegável que a pandemia do COVID-19 trouxe inúmeras mudanças à vida da população mundial, dentre ela a de nós brasileiros.

Nesse contexto, o Poder Judiciário também foi atingido, pois as relações interpessoais se modificaram, e, em razão dessas inúmeras mudanças no cotidiano e na vida das pessoas, os órgãos jurisdicionais foram submetidos ao julgamento de conflitos inusitados, que fizeram com que os magistrados tivessem que se reinventar em suas decisões, para que as novas necessidades dos indivíduos fossem atendidas.

Assim como todas as áreas do Direito, os Institutos da Recuperação Judicial e da Falência também foram afetados, estimando-se que veremos um aumento exponencial de casos nos próximos meses. Isso se dá pelo fato de que incontáveis empresas foram atingidas pela crise econômico-financeira trazida pela pandemia do novo Coronavírus e, em consequência disso, não conseguirão honrar os compromissos anteriormente assumidos.

O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) apresentou, em junho desde ano, por meio da “Pesquisa Pulso Empresa: Impactos da Covid-19 nas Empresas”, dados que mostram que, desde o início da pandemia, 522 (quinhentas e vinte e duas) mil empresas fecharam. Dentre as que se mantiveram abertas, 70% tiveram queda nas vendas, 34% demitiram empregados e 29,7% cortaram mais da metade de seu quadro de funcionários. Somado a isso, há previsão de um PIB (Produto Interno Bruto) na ordem de 5% negativo no ano de 2020, no Brasil.

Vislumbrando esse cenário pós pandemia e objetivando conferir maior celeridade, efetividade e segurança jurídica aos procedimentos de recuperação judicial e de falência, um Grupo de Trabalho do Plenário do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), instituído pela Portaria nº 162/2018 e nomeado pelo presidente do CNJ e do STF (Supremo Tribunal Federal), editou algumas recomendações aos Tribunais Brasileiros. Dentre elas, uma das que reputo como mais importante, propõe a conciliação e mediação entre empresários, fornecedores e trabalhadores.

A conciliação e mediação ocorrerá por meio de CEJUSCs Empresariais (Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania em matéria empresarial), seguindo o modelo do CEJUSC já existente na Justiça Comum.

Os conciliadores e mediadores precisarão ter capacitação específica para atuação na área do Direito Empresarial, sendo que as sessões de conciliação e mediação serão preferencialmente virtuais. O ato normativo também sinaliza que as sessões poderão ser realizadas por câmaras privadas especializadas.

A atuação do CEJUSC Empresarial ocorrerá na fase pré-processual e também em demandas já ajuizadas. Os membros do grupo de trabalho do plenário do CNJ entenderam que, com a realização de negociações prévias à recuperação empresarial, ocorrerá uma diminuição do número de novas demandas. Já em relação as demandas ajuizadas, a medida visa solucionar a enorme demora no pagamento das dívidas dos credores e na tramitação do impasse nas cortes. Esse conjunto de acontecimentos esperados possibilitará a superação da crise pela qual estamos atravessando.

O referido ato normativo é de extrema importância, tanto para a fase pré-processual, quanto para as demandas já ajuizadas, pois o que vemos, em muitos casos, são processos de Recuperação Judicial sendo ajuizados sem necessidade, por, justamente, faltar um diálogo prévio entre as partes.

Com a existência do CEJUSC Empresarial, esse diálogo prévio será mais viável, possibilitando as partes a chegarem em uma negociação favorável, sem que para isso seja necessário demandar o Poder Judiciário.

Nas demandas em curso, o CEJUSC Empresarial também proporcionará um diálogo mais fácil e efetivo entre os envolvidos, evitando que a devedora venha a falência, pois, com a presente pandemia, muitas empresas tiveram o seu caixa, que já era curto, ainda mais reduzido, dificultando o adimplemento das dívidas, inclusive aquelas já novadas em Plano de Recuperação Judicial homologado.

Além disso, a medida proposta trará mais flexibilização às negociações que ocorrem dentro da Recuperação Judicial, uma vez que, em alguns casos, os credores se negam a falar com a devedora, dificultando a elaboração do Plano de Recuperação Judicial e, consequentemente, sua aprovação.

Ainda, acredito que a existência do CEJUSC Empresarial poderá, inclusive, obstar a ocorrência de votos abusivos, vindo de credores que, injustificadamente, não querem negociar, e, nem mesmo, ouvir a proposta dos devedores que se encontram em crise econômico-financeira.

Analisando-se toda essa gama teórica, a única dúvida que fica é como será a atuação do CEJUSC Empresarial na prática. Em quais fases processuais da Recuperação Judicial e da Falência poderão ocorrer as sessões de conciliação e mediação? Quem irá propor essa medida, o Juiz de ofício ou as partes por meio de requerimento?

Sobre tais pontos, o artigo 7º, do ato normativo n.º 0005479-03.2020.2.00.0000, estabelece que o CEJUSC Empresarial deverá observar o disposto na Lei n.º 13.140/2015 (Lei de Mediação), no que couber, e o artigo 8º do mesmo dispositivo dispõe que o interessado na realização das sessões de conciliação e mediação deverá preencher formulário eletrônico, com indicação da qualificação completa das partes, constando telefones e e-mails, bem como a descrição resumida dos fatos e dos pedidos e o valor da causa, podendo, ainda, apontar qual método é o de sua preferência para a solução do conflito.

Sabe-se que, na Justiça Comum, as partes interessadas na conciliação devem ir ao CEJUSC mais próximo de sua residência e agendar uma sessão de Conciliação e Mediação. Caso já exista um processo em curso, a parte deve informar ao seu advogado a vontade de conciliar, e este irá peticionar ao Juízo da causa solicitando que o processo seja encaminhado ao CEJUSC. O requerimento demonstrando a vontade na conciliação pode ocorrer em qualquer fase do processo.

Desta forma, conclui-se que a criação do CEJUSC Empresarial será muito benéfica aos Institutos de Recuperação Judicial e Falência, pois a adoção desta medida propiciará um diálogo mais efetivo entre as partes, criando uma maior possibilidade de ocorrência de negociações que, sendo na fase pré-processual, evitarão o ajuizamento desnecessário de demandas e, nas demandas já ajuizadas, solucionará a enorme demora no pagamento das dívidas dos credores e na tramitação do impasse nas cortes.

Referências

https://www.cnj.jus.br/normas-do-cnj-preparam-justica-para-recuperacoes-judiciais-e-falencias-pos-pandemia/

http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/25082020-Recomendacoes-do-CNJ-preparam-Judiciario-para-enfrentar-falencias-pos-pandemia0824-7604.aspx

Ato Normativo n.º 0005479-03.2020.2.00.0000 – Conselho Nacional de Justiça – https://www.conjur.com.br/dl/cejusc-empresarial.pdf

https://www.tjsp.jus.br/Conciliacao

https://www.bcb.gov.br/content/focus/focus/R20200925.pdf

 

Ana Eliza Alli – Advogada. Formada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUCCAMP (2018). Pós-Graduanda em Direito Civil e Direito Empresarial pelo Instituto Damásio de Direito da Faculdade Ibmec SP (2020 – 2021) e com Curso de Extensão em Falência e Recuperação de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas – FGV (2019). Membro efetivo da Comissão de Estudos sobre Falência e Recuperação Judicial da 3º Subseção da OAB de Campinas/SP.

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