A Cooperação Jurisdicional na Recuperação Judicial
01/10/2019Da possibilidade de revisão dos contratos de locação em razão da pandemia de Covid-19
13/04/2020Trabalho apresentado no Curso de Pós Graduação em Processo Civil Brasileiro da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
*Arthur Fonseca Cesarini
Coordenador: Prof. Dr. Geraldo Fonseca
Campinas – 2019
DA COGNIÇÃO EXAURIENTE EM INCIDENTES DE IMPUGNAÇÃO DE CRÉDITO
THE COMPLETE COGNITION IN CLAIMS APPEALING PROCEDURAL ISSUES
Resumo: Este trabalho possui como tema a Cognição Exauriente em Incidentes de Impugnação de Crédito, tendo como objetivo demonstrar que o cotejado procedimento supera uma mera análise classificatória do crédito, devendo o Magistrado em sua posição ativa e cooperativa analisar todos os elementos apresentados, inclusive prova pericial, com a precípua finalidade de se atingir a verdade real do crédito.
Palavras Chaves: Impugnação de Crédito, Cognição Exauriente, Recuperação Judicial, Verdade Real do Crédito na Lei nº 11.101/05.
Abstract: This paper possesses as theme the complete cognition in claims appealing procedural issues, with the objective to demonstrate that such procedure surpasses a mere qualifying analysis of the credit, needing the magistrate, in yours active and cooperative position, to analyze all the elements brought forward, including expert evidence, with the main mission to recognize the credit’s actual truth.
Keywords: Laims appealing, Complete Cognition, Judicial Reorganization, Credit’s Actual Truth, Law nº 11.101/05
Sumário: 1.Introdução; 2.Desenvolvimento; 3.Considerações Finais; 4. Referências Bibliográficas
- Introdução
O presente artigo aborda o instituto da impugnação de crédito disposto no artigo 13 da Lei nº 11.101/05 e sua possibilidade de ampla dilação probatória.
O tema posto à baila encontra vacilação jurisprudencial no E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em especial nas Câmaras Reservadas, oportunidade em que certos desembargadores sustentam a ampla dilação probatória, outros vislumbram uma via estreita no presente incidente.
A discussão ganha realce sob o novo prisma do Código de Processo Civil que conferiu ao Magistrado amplos poderes instrutórios e cooperativos para um desaguar célere e justo, fator de aparente colisão com instituto da impugnação de crédito e sua análise meramente classificatória.
Observaremos no artigo em comento as jurisprudências das Câmaras Reservadas de Direito Empresarial do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em suas posições antagônicas, ambicionando retirar o conceito exato do artigo 13 da Lei nº 11.101/05 e do Novo Código de Processo Civil.
Concluiremos, portanto, pela ampla dilação probatória nos incidentes de impugnação de crédito em decorrência de um princípio implícito pouco divulgado: o princípio da verdade real do crédito.
- Desenvolvimento
O Instituto da Impugnação de Crédito
Inicialmente devemos ter em mente que o instituto da impugnação de crédito é procedimento diverso do instituto de habilitação/divergência de crédito, à medida que são apresentadas em momentos distintos e tramitam de forma distintas.
O procedimento de habilitação e divergência encontra-se alocado no artigo 7º, § 1º da Lei nº 11.101/05 e possui a precípua finalidade de inserir crédito que não foi incluído pela Recuperanda (habilitação) ou então divergir de crédito inserido pela Recuperanda (divergência).
Sobre a diferenciação entre os institutos de habilitação e divergência louva-nos os comentários de Paulo F. C. Salles de Toledo: “Se o crédito tiver sido omitido na relação de credores, eles o habilitarão. Se houver algum desacordo quanto a valor e classificação, expressarão sua divergência”. (TOLEDO – Paulo F. C Salles – Comentários à Lei de Recuperação de empresas e falência/coordenadores Paulo F.C. Salles de Toledo e Carlos Henrique Abrão – 3ª ed. rev. e atual. – São Paulo – Saraiva, 2009 – pág. 28).
Nesta toada, o prazo de apresentação das habilitações e divergências serão computados em 15 (quinze) dias da data da publicação do edital de credores pela Recuperanda, oportunidade em que tramitará extrajudicialmente por petição direcionada ao Administrador Judicial.
Em suma as habilitações e divergências instauram no procedimento da Lei nº 11.101/05 a fase extrajudicial de apuração de crédito.
Tranpassado o prazo de 15 (quinze) dias para os credores habilitarem e divergirem da relação apresentada pela Recuperanda, o Administrador Judicial terá prazo de 45 (quarenta e cinco dias) para elaborar o seu edital, consoante dispõe o artigo 7º, § 2º da Lei nº 11.101/05.
Neste momento o Administrador Judicial terá um papel de verdadeiro juiz não togado, à medida que analisará todas as habilitações e divergências apresentadas, as quais a depender da fundamentação serão inseridas em seu edital.
Publicado o edital do Administrador Judicial, os credores, o MP, o próprio devedor e até mesmo eventual Comitê de Credor (órgão fiscalizador facultado aos credores) poderão no prazo de 10 (dez dias) apresentarem ao Poder Judiciário sua impugnação de crédito, consoante dicção do artigo 8º da Lei nº 11.101/05.
Em resumo a impugnação de crédito instaura no procedimento da Lei nº 11.101/05 a fase judicial de apuração de crédito.
Esse é o instituto que abordaremos no presente artigo, sendo curial e tecnicamente salutar a diferenciação entre os institutos da habilitação/divergência e impugnação.
Na impugnação de crédito será lícito aos sujeitos ativos outrora mencionados o apontamento sobre a ausência, legitimidade, importância ou classificação de crédito que lhe foram atribuídos, sendo instruída a petição com todos os documentos e provas necessárias para seu pleito.
Importante ressaltar que a petição de impugnação de crédito será dirigida ao Poder Judiciário e tramitará por meio de incidente processual vinculado ao processo principal de Recuperação Judicial.
Podemos notar da dicção do artigo 8º c/c 13 da Lei nº 11.101/05 que a petição de impugnação de crédito assemelha-se com um pedido inicial do artigo 319 do NCPC, à medida que será dirigido ao Poder Judiciário, terá fatos e fundamentos, causa de pedir, pedido, valor da causa, procuração e será instruído com todos os meios necessários para a comprovação do seu direito.
Sobre a semelhança da impugnação de crédito a um processo de rito ordinário, um dos maiores estudiosos da Lei nº 11.101/05 Manoel Justino Bezerra Filho assim define: “cada impugnação formará uma autuação, um “processo”, que correrá de forma bastante semelhante ao rito ordinário, inclusive com a indicação das provas que as artes entenderem convenientes.” (BEZERRA FILHO, Manoel Justino – Lei De Recuperação De Empresas E Falência – 12ª ed, rev, atual e ampl, SP, RT, 2017, pág. 106).
Nesta concatenação legal e doutrinária nos parece palpável que o instituto da impugnação de crédito não seja um mero incidente de verificação de crédito, mas sim um processo incidental com ampla capacidade probatória, conforme veremos no decorrer do presente artigo.
Da verdade real e o Código de Processo Civil de 2015
Temos a ideia que o princípio da verdade real está intimamente mais próximo a seara do Direito Penal do que a seara do Direito Civil.
Tal inferência, nas palavras de Luis Flávio Gomes se dá, pois “o Estado não pode se satisfazer com a realidade formal dos fatos, mas deve buscar que o ius puniendi seja concretizado com a maior eficácia possível.” (GOMES, Luis Flávio – in Princípio da verdade real – https://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/121915673/principio-da-verdade-real acesso 07.11.2019).
Entretanto, com a criação do Novo Código de Processo Civil o legislador pátrio permitiu que o processo civil se aproxime da verdade real, oportunizando ao magistrado que utilize todos os meios possíveis para obtenção de uma sentença justa.
O artigo 6º do NCPC é claro em aduzir que a sentença deverá ser justa, ou seja, a verdade meramente formal outrora satisfatória na seara cível tem sua importância reduzida, não podendo mais ser a baliza para as decisões judiciais.
Neste raciocínio, para a efetividade de uma decisão justa, nos termos da norma fundamental exposta no artigo 6º, o legislador instituiu uma série de elementos ao Poder Judiciário na busca da verdade real, como por exemplo: i) os poderes instrutórios do juiz (art. 139 e seguintes); ii) o saneamento compartilhado (art. 357 e seguintes); iii) a determinação de produção de provas ex officio (art. 370).
Importante notar que apenas estes três exemplos retro citados nos conduzem a uma superação da verdade formal no Novo Código de Processo Civil, pois o magistrado poderá requerer provas e este poder não encontra limites, consoante se destaca da firme doutrina de Nelson Nery: “a norma ora comentada não impõe limitação ao juiz para exercer, de ofício, seu poder instrutório”. (NERY, Nelson – Código de Processo Civil Comentado – 16ª ed, SP, RT, 2016, pág. 1075).
Neste viés, nos parece que a visão meramente formal da verdade a ser buscada no processo civil não mais prevalece, pois o que se deverá buscar após o advento do NCPC é a mais ampla instrução probatória possível.
Sobre o tema, Daniel Amorim Assumpção Neves afirma categoricamente a superação da dicotomia das verdades (formal e real), aduzindo que no processo a verdade deve ser buscada sempre, originando uma nova modalidade, a verdade processual: “O melhor resultado possível do processo – que se entende mais apto a ocorrer com a ampla produção de prova – diz respeito a qualquer processo, seja ele penal ou cível, considerando-se que a qualidade da prestação jurisdicional será sempre o valor supremo a ser buscado em todo o processo judicial, independentemente do direito substancial que se está debatendo em juízo.”. (NEVES, Daniel Amorim Assumpção –pag. 648).
Não diferente dos pensamentos dos doutrinadores acima citados, Humberto Theodoro Jr. também afirma expressamente que a verdade real na esfera civil com o advento do NCPC é a que deve ser buscada: “no processo moderno, deixou de ser simples árbitro diante do duelo judiciário travado entre os litigantes e assumiu poderes de iniciativa para pesquisar a verdade real e bem instruir a causa” (THEODORO Jr., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. v. 1, 22ª ed., Rio de Janeiro: Forense, p. 421.).
Dentro deste manancial doutrinário, resta claro que o novo processo civil deve buscar a verdade real lastreada em uma postura ativa do Magistrado, que dentro de seus poderes instrutórios deverá buscar o provimento jurisdicional justo e, isso inexoravelmente passa por uma ampla e vasta dilação probatória.
Mas não é só a doutrina que se posiciona sobre a aplicabilidade da verdade real no âmbito civil, o Ministro Nilson Naves então Ministro do C. STJ, nos idos de 1994, já demonstrava que a verdade real na esfera civil deveria ser buscada sempre: “Foi-se o tempo em que o processo civil se contentava com a verdade formal. À semelhança do processo penal, o civil também há de se preocupar com a verdade material” (STJ – Resp 9.012 – j. 1994).
Acompanhando o raciocínio do E. Ministro, a Ministra Nancy Andrighi, em 2001, assim se posicionou sobre o tema: “admite-se no processo moderno a iniciativa probatória do juiz, pois a efetividade do processo e a absorção do conflito no plano social depende de uma decisão cunhada a partir do princípio da verdade real dos fatos” (REsp 151924 / PR; Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI; Data do Julgamento: 19/06/2001; Data da Publicação/Fonte: DJ 08/10/2001 p. 210).
Nota-se que mesmo antes do advento do Código de Processo Civil de 2015 a jurisprudência das cortes superiores já transbordavam a antiga mentalidade da prevalência da verdade formal no processo civil, demonstrando que a verdade real é que deve ser o norte para uma solução justa.
Um pouco mais recente já sob a égide do NCPC, o D. Des. Teodoro Silva Santos, da A. 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Ceará nos autos da Apelação nº 0030291-60.2008.8.06.0001, deixou claro em sua ementa a necessidade da busca da verdade real no processo civil: “Os princípios da Satisfatividade do processo civil, bem como o da Busca da Verdade Real, balizam o entendimento de que o processo civil deve-se prestar a tutelar direitos de forma satisfativa, bem como o de alcançar, no máximo, a verdade real da situação litigada” (TJCE – APL 0030291-60.2008.8.06.0001 – j. 2016)
Sedimentando o tema, cumpre trazer à baila aresto prolatado pelo Des. Evandro Lopes da Costa Teixeira da A. 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais no mês de junho do corrente ano: “NECESSIDADE DE O JUIZ PROMOVER A REALIZAÇÃO DE PROVA INDISPENSÁVEL À SEGURA COMPOSIÇÃO DA LIDE – PRINCÍPIO DA BUSCA DA VERDADE REAL – ARTIGO 130 DO CPC – O Juiz deve determinar, ainda que de ofício, a realização de perícia que seja indispensável à segura composição da lide, mesmo porque o princípio da busca da verdade real hoje tem ampla aplicação no processo civil.” (TJMG – APL: 10024132332073001 – j. 11/06/2019).
Sendo assim, a verdade formal outrora perseguida pelos processualistas caiu por terra diante da criação do NCPC que permitiu ao Magistrado uma maior possibilidade de alcançar a verdade real e satisfazer de modo justo a lide posta.
Desta feita, chegaremos a conclusão que as normas vigentes no CPC de 2015 superam a verdade formal e caminham para a manifesta verdade real, oportunidade em que este deve ser o espírito que norteará a condução do processo civil brasileiro.
Da Ampla Dilação Probatória no Incidente de Impugnação de Crédito – Princípio da Verdade Real do Crédito
Sedimentados nos conceitos de impugnação de crédito, como também no novo espectro da verdade real a ser aplicado no código de processo civil, adentraremos sobre a possibilidade da dilação probatória no incidente de Impugnação de Crédito.
Conforme cotejado alhures, devemos ter em mente que o artigo 8º c/c 13 não possui um caráter taxativo, ou seja, não se limita tão somente a análise de legitimidade, importância, classificação ou ausência, mas sim possuem um caráter ampliativo de toda e qualquer matéria relacionada ao crédito a ser discutido.
À luz do acenado, o Professor José Alexandre Tavares Guerreiro em obra sob Coordenação dos Professores Francisco Satiro Júnior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo, de modo brilhante demonstrou a natureza ampla do instituto ora estudado: “Com efeito, não parece razoável, e tampouco decorre de qualquer preceito de ordem pública, restringir-se a possível fundamentação das impugnações de que ora se trata apenas às hipóteses capituladas no art. 8º. O que se requer, nesse particular, é amplificar e não reduzir, os motivos de contestação válida dos créditos relacionados. Da mesma forma, a interpretação desses motivos legais deve ser ampla, para que interesses legítimos não fiquem sem tutela. Assim por exemplo, devem ser francamente admitidos aqueles motivos que o Código Civil vigente (art. 956), à semelhança do anterior (art. 1.555), erigiu a condição de razões invocáveis entre os credores (ou no concurso de credores, na Lei civil revogada): preferência, nulidade, simulação, fraude, ou falsidade das dívidas e contratos.” (GUERREIRO, José Alexandre Tavares – Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência – Coord. Francisco Satiro Júnior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo – 2ª ed, rev, atual e ampl. SP, RT, 2007, 148).
Na mesma toada, o professor Gladson Mamede em sua brilhante obra assim analisou a cognição ampla do incidente de impugnação de crédito: “O legislador falou apenas em manifestar contra legitimidade, importância ou classificação de crédito relacionado; é pouco. Mais do que se manifestar contra a legitimidade do habilitante, a impugnação poderá arguir toda uma gama de matérias prejudiciais, como a inexistência do crédito, defeito de representação, a exemplo da ausência de prova da outorga de poderes bastantes para pedir habilitação, prescrição do dinheiro, pagamento, confusão, remissão (perdão da dívida) ou outra forma de renuncia, ausência de requisito formal necessário, entre outras. São apenas exemplos. O leque de matérias preliminares ou de mérito é amplo, todas podendo ser invocadas por meio de impugnação, incluindo o principal do crédito, juros, multas, correção monetária, natureza ect.” (MAMEDE, Gladston – Direito empresarial brasileiro: falência e recuperação de empresa, vol. 4, SP, Atlas, 2010 – pág.105/106).
Igualmente, registrou-se que é plenamente possível a dilação probatória no curso da impugnação de crédito, inclusive para demonstrar a incidência ou não de cumulação da comissão de permanência com outros encargos, como ensina Fábio Ulhoa Coelho: “A impugnação é feita por petição instruída com os documentos que o impugnante tiver. Nela, devem ser indicadas as provas que pretende produzir para sustentação do alegado. Aqui, trata-se de postulação judicial, ato privativo de advocacia. (…) Retornando com o parecer do administrador judicial, cada auto de impugnação de crédito é promovido à conclusão. Aquelas em que não se impõe a dilação probatória são julgadas desde logo. Em relação às demais, o juiz fixa os aspectos controvertidos, decide as questões processuais pendentes e determina as provas a serem produzidas (nomeia perito, designa audiência de instrução e julgamento etc.). Concluída a dilação probatória, o juiz julga a impugnação, acolhendo-a ou rejeitando-a” (COELHO, Fábio Ulhoa Curso de Direito Comercial, vol. 3, 2012, Saraiva p. 248/249).
A propósito, relevante é a análise de Marcelo Barbosa Sacramone sobre a impugnação judicial, com o reconhecimento de que a análise do crédito na habilitação/impugnação será exauriente, inclusive com a possibilidade de produção probatória: “O interessado poderá impugnar a existência, o valor e a natureza do próprio crédito, bem como a existência, o valor e a natureza de créditos de outros titulares constantes da lista. (…) A impugnação judicial possui natureza de ação incidental, pois discute direito material entre as partes no âmbito de outro processo, no caso, um processo de recuperação judicial ou de falência. Sua natureza de ação =, e não de mera questão incidental, é corroborada pela possibilidade de cognição exauriente do direito de crédito pretendido (art. 15, IV) e pela exigência de se possibilitar regular contraditório (art. 11). O titular de crédito impugnado será devidamente citado para contestar a impugnação, assim como os demais legitimados para a impugnação, como poderão sofrer seus efeitos de uma decisão de alteração do crédito, terão a oportunidade para se manifestar. (…) Sua análise, porém, não fica adstrita a questões cognoscíveis de plano, com a remessa das partes às vias próprias, pois o conhecimento do crédito na habilitação/impugnação será exauriente, inclusive com a possibilidade de produção probatória, se necessário.” (SACRAMONE, Marcelo Barbosa – Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, pp. 92/93 e 95).
Colocando pá de cal sobre o tema, lição magistral de Luis Roberto Ayoub e Cássio Cavalli sobre a ampla dilação probatória em incidentes de impugnação de crédito se faz louvável: “O procedimento de verificação judicial de créditos, entretanto, comporta aprofundamento da cognição, mormente naquelas discussões de maior complexidade, que demandam prolongamento da instrução com dilação probatória. (…) Portanto, não cabe ao magistrado, ante a complexidade da matéria deduzida em juízo, remeter o processo a via processual adequada.” (AYOUB, Luiz Roberto; CAVALLI, Cássio – A Construção Jurisprudencial da Recuperação de Empresas – 3 ed. rev. atual e ampl – RJ, Forense, 2017 pág. 213/214).
Importante notarmos que os maiores doutrinadores a respeito da Lei nº 11.101/05 entendem ser viável a cognição ampla e exauriente nos incidentes de impugnação de crédito, encampando a criação de um princípio implícito chamado de: Princípio da Verdade Real do Crédito.
Neste comenos, o Princípio da Verdade Real do Crédito nada mais é do que a busca efetiva pela verdade real creditícia, estando a disposição do magistrado o amplo leque de instrumentos para se perquirir a correta e exata importância a ser arrolada no edital da Recuperanda.
O benefício da escorreita aplicação deste princípio no caso concreto é a correta aferição do crédito, possibilitando a Recuperanda, aos Credores, ao Administrador Judicial e ao Poder Judiciário uma verdadeira constatação do real passivo a ser adimplido por meio do Plano de Recuperação Judicial.
A precisão numérica dos valores arrolados é questão também que se afina ao princípio da paridade (pars conditio creditorum), pois ao se chegar no desaguar satisfatório de uma sentença bem instruída com a ampla dilação probatória, todos os credores afetos estarão cientes de que o passivo apurado passou por amplos estudos de profissionais gabaritados, ou seja, não há valores supostamente intangíveis.
Sendo assim, insertos neste pilar implícito fundante da Lei nº 11.101/05, insatisfatório será uma mera análise qualificativa sem aprofundamento técnico contábil ou até mesmo jurídico de uma impugnação de crédito, vez que a mera verdade formal decairá a luz da verdade real, a qual será atingida por todos os meios de prova em direito admitidos.
Alias a própria Lei nº 11.101/05 é clara em seu artigo 15, inciso IV que o juiz poderá determinar provas a serem produzidas, oportunidade que designará até audiência de instrução e julgamento se o caso.
Sobre o inciso IV do artigo 15, lição de Manoel Justino Bezerra Filho é clara na admissão das provas periciais: “Eventualmente tem sido útil a perícia contábil, para aclarar os pontos necessários ao julgamento.” (BEZERRA FILHO, Manoel Justino – Lei De Recuperação De Empresas E Falência – 12ª ed, rev, atual e ampl, SP, RT, 2017, pág. 109).
À luz da caudalosa doutrina pátria, concluímos que a possibilidade de ampla dilação probatória em incidentes de impugnação de crédito se afina com a nova realidade do código de processo civil, o qual não se contenta mais somente com a verdade formal, momento em que com os poderes conferidos ao Poder Judiciário, se buscará a efetivação de um princípio implícito da Lei nº 11.101/05: a Verdade Real do Crédito.
Da Análise Jurisprudencial das Câmaras Reservadas do TJSP – Análise de Caso Concreto
Neste momento, estando firmes na possibilidade legal e doutrinária sobre da ampla dilação probatória em incidentes de impugnação de crédito, lastreados pelo princípio da verdade real do crédito, cumpre analisar as jurisprudências do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em especial das Câmaras Reservadas de Direito Empresarial, nas suas posições antagônicas, como forma de viabilizar o aprimoramento do instituto objeto do estudo.
Importa frisar que a presente análise não se traduz em crítica as posições antagônicas a seguir apresentadas, como também não possui o escopo de cravar o entendimento correto sobre o tema, servindo o presente estudo tão somente como forma de melhor manipular a Lei nº 11.101/05 e atingir a finalidade desejada pelo legislador.
Nesta toada, encontramos aresto da lavra do E. Des. Sérgio Shimura da A. 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, nos autos do AI nº 2039584-79.2019.8.26.0000, no dia 10.09.2019, o qual vislumbra uma via estreita ao incidente de impugnação de crédito, sendo vedada a dilação probatória: AGRAVO DE INSTRUMENTO RECUPERAÇÃO JUDICIAL IMPUGNAÇÃO DE CRÉDITO – Crédito do banco agravado garantido por alienação fiduciária Pretensão das empresas recuperandas de realização de perícia contábil para que se apure o valor atual dos bens dados em garantia, aferindo-se o limite do montante extraconcursal, com a manutenção do saldo remanescente no Quadro Geral de Credores Desacolhimento – Descabe perícia contábil em sede de impugnação de crédito. Ademais, é certo que as garantias devem subsistir em sua totalidade até a apreensão dos bens, momento em que, após a amortização do crédito garantido, eventual excedente se submeterá à recuperação judicial Precedentes RECURSO DESPROVIDO. (…) Primeiro, que não cabe perícia contábil em sede de simples impugnação de crédito. A amplitude probatória não tem lugar na via estreita deste tipo de procedimento.
Na mesma toada, o E. Des. Fábio Tabosa da também A. 2ª Câmara Reservada de Direito Privado, no dia 28.09.2019, vislumbra a restrição de cognição de incidentes de impugnação de crédito nos autos do AI nº 2241781-28.2016.8.26.0000: Recuperação judicial. Impugnação de crédito. Prestação e serviços. Pretensão da contratante de transferência em via regressiva à prestadora contratada do valor de multa administrativa imposta pelo Procon. Descabimento. Cognição do incidente restrita (…) a impugnação à lista do Administrador não comportava acolhida, nem tampouco se justificando o pedido subsidiário de reabertura da fase instrutória, já que a impugnação, diversamente do que afirma a agravante, não tem natureza de processo comum, nem tampouco tem amplitude cognitiva a ponto de permitir a prolação em seu bojo de autêntica decisão de cunho indenizatório.
Nota-se que o entendimento dos renomadíssimos Desembargadores nos traz a ideia de cognição restrita e estreita do incidente de impugnação de crédito, o que nos parece com a máxima venia, posição menos preferível à luz do espírito do legislador e da doutrina.
Por sua vez, em recente acórdão prolatado no dia 09.10.2019, o D. Des. Alexandre Lazzarini, da A. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, nos autos do AI nº 2135729-03.2019.8.26.0000, nos traz posição diferente, possibilitando a ampla dilação probatória em incidentes de impugnação de crédito: AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. IMPUGNAÇÃO DE CRÉDITO. DEVEDORA. EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO POR AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL. REFORMA DA DECISÃO AGRAVADA. INTERESSE PROCESSUAL PRESENTE. ANÁLISE DO CRÉDITO NA HABILITAÇÃO/IMPUGNAÇÃO QUE É EXAURIENTE, INCLUSIVE COM A POSSIBILIDADE DE PRODUÇÃO PROBATÓRIA, SE NECESSÁRIA. PRECEDENTES. DETERMINAÇÃO DE RETORNO DA IMPUGNAÇÃO À ORIGEM PARA REGULAR PROSSEGUIMENTO. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO, COM DETERMINAÇÃO.
No mesmo caminho trilhado, louva-nos ementa do D. Des. Hamid Bdine, da também 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, no dia 27.03.2019, nos autos do AI nº 2250162-54.2018.8.26.0000: Impugnação de crédito. Crédito arrolado na recuperação menor do que o pretendido pelo banco credor, ora agravado. Impugnação do administrador judicial acolhida para majorar o montante. Credor que, em razão do princípio da boa-fé, percebeu equívoco no cálculo e ajuizou a presente impugnação para reduzir parcialmente seu próprio crédito. Recuperanda, ora agravante, que pretende discussão nos autos sobre a cumulação indevida de comissão de permanência com outros encargos contratuais. Possibilidade no caso. Sentença recorrida que também julgou a impugnação n. 1001139-80.2018.8.26.0505, em que a devedora impugna o cálculo realizado. Necessidade de dilação probatória caracterizado. Cabimento. Anulação da r. decisão recorrida. Recurso provido
Alias o tema é verdadeiramente controverso entre as Câmaras Reservadas, pois há posicionamentos de Desembargadores da A. 2ª Câmara, em especial do D. Des. Ricardo Negrão que possibilita a ampla dilação probatória em incidentes de impugnação de crédito, veja-se: IMPUGNAÇÃO DE CRÉDITO Rejeição de pedido impugnatório à lista do Administrador Judicial Pretensão de modificar o montante do crédito referente a vendas de mercadorias (…) Desnecessidade de aplicação subsidiária ao procedimento processual comum Necessidade de assegurar a segurança e certeza inequívoca acerca do crédito, de modo a não comprometer o pedido recuperatório, permitindo-se, entretanto, às partes produzir provas Exegese do art. 15 da LREF Decisão anulada. Recurso provido (…) necessário assegurar a segurança e certeza inequívoca acerca do crédito, de modo a não comprometer o pedido. (TJSP – AI nº 2067763-23.2019.8.26.0000 – Des. Ricardo Negrão 01.11.2019)
Em sentido contrário, encontramos também julgado do D. Desembargador Cesar Ciampolini, da A. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, vedando uma análise ampliativa do incidente de impugnação de crédito: Recuperação judicial. Decisão de procedência de impugnação de crédito apresentada por credor. Agravo de instrumento. Descabida a discussão, na impugnação de crédito, de eventual abuso nas cláusulas contratuais anteriormente pactuadas, devendo tal insurgência ser levada a efeito em ação própria. Manutenção da decisão agravada. Agravo de instrumento desprovido (TJSP – AI nº 2132328-93.2019.8.26.0000 – Cesar Ciampolini – 09.10.2019)
Sendo assim, podemos constatar diante dos recentes entendimentos alhures apresentados que ainda não há pacificação da matéria objeto de estudo, pois existem respeitáveis argumentos de que o incidente de impugnação de crédito apresenta uma via estreita e com cognição restrita, fator que impossibilitaria a realização de provas periciais e outras modalidades de prova.
Reiterada venia aos renomados posicionamentos, não nos parece a melhor saída, à medida que se contentar com a verdade formal creditícia diante de um manancial de possibilidades decorrentes de lei para se atingir a verdade real do crédito a ser arrolado (princípio da verdade real do crédito), preferível afiliar-se as correntes adotadas pelos Desembargadores Alexandre Lazzarini, Hamid Bdine e Ricardo Negrão, as quais conferem ampla margem probatória ao incidente ora estudado.
Desta forma, inobstante haver corrente jurisprudencial que opte pela via estreita do cotejado incidente de impugnação de crédito, nos parece preferível diante da doutrina especializada assegurada pelos dispositivos legais outrora apresentados o caminho trilhado pela ampla dilação probatória como forma de se atingir a verdade real do crédito.
Considerações Finais
Diante de todo o apresentado no presente estudo, podemos concluir que inexiste pacificação jurisprudencial sobre o tema, à medida que ainda sustentam – e com argumentos interessantes e respeitáveis – uma cognição restrita e estreita do incidente de impugnação de crédito.
Todavia, é cediço que o NCPC instituiu expressamente elementos ao Poder Judiciário para o atingimento não somente da verdade formal, mas também da verdade real discutida na lide posta.
Dentro deste espectro, não nos parece salutar e razoável se contentar com a mera verdade formal creditícia da Lei nº 11.101/05, vez que neste microssistema o NCPC também atuará de maneira subsidiária (art. 189 da LRE), oportunidade em que devemos interpreta-los de maneira harmônica e coesa.
Sendo assim, ao analisar ambos os diplomas (NCPC e LRE) chegamos a conclusão da existência de um princípio implícito contido no bojo da Lei nº 11.101/05, o princípio da verdade real do crédito, que será buscado mediante todos os meios de prova em direito admitidos, com, por exemplo, provas periciais, as quais certamente conferirão a maior certeza possível do quantum a ser inserido no rol de credores afetos ao beneplácito.
Ademais, a ampla dilação probatória em incidentes de impugnação de crédito também beneficiam a efetividade e celeridade processual normas fundamentais dispostas no NCPC (art. 4º c/c 6º), como bem frisou o D. Des. Caio Marcelo Mendes de Oliveira, então lotado na A. 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial em 28.11.2016 nos autos do AI nº 2150485-22.2016.8.26.0000: (…) de acordo com o que sustenta a agravante, realmente, não há, na lei de regência, nenhuma vedação à produção de prova pericial, no âmbito de incidente de impugnação de crédito (…) Ademais, a produção da prova pericial no próprio incidente de impugnação de crédito, e não em ação de conhecimento própria, vai de encontro aos princípios da efetividade, da celeridade e da economia processual.
Desta forma, concluímos que se o incidente de impugnação de crédito carecer de provas amplas (p.ex perícia contábil) a Lei (LRE e NCPC) a doutrina, como também parte da jurisprudência, entende ser plenamente viável a ampliação da cognição inserta neste processo autuado em separado ao processo principal de recuperação judicial e como processo, na nova visão emanada no legislador de 2015, curial se faz a busca da verdade real, em especial dentro do microssistema da Lei nº 11.101/05, a verdade real do crédito.
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*Arthur Fonseca Cesarini é Pós Graduando em Direito Processual Civil na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (2019/2020), curso de Recuperação Judicial – Aspectos Práticos pelo Instituto Brasileiro de Administração Judicial (IBAJUD) 2018, graduado em Direito na Pontifícia Universidade Católica de Campinas. (2009/2013), Sócio do escrítório de advocacia Otto Gübel Sociedade de Advogados