A Cooperação Jurisdicional na Recuperação Judicial

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Dr. Arthur Fonseca Cesarini

Jurisdictional Cooperation in Judicial Reorganization

*Arthur Fonseca Cesarini

Pontifícia Universidade Católica de Campinas

arthur@ottogubel.com.br

 

Resumo: Este trabalho possui como tema a Cooperação Jurisdicional na Recuperação Judicial, tendo como objetivo demonstrar que a comunicação interna entre os Juízos é essencial para uma prestação jurisdicional justa e efetiva, oportunizando evidenciar em casos concretos que a ausência de diálogo entre as esferas do Poder Judiciário redunda na mais profunda e odiosa letargia jurisdicional, concluindo que o Novo Código de Processo Civil expressamente obtemperou que as habilitações de crédito nas Recuperações Judiciais tramitem de modo célere desembocando em uma decisão justa e efetiva.

Palavras Chaves: Cooperação, Cooperação Jurisdicional, Recuperação Judicial, Habilitação de Crédito, Decisão Justa e Efetiva.

Abstract: This paper has as its theme the Jurisdictional Cooperation in Judicial Reorganization, with the objective of demonstrating that internal communication between the Judicial System is essential in order to achieve a fair and effective jurisdictional assistance, leaving no doubt, through concrete cases, that the absence of dialog among the different cores inside the Judicial System results in the deepest and most obnoxious jurisdictional lethargy, bringing to a conclusion that the New Civil Procedure Code expressly deduced that any give proof of claim presented in Judicial Reorganization Procedures must follow an agile path that leads to a fair and effective decision.

Keywords: CooperationJurisdictional Cooperation, Judicial Reorganization, Proof of Claim, Fair and Effective Decision

Sumário: 1.Introdução; 2.Desenvolvimento; 3.Considerações Finais; 4. Referências Bibliográficas

  1. Introdução

 

O presente artigo aborda o instituto da cooperação jurisdicional no incidente de habilitação de crédito oriundo de processos de Recuperação Judicial disposto na Lei nº 11.101/05.

 

Desperta interesse o tema do artigo, pois de modo inédito o novel legislador processual de 2015, menciona em seu artigo 6º, que todos os sujeitos do processo, dentre eles o Poder Judiciário, devem cooperar para obtenção em tempo razoável proferir uma decisão justa e efetiva.

 

Ainda mais intrigante, sendo o ponto específico a se delimitar no presente artigo, foi o novel legislador processual de 2015 mencionar expressamente no artigo 69, § 2º, inciso V, que nos procedimentos de habilitação de crédito em Recuperação Judicial, deverá haver uma cooperação entre os juízos, facilitando a inserção do crédito ao beneplácito da Lei nº 11.101/05.

 

Em razão do Código de Processo Civil de 2015 intrincar institutos diversos, como a Processualística Civil e a Recuperação Judicial, o Poder Judiciário vem relutando em aplicar o sobredito princípio da cooperação, em especial a cooperação jurisdicional, fator que obstrui justamente o desígnio do Código de Processo Civil de 2015 e a Lei nº 11.101/05.

 

A relutância do Poder Judiciário se dá, pois o Código de Processo Civil de 1973 inseria no Magistrado a inércia pura e a movimentação somente por impulso oficial, visão superada com o Código de Processo Civil de 2015, que dá amplos poderes ao Magistrado, dentre eles oficiar outros Magistrados, a fim de que rapidamente um crédito seja habilitado na Recuperação Judicial.

 

Observaremos no artigo em comento, caso concreto ocorrido na 2ª Vara Cível da Comarca de Amparo, no Estado de São Paulo, oportunidade o Poder Judiciário ainda jungido aos dogmas do Código de Processo Civil de 1973, mitigou em primeiro momento a aplicação do princípio da cooperação jurisdicional, decisão brilhantemente reconsiderada após explicitação do novo espírito processual.

 

Concluiremos, portanto, que a cooperação jurisdicional na modalidade específica de facilitação de habilitações de crédito em Recuperação Judicial caminha de encontro com as normas fundamentais do processo civil e com o espírito da Lei nº 11.101/05, devendo ser fomentada sempre que possível, como forma de salvaguardar uma decisão célere, justa e efetiva.

 

  1. Desenvolvimento

 

Princípio da Cooperação no Novo Código de Processo Civil

 

O Código de Processo Civil de 2015 trouxe em seus 12 primeiros artigos suas normas fundamentais, calcadas à luz da Constituição Federal de 1988, fator que inexistia em nosso Código de Processo Civil de 1973, justamente por ser anterior a atual Carta Magna.

 

De plano constatamos que o Código de Processo Civil 2015 harmonizou-se temporal e teleologicamente com a Constituição Federal de 1988, possuindo como ponto de partida suas normas fundamentais processuais, as quais estarão capilarizadas por todo o Diploma Processual. (p.ex artigo 6º c/c 69).

 

Nesta toada, a primeira referência abstrata e originária do Princípio da Cooperação é o Princípio da Boa-Fé, ou seja, podemos dizer que a “Cooperação é agir o de Boa-Fé”, fator que deverá nortear os sujeitos do processo. (WANBIER – Teresa Arruda Alvim Wanbier, – Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil: artigo por artigo, 2.ed., São Paulo, RT, 2016, p.68.)

 

Trazendo o estudo para a seara concreta, a primeira referência expressa ao Princípio da Cooperação em nossa Ordem Jurídica encontra-se no artigo 5º, inciso LXXVII da Constituição Federal 1988, que declara: a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

 

No mesmo sentido, o Código de Processo Civil de 2015 de maneira harmônica e afinada com os direitos fundamentais dispostos da Constituição Federal de 1988, estipulou em seu artigo 6º que: todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

 

Desta concatenação entre dispositivos (artigo 5º LXXVII CF/88 e artigo 6º CPC/15) nasce o famigerado e inédito Princípio da Cooperação, que nada mais é do que a interação de todos os sujeitos do processo (concepção latu sensu) para que em tempo razoável seja prolatada decisão de mérito justa e efetiva.

 

Sendo assim, o Princípio da Cooperação não será uma mera relação triangular (Juiz, Autor e Réu), mas sim uma relação plural entre todos os sujeitos do processo, oportunidade em que se superará o impulso egoístico inter pars e a inércia do Poder Judiciário, cedendo espaço ao diálogo condescendente e ativo.

 

Sobre o Princípio da Cooperação entre todos os sujeitos do processo, lição de Nelson Nery ao citar António Santos Abrantes Geraldes se faz louvável: “o dever de cooperação não se limita ao juiz, às partes e aos mandatários destas: ele também é estendido aos funcionários da justiça no que lhes for cabível.” (NERY Júnior, Nelson Código de Processo Civil Comentado – 16ª ed. rev. atual. e ampl.. –São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2016 – pág. 218).

 

Notamos assim, que o Princípio da Cooperação será a reciprocidade entre todos os sujeitos do processo, almejando uma prestação jurisdicional célere, justa e efetiva, conduzindo-se o processo da melhor forma possível.

 

Sobre a condução do processo para atingir o seu fim em si mesmo, lição de Elpídio Donizetti se faz precisa: “Assim, o ativismo do juiz deve ser estimulado e ao mesmo tempo conciliado com o ativismo das partes, para que atenda à finalidade social do processo moderno. Torna-se necessário, pois, renovar mentalidades com o intuito de afastar o individualismo do processo, de modo que o papel de cada um dos operadores do direito seja o de cooperar com boa-fé numa eficiente administração da justiça” (DONIZETTI, Elpídio in https://elpidiodonizetti.jusbrasil.com.br/artigos/121940196/principio-da-cooperacao-ou-da-colaboracao-arts-5-e-10-do-projeto-do-novo-cpc, acessado em 05.06.2019).

 

Importante notarmos que o princípio da cooperação marca um verdadeiro cisma entre o CPC/73 e o CPC/15 retirando da inércia o Poder Judiciário e seus auxiliares, a fim de que uma decisão de mérito seja produzida eficientemente e reciprocamente por todos que compõem a administração da justiça e dela gozam de seus efeitos.

 

Desta feita, o Princípio da Cooperação tendo raízes abstratas no Princípio da Boa-Fé e difundido no artigo 5º, LXXVII da Constituição Federal 1988, produziu elementos firmes na confecção do artigo 6º do Código de Processo Civil de 2015, superando a inércia natural do Poder Judiciário, arraigado no Código de Processo Civil de 1973, trazendo uma interação, reciprocidade e por que não, um ativismo, a todos os sujeitos do processo, para que juntos, possam obter em tempo razoável uma decisão de mérito justa e efetiva.

 

Da Cooperação Jurisdicional

 

Firmes que o Princípio da Cooperação explicitado no artigo 6º do CPC/15, possui suas raízes centrais na boa-fé e Constituição Federal de 1988, o mesmo artigo 6º alhures noticiado se ramifica para outros artigos do CPC/15, propiciando a explicita a cooperação entre os Juízos.

 

Tal inferência encontra respaldo no artigo 69, §2º, inciso V do CPC/15, assim disposto: O pedido de cooperação jurisdicional deve ser prontamente atendido, prescinde de forma específica e pode ser executado como: (…) § 2º Os atos concertados entre os juízes cooperantes poderão consistir, além de outros, no estabelecimento de procedimento para (…).

 

 

Resta claro que o Princípio da Cooperação à luz do CPC/15 abrange todos os sujeitos do processo, inclusive o Poder Judiciário nas mais diversas searas, fator que corrobora com a afirmativa da superação da inércia absoluta dos Magistrados anteriormente conduzidas pelo CPC/73.

 

E não se trata de mera faculdade do Poder Judiciário em acatar ou não o pedido de cooperação, mas sim dever, o qual deverá ser prontamente atendido, nos conduzindo a uma lógica de obtenção em tempo razoável da tão sonhada decisão justa e efetiva.

 

A concatenação entre o artigo 6º e o artigo 69 ambos do CPC/15 é cristalina, retirando expressamente a concepção antiga de letargia judicial por impulso oficial das partes.

 

Sobre o assunto, sobrevela notar lição do conspícuo doutrinador Nelson Nery Júnior: “todos os exemplos mencionados neste parágrafo são voltados a efetivação de medidas que, se presas na corrente burocrática, acabam por atravancar a prestação jurisdicional” (NERY Júnior, Nelson Código de Processo Civil Comentado – 16ª ed. rev. atual. e ampl.. –São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2016 – pág. 408).

 

Na mesma toada, José Miguel Garcia Medina, sob coordenação de Angélica Arruda Alvin, afirma sobre o dever de cooperação entre os Juízos: “Os órgãos da jurisdição tem o dever de recíproca cooperação, que abrange todas as instâncias e graus (cf. art. 67 do CPC/2015) e também órgãos jurisdicionais de diferentes ramos” (MEDINA, José Miguel Garcia – Comentários ao código de processo civil/coordenação de Angélica Arruda Alvin…[et al.]. – 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, pág. 122).

 

Desta forma, resta claro a comunicabilidade entre o Princípio da Cooperação (art. 6º CPC/15) e a Cooperação Jurisdicional (art. 69 CPC/15), como forma de prever-dever que os Juízos e Tribunais colaborem entre si e também com todos os sujeitos do processo, ambicionando salvaguardar a redução da burocracia que certamente desaguará em uma prestação célere e efetiva.

 

Da Cooperação Jurisdicional Na Recuperação Judicial

 

Sendo a cooperação jurisdicional um dever a ser prontamente atendido, a noção colaborativa é facilmente compreendida em aspecto amplo, ou seja, todas as searas da justiça (cíveis, trabalhistas, fiscais) e graus de jurisdição, ou seja, o dever se estende aos juízes de piso como aos ministros do pretório excelso.

 

Tal inferência encontra guarida ao analisar o parágrafo § 3º do artigo 69 do CPC/15 assim disposto: § 3º O pedido de cooperação judiciária pode ser realizado entre órgãos jurisdicionais de diferentes ramos do Poder Judiciário.

 

Partindo do pressuposto de cooperação ampla entre o Poder Judiciário, o § 2º do artigo 69 do CPC/15, traça em rol não taxativo (numerus apertus), obtemperando analisar o seu inciso II, assim positivado: § 2º Os atos concertados entre os juízes cooperantes poderão consistir, além de outros, no estabelecimento de procedimento para: (…) V – a facilitação de habilitação de créditos na falência e na recuperação judicial;

 

De maneira verdadeiramente inédita o novel legislador processualista inseriu o instituto da Recuperação Judicial (Lei nº 11.101/05) no CPC/15, oportunidade em que concedeu conotação ampla e ramificada do princípio da cooperação.

 

De plano importante mencionar que o artigo 189 da Lei nº 11.101/05 deve ser interpretado de maneira teleológica, não estando eivado de nulidade, à medida que o legislador ambicionou que será aplicado o CPC (seja ela o de 73 quando vigente ou o de 15 atualmente), no que couber, aos procedimentos previstos na Lei nº 11.101/05.

 

Logo, de fácil percepção que o CPC/15 e a Lei nº 11.101/05 se comunicam, se harmonizam, tendo o primeiro aplicação subsidiária no segundo.

 

Entretanto, porque o legislador processualista de 2015 obtemperou expressamente o princípio da cooperação, na sua modalidade jurisdicional em processos de habilitação de crédito da Recuperação Judicial?!

Porque o legislador intrincou os procedimentos de uma Lei Especial com procedimentos de Direito Material e Processual (Lei nº 11.101/05) com a Lei Geral Processual (CPC/15)?!

 

Elementar, porém pouco difundido.

 

Ambas contem em seu bojo um princípio de boa-fé, cooperação e celeridade!

 

O CPC/15 trouxe de maneira expressa o princípio da cooperação (artigo 6º), ramificado e exteriorizado em hipóteses concretas no artigo 69, § 2º. Ocorre que toda a Lei nº 11.101/05 é pautada desde o seu nascedouro pela cooperação, pelo diálogo, pela visão de superação da crise econômico financeira, a fim de preservar a atividade empresarial e salvaguardar os interesses dos credores.

 

O viés colaborativo da Lei nº 11.101/05 é manifestamente escancarado ao se analisar o artigo 47 assim disposto: Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

 

A ideia de cooperação arraigada na Lei nº 11.101/05 é tão nítida que o doutrinador Jorge Lobo afirma que a Recuperação Judicial é um procedimento de sacrifício: “Nos “procedimentos de sacrifício”, a lógica do mercado, apanágio do sistema capitalista e da teoria da maximização dos lucros, deve ceder diante da ética de solidariedade, sobretudo quando se trata de uma lei de ordem pública, como sói de ser a que disciplina a ação de recuperação judicial”. (LOBO, Jorge- Comentários à Lei de Recuperação de empresas e falência/coordenadores Paulo F.C. Salles de Toledo e Carlos Henrique Abrão – 3ª ed. rev. e atual. – São Paulo – Saraiva, 2009  – pág. 131).

 

Ora, não existe sacrifício sem cooperação de quem é o sacrificado!

 

Sobre a necessidade de cooperação e colaboração, o Senador Ramez Tebet assim deixou claro o espírito da Lei nº 11.101/05: “Naturalmente nem sempre é possível a perfeita satisfação de cada um desses enunciados, principalmente quando há conflito entre dois ou mais deles. Nesses casos, é necessário sopesar as possíveis conseqüências sociais e econômicas e buscar o ponto de conciliação, a configuração mais justa e que represente o máximo benefício possível à sociedade.” (http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=580933, in 18.06.2019 – fls. 31).

 

Novamente, conciliar prepondera cooperar, não há conciliação sem cooperação!

 

À luz do acenado, sabemos que a cooperação caminha lado a lado a celeridade processual, à medida que o artigo 6º do CPC/15 é claro ao aduzir a obtenção em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

 

Diferente não é o espírito da Lei nº 11.101/05, conforme novamente se traz a exposição de motivos elaborada pelo Senador Ramez Tebet: “é preciso que as normas procedimentais na falência e na recuperação de empresas sejam, na medida do possível, simples, conferindo-se celeridade e eficiência ao processo e reduzindo-se a burocracia que atravanca seu curso”. (http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=580933, in 18.06.2019).

 

Veja-se a comunicabilidade entre o CPC/15 e a Lei nº 11.101/05 no que tange ao espírito colaborativo, cooperativo, conciliatório é manifesta, sendo verdadeiramente gratificante o Legislador Processualista de 2015 ter – de modo inédito – mencionado a facilitação, por meio de cooperação jurisdicional, de habilitação de créditos no processo de Recuperação Judicial.

 

Repisa-se andou bem o legislador processual 2015 que ao confeccionar seus princípios norteadores (dentre eles a cooperação) inserisse a comunicabilidade com a Lei nº 11.101/05, à medida que calcadas na solução de conflito por meio da colaboração entre todos os entes litigantes no processo.

 

Se de um lado no CPC/15 temos a figura do Autor, Réu, Juiz como membros de uma cooperação ampla na busca de uma decisão célere justa e efetiva, na Lei nº 11.101/05 temos a figura da Recuperanda, dos Credores, do Administrador Judicial e do Juiz, todos indistintamente conciliados para a preservação da empresa e para oportunizar o adimplemento dos créditos.

 

Mas porque é salutar uma facilitação rápida e colaborativa das habilitações de crédito no procedimento Recuperacional?!

 

Também elementar, porém pouco difundido.

 

Devemos ter em mente que a cooperação e a celeridade nos procedimentos incidentais de habilitação de crédito são salutares tanto para a Recuperanda, quanto para os credores, Administrador Judicial e ao Poder Judiciário.

 

Explicaremos no decorrer deste tópico o quão benéfico para cada um destes entes é a facilitação e aplicação do artigo 69, § 2º, inciso V do CPC/15 aos procedimentos de habilitação de crédito disposto na Lei nº 11.101/05.

 

Aos olhos dos mais incautos, que ainda observam a Lei nº 11.101/05 como a malfadada e extinta Concordata, poderia achar que a Recuperanda teria o interesse de retardar o feito e os incidentes de habilitação de crédito, à medida que a Recuperação Judicial nada mais seria do que um calote institucionalizado.

 

Gravíssimo erro, pois a Recuperanda é – e sempre será – o primeiro ente a ambicionar que o processo de recuperação judicial e seus incidentes de apuração de crédito tramitem em tempo razoável e de modo cooperativo, por um singelíssimo fator, a Lei nº 11.101/05 é um remédio amargo de se tomar, pois acarreta ônus, obrigações e intensa fiscalização por todos os entes naturalmente figurantes neste tipo de peculiar processo. (p.ex  Credores, Administrador Judicial, Ministério Público e Poder Judiciário).

 

Logo, se há um modo de tornar mais doce o trilhar do processo recuperacional, não tenha dúvidas que a Recuperanda encontrar-se-á na vanguarda.

 

Devemos nos lembrar novamente das lições de Ramez Tebet acerca da desburocratização que a Lei nº 11.101/05 traz ao revez da extinta concordata: “O desenho da recuperação judicial no PLC nº 71, de 2003, salvo pequenos ajustes, é adequado às necessidades das empresas brasileiras. Extinguindo a ineficiente concordata – que se limita a uma moratória das dívidas do concordatário, incapaz de soerguer devedores em dificuldade – o projeto abre um amplo leque de possibilidades de reorganização e aumenta, assim, as chances de recuperação efetiva das empresas” (http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=580933, in 18.06.2019).

 

Sendo assim, a facilitação das habilitações de crédito nos procedimentos de Recuperação Judicial é em primeiro lugar desejo da Recuperanda, pois uma empresa cingida a Lei nº 11.101/05, quer o mais rápido possível se soerguer e tudo o que venha – dentro da legalidade – para atingir este objetivo é de interesse da empresa, sob pena de se criar verdadeiro contrassenso e achincalhamento da Lei de Recuperação de Empresas.

 

Por sua vez no que tange aos Credores, em um processo de Recuperação Judicial, a visualização de seu animus cooperativo e colaborativo, para que seu crédito seja inserido de modo célere é mais fácil se de perceber.

 

Superando os credores obtusos, egoístas e dissociados dos princípios norteadores da Lei nº 11.101/05, que a todo custo ambicionam evadir do natural e peculiar procedimento de recuperação, os demais – maioria – anseiam por uma rápida resolução do processo, seja para a aprovação do Plano de Recuperação Judicial e o início do pagamento de seus créditos arrolados, seja para a rápida realização dos ativos em caso de convolação em Falência.

 

Lembremo-nos da lição de Jorge Lobo outrora mencionada que em procedimentos de sacrifício, todos devem se doar para um bem maior, que na Lei nº 11.101/05 é a preservação da empresa, instituto catalisador para o escorreito pagamento dos credores afetos ao beneplácito instaurado.

 

Nesta concatenação, aos credores (trabalhistas, garantia real, quirografários e ME/EPP) que possuem em seu bojo a boa-fé cooperarão para um rápido deslinde do feito principal de recuperação judicial, como também do seu especial incidente de apuração creditícia.

 

No que tange ao Administrador Judicial (cargo de confiança do juízo na condução do beneplácito), o artigo 69, §2º, inciso V do CPC/15 é um verdadeiro “braço amigo”, pois nada nem ninguém, dentro de um procedimento de Recuperação Judicial, quer mais do que o Administrador Judicial, que procedimentos de verificação de crédito sejam agilizados e facilitados.

 

Tal inferência encontra guarida, pois o artigo 7º, § 1º da Lei nº 11.101/05 é claro em aduzir a incumbência do Administrador Judicial na verificação dos créditos: Art. 7º A verificação dos créditos será realizada pelo administrador judicial, com base nos livros contábeis e documentos comerciais e fiscais do devedor e nos documentos que lhe forem apresentados pelos credores, podendo contar com o auxílio de profissionais ou empresas especializadas.

 

Mas não é só, o Administrador Judicial também é responsável pela elaboração de seu edital no termos do artigo 7º, § 2º da Lei nº 11.101/05, como também responsável pela consolidação do quadro geral de credores nos termos do artigo 18 da mesma Lei.

 

Notamos que o Administrador Judicial possui verdadeiro interesse em procedimentos de cooperação, pois seu trabalho será facilitado e realizado de maneira mais eficaz e menos tortuosa em grandes recuperações com grandes passivos.

 

Mas e ao Poder Judiciário, que vantagem Maria leva em ter uma rápida facilitação das habilitações em procedimentos de Recuperação Judicial?!

 

Chegamos ao ponto crucial, pois a cooperação entre os juízos é um dever que carece ser prontamente atendido.

 

A cooperação jurisdicional para a facilitação de habilitações de crédito nas recuperações judicial nos termos o artigo 69,§2º, inciso V do CPC/15, auxilia o Juízo Recuperacional e o Juízo colaborador para uma rápida harmonização creditícia, evitando-se a desvirtuação do instituto da habilitação de crédito e sua irregular judicialização.

 

Parece curial, mas não é.

 

Em suma, as habilitações de crédito quando – não retardatárias – (artigo 10 da Lei nº 11.101/05) devem ser dirigidas diretamente ao Administrador Judicial, iniciando-se a fase extrajudicial de apuração de créditos, quando isto não ocorre, os credores judicializam suas habilitações apinhando o já complexo procedimento recuperacional.

 

Não pior, os próprios juízos cooperativos (p. ex Trabalhista) encaminham diretamente nos autos principais os ofícios de habilitação de crédito, tornando massivo o processo de recuperação judicial, que possui rito próprio para a apuração extrajudicial de habilitação de crédito.

 

Vemos assim, que o Juiz também será beneficiado pela cooperação jurisdicional e facilitação das habilitações de crédito, pois o processo de recuperação judicial em sua vara tramitará de forma organizada, célere, eficaz, no espírito da Lei nº 11.101/05 e CPC/15.

 

No mesmo prumo, o Juízo Colaborador ao remeter ofício ao Juízo Recuperacional para a facilitação da habilitação de crédito, também retira processos de sua vara e aplica corretamente a vis attractiva que o beneplácito recuperacional possui.

 

Por todos os ângulos analisados, a Cooperação para facilitação de habilitação de crédito é benéfica para todos os sujeitos do processo, pois quem coopera acelera a tramitação do feito, desburocratizando procedimentos intrincados, organizando feitos desorganizados e tornando o caminhar do processo de recuperação judicial eficaz acima de tudo.

 

Desta forma, a cooperação jurisdicional para a facilitação de habilitação de crédito no procedimento recuperacional, nos termos do artigo 69, § 2º, inciso V do CPC/15, encontra harmonia teleológica com a Lei n° 11.101/05, pois o procedimento recuperacional em seu bojo ambiciona a cooperação, celeridade e conciliação, para uma decisão em tempo razoável, sendo que a inovação do legislador processualista consistente na menção expressa da Lei nº 11.101/05 no CPC/15 foi salutar e digna de elogios.

 

A Relutância de aplicabilidade da Cooperação Jurisdicional e a Superação das Amarras do CPC/73 à Luz do CPC/15 – Análise de Caso Concreto

 

Cumpre por fim, após perpassarmos pelo princípio da cooperação (art. 6º), suas raízes (boa-fé), ramificações (art. 69, § 2º, inciso III) e entroncamentos (Lei nº 11.101/05), analisar como o Poder Judiciário enfrenta o caso concreto de cooperação e facilitação de habilitação de crédito em processos de Recuperação Judicial.

 

Cuida-se originalmente de cumprimento de sentença apresentado em 10.07.2013 pela empresa Rei Frango (em Recuperação Judicial) em face da empresa Agropecuária Hitech Ltda (em Recuperação Judicial), no valor de R$ 5.415,13, autuado sob nº 000832-21.2010.8.26.0022, em trâmite perante a E. 2ª Vara Cível da Comarca de Amparo – Estado de São Paulo.

 

Após instaurado o presente cumprimento de sentença e inúmeros tentativas de recebimento de seu crédito, em 31.01.2017 a Exequente (Rei Frango) constatou que a Executada (Agropecuária Hitech) encontrava-se cingida aos preceitos da Lei nº 11.101/05, consoante processo nº 0000742-35.2010.8.26.0629, em trâmite perante a E. 2ª Vara Cível da Comarca de Tietê- Estado de São Paulo.

 

Em razão da situação excepcional vivenciada pela Executada, a Exequente requereu ao o D. Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Amparo/SP, por meio da cooperação jurisdicional arraigada no artigo 69, § 2º, inciso V do CPC/15, facilitando a expedição ofício para habilitação de seu crédito ao D. Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Tietê/SP, como forma de agilizar a inserção de seu crédito ao concurso.

 

Ocorre que, o D. Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Amparo/SP, ainda arraigado e preso às normas do CPC/73, ao receber o pedido de cooperação jurisdicional pela Exequente (Rei Frango), negou efetivamente o pleito e seu dever de atender prontamente o pedido.

 

Para tornar claro o acenado, segue em ipsis litteris a respeitosa decisão prolatada no dia 24.02.2017: “Considerando a documentação de fls. 137/151 (recuperação judicial e falência), o crédito objeto deste feito deverá ser habilitado por ato do próprio interessado junto àqueles autos, não cabendo a este Juízo qualquer interseção. Deverá este feito ficar suspenso pelo prazo de 01 ano, aguardando informações do credor quanto suas providências junto ao Juízo da Falência. Intime-se. Amparo, 24 de fevereiro de 2017”. (TJSP – 2ª Vara da Comarca de Amparo – processo nº 000832-21.2010.8.26.0022).

Percebe-se que o D. Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Amparo/SP, pretenso Juízo Colaborador, aduziu que não caberia a ele qualquer interseção, ou seja, qualquer cooperação e comunicabilidade com o D. Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Tietê/SP, pretenso Juízo a ser Colaborado.

 

A ausência de qualquer interseção outrora mencionada na respeitável decisão, nada mais é do que a antiga postura de inércia do Poder Judiciário obtemperada pelo CPC/73, a qual apresentava um distanciamento entre os sujeitos do processo, fator de manifesta letargia processual.

 

Em razão da situação apresentada, o Exequente (Rei Frango) opôs Embargos de Declaração no dia 14.03.2017, denotando a importância da cooperação jurisdicional na facilitação de habilitações de crédito em processos de Recuperação Judicial, como forma de se atingir em tempo razoável uma decisão justa e efetiva.

 

Sendo assim, no dia 14.07.2017 o D. Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Amparo/SP, de modo verdadeiramente brilhante, superou as amarras contidas no CPC/73 e recebeu os presentes aclaratórios como reconsideração, ordenando a expedição de ofício ao Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Tietê/SP.

 

Neste prumo, novamente pede-se venia para colacionar na íntegra a respeitável decisão prolatada no dia 14.07.2019: “Vistos. Fls. 178-182: Em verdade o pedido não se trata de embargos de declaração e, sim mero pedido de reconsideração e, de plano deve ser atendido. De fato, com o advento do novo digesto processual, se trouxe para o processo melhor aparelhamento em se tratando de cooperação entre juízos e juizes, amenizando, assim, o trâmite de alguns pedidos com a intenção de maior celeridade processual. É o que do pedido formulado e indeferido pela decisão se extrai. Sendo assim, DETERMINO que seja expedido ofício a ser encaminhado ao Juízo da E. 2ª Vara Cível da comarca de Tietê (processo nº 0000742-35.2010.8.26.0626), a fim que seja promovida a habilitação do crédito em favor de REI FRANGO ABATEDOURO LTDA – EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL, no valor de R$ 5.415,13 na categoria Classe III – Quirografário. Assim, cumprida, a determinação supra, aguarde-se o pagamento. Intimem-se.” (TJSP – 2ª Vara da Comarca de Amparo – processo nº 000832-21.2010.8.26.0022).

Importante notarmos que o D. Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Amparo/SP, superou a antiga concepção de inércia pura e distanciamento entre os sujeitos do processo, pois com o espírito do CPC/15 houve um melhor aparelhamento em se tratando de cooperação entre juízos e juízes, amenizando, assim, o trâmite de alguns pedidos com a intenção de maior celeridade processual, momento em que o processo ganhou léguas de rapidez, efetividade e eficácia.

 

Desta feita, o presente estudo apresenta um case verdadeiro de sucesso na aplicação do princípio da cooperação na transição do CPC/73 ao CPC/15, na sua modalidade entre juízos (artigo 69, §2º, inciso V c/c Lei 11.101/05), superando a odiosa letargia outrora vivenciada, oportunidade em que se enaltece o D. Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Amparo/SP pela reconsideração de sua respeitável decisão, na correta aplicação do espírito do legislador.

 

  1. Considerações Finais

 

Diante de todo o apresentado no presente estudo, podemos concluir que o Novo Código de Processo Civil expressamente aduziu que as habilitações de crédito nas Recuperações Judiciais devem tramitar de modo célere desembocando em uma decisão justa e efetiva.

 

Isso porque, além do CPC/15 a Lei nº 11.11/05 tem em seu bojo um espírito cooperativo e um viés preservação da empresa, salvaguarda dos interesses dos credores e uma célere tramitação deste processo sui generis.

 

Alias recentemente o Conselho Nacional de Justiça criou um Grupo de Trabalho pela Portaria 162/2018 com grandes baluartes do Poder Judiciário que estabelece “o objetivo de promover estudos e diagnósticos para dar uma maior celeridade, efetividade e segurança jurídica aos processos de recuperação judicial e falência”.(http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/Grupo-de-Trabalho-sobre-recupera%C3%A7%C3%A3o-judicial-e-fal%C3%AAncia-aprova-propostas-para-a-racionaliza%C3%A7%C3%A3o-dos-processos in 19.06.2019).

 

Nota-se que o CPC/15 em seu artigo 69, § 2º, inciso V ao se comunicar de modo inédito com a Lei nº 11.101/05 suprimiu abismo entre os Diplomas, propiciando sobremaneira a superação da letargia entre os sujeitos do processo oriundos do CPC/73.

 

Com efeito, a superação da letargia foi efetivamente apresentada no case nº 000832-21.2010.8.26.0022 que tramitou perante a E. 2ª Vara da Comarca de Amparo/SP, que em um primeiro momento relegou ao Exequente as tarefas de habilitação do seu crédito ao beneplácito da Executada e, após aclarado a existência da cooperação jurisdicional, reconsiderou sua decisão de modo brilhante, oportunidade em que o feito inexoravelmente tramitou mais rápido, com coerência, efetividade e eficácia.

 

Logo, é de fácil percepção que o princípio da cooperação, em especial a jurisdicional para a facilitação de habilitação de créditos em processos de Recuperação Judicial, visa não somente o interesse da Recuperanda, mas sim dos Credores, Administrador Judicial e próprio Poder Judiciário, que ao dialogar, cooperar e colaborar superam a condução lacônica do processo, desaguando em benéfica e rápida inserção creditícia exatamente como pleiteou o legislador pátrio quando da confecção da Lei nº 11.101/05.

 

  1. Referências Bibliográficas

DONIZETTI, Elpídio – princípio da cooperação – 2012 – https://elpidiodonizetti.jusbrasil.com.br/artigos/121940196/principio-da-cooperacao-ou-da-colaboracao-arts-5-e-10-do-projeto-do-novo-cpc, acessado em 05.06.2019

LOBO, Jorge- Comentários à Lei de Recuperação de empresas e falência/coordenadores Paulo F.C. Salles de Toledo e Carlos Henrique Abrão – 3ª ed. rev. e atual. – São Paulo – Saraiva, 2009  – pág. 131

MEDINA, José Miguel Garcia – Comentários ao código de processo civil/coordenação de Angélica Arruda Alvin…[et al.]. – 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, pág. 122

NERY Júnior, Nelson – Código de Processo Civil Comentado – 16ª ed. rev. atual. e ampl.. –São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2016, pág. 218 e 408.

STJ – Grupo de Trabalho sobre recuperação judicial e falência aprova propostas para a racionalização dos processos – 16.09.2019 – http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/Grupo-de-Trabalho-sobre-recupera%C3%A7%C3%A3o-judicial-e-fal%C3%AAncia-aprova-propostas-para-a-racionaliza%C3%A7%C3%A3o-dos-processos

TEBET, Ramez – Exposição de Motivos da Lei nº 11.101/05 – http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=580933, in 18.06.2019.

WANBIER, Teresa Arruda Alvim – Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil: artigo por artigo, 2.ed., São Paulo, RT, 2016, pág. 61.

Arthur Fonseca Cezarini é Pos Graduando em Direito Processual Civil na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (2019/2020), possui Curso de Recuperação Judicial – Aspectos Práticos pelo Instituto Brasileiro de Administração Judicial (IBAJUD) 2018, Cursou Direito na Pontifícia Universidade Católica de Campinas. (2009/2013), é sócio do escritório de advocacia Otto Gübel Sociedade de Advogados.

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