Créditos Consignados e a Reforma da Lei de Recuperação de Empresas

Conciliações e mediações antecedentes ou incidentais aos processos de Recuperação Judicial, como uma das importantes inclusões na Lei de Falências e Recuperação de Empresas
05/04/2021
Pronunciamento Técnico CPC – Entidades em Liquidação: nova norma contábil introduz abordagem para empresas em processo de falência
23/04/2021
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*Leonardo Adriano Ribeiro Dias

Em 23 de janeiro de 2021, entrou em vigor a Lei n. 14.112/2020, que implementou diversas mudanças nos regimes de recuperação judicial, extrajudicial e falência. Aplaudida por uns e criticada por outros, a reforma trouxe pontos positivos e negativos cuja análise ultrapassa o objeto deste artigo.

Contudo, um tema que despertou pouca reflexão até o momento consiste no tratamento das operações de crédito consignado regidas pela Lei n. 10.820/2003, mais especificamente das importâncias descontadas dos mutuários e retidas pelo empregador que, posteriormente, ajuíza recuperação judicial ou tem sua falência decretada.

De acordo com a lei especial, empregados celetistas poderão autorizar que seu empregador realize descontos em folha dos valores referentes ao pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil, desde que o empregador tenha celebrado acordo com a instituição consignatária, a qual concederá o crédito.

Pelo art. 3º da Lei n. 10.820/2003, é obrigação do empregador, dentre outras, efetuar os descontos autorizados pelo empregado e repassar o respectivo valor à instituição consignatária. Além disso, conforme art. 5º, § 3º, caso o pagamento mensal do empréstimo tenha sido descontado do mutuário e não tenha sido repassado pelo empregador, seria cabível o ajuizamento de ação de depósito pela instituição consignatária. E, nos termos do § 4º do mesmo artigo, em caso de falência do empregador antes do repasse das importâncias descontadas, a instituição consignatária poderá pedir sua restituição na forma da lei.

É fato que o Código de Processo Civil (CPC) de 2015 extinguiu o procedimento especial de depósito dos arts. 901 a 906 do CPC de 1973, mas admite que a pretensão reipersecutória seja satisfeita mediante procedimento comum. E, pelo art. 311, III, o autor poderá requerer liminarmente tutela de evidência quando se tratar de “pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado”. Nesse sentido, o comando legal é aplicável quando for demonstrada a mera existência de relação jurídica material de depósito, justamente como se dá com as importâncias retidas pelo empregador e não repassadas à instituição consignatária, já que elas não pertencem ao empregador, que delas não pode dispor.

Diante desse quadro, há duas importantes alterações trazidas pela Lei n. 14.112/2020 que impactam diretamente na dinâmica dos créditos consignados.

Na primeira delas, pela nova redação do art. 6º, II, da Lei 11.101/2005 (LRE), o deferimento do processamento da recuperação judicial implica a suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, de sorte que a lei não fala mais em suspensão de ações movidas contra o devedor. Disso se depreende que não serão suspensas as ações de natureza reipersecutória movidas por instituições consignatárias contra empregadores que descontaram os valores dos mutuários, mas não os repassaram e pediram recuperação judicial. Ademais, tratando-se de pretensão reipersecutória e não creditícia, não há que se falar em inclusão dessas quantias na relação de credores sujeitos à recuperação.

Já a segunda alteração se refere ao tratamento dos pedidos de restituição das importâncias retidas em caso de falência do empregador. Após a reforma, o art. 84 da LRE, que dispõe sobre a ordem de pagamento dos créditos extraconcursais, passou a arrolar, na terceira posição (inciso I-C), os “créditos em dinheiro objeto de restituição, conforme previsto no art. 86”. Entretanto, o art. 86 da LRE não inclui o pedido de restituição previsto no art. 5º, § 4º da Lei n. 10.820/2003, e a alteração do dispositivo limitou-se ao acréscimo do inciso IV, que versa sobre “tributos passíveis de retenção na fonte, de descontos de terceiros ou de sub-rogação e a valores recebidos pelos agentes arrecadadores e não recolhidos aos cofres públicos”.

Com isso, os pedidos de restituição das importâncias retidas e não repassadas pelo empregador cuja falência foi decretada seguirão a regra geral do art. 85, caput, da LRE e, portanto, as respectivas quantias deverão ser entregues à instituição consignatária antes do início dos pagamentos dos créditos extraconcursais mencionados no art. 84 da LRE.

E nem se diga que caberia aplicação analógica do art. 86, IV, da LRE, pois não se trata de omissão legal, já que existe a regra geral do art. 85 da LRE, a qual sempre fundamentou os pedidos de restituição em dinheiro não previstos no art. 86, os quais, inclusive, ensejaram a Súmula 417 do Supremo Tribunal Federal, pela qual: “Pode ser objeto de restituição, na falência, dinheiro em poder do falido, recebido em nome de outrem, ou do qual, por lei ou contrato, não tivesse ele a disponibilidade.”

Também não há que se falar em crédito ou depósito irregular, pois o empregador, diferentemente de instituições financeiras, não poderia dispor das importâncias retidas e, por lei, deveria repassá-las à instituição consignatária, entendimento esse que reflete a aludida Súmula 417.

Ressalte-se ainda que, pouco antes da reforma da LRE, o Superior Tribunal de Justiça já havia reconhecido a hipótese de pedido de restituição de importâncias descontadas e não repassadas em caso de falência do empregador (REsp 1.342.677/MG).

Dessa forma, as alterações da LRE promovidas pela Lei n. 14.112/2020 ensejaram ao menos duas situações favoráveis às instituições consignatárias e que certamente fomentarão ainda mais essa modalidade de crédito: não suspensão das ações de natureza reipersecutória com o pedido de recuperação judicial do empregador e, em caso de falência deste, possibilidade de restituição das importâncias retidas e não repassadas, que serão entregues às instituições consignatárias antes mesmo do pagamento dos créditos extraconcursais.

Leonardo Adriano Ribeiro Dias é advogado, sócio do Ribeiro Dias Advogados. Mestre e Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo. Diretor do Instituto Brasileiro de Estudos de Recuperação de Empresas – IBR. Associado da INSOL International. Membro da Comissão de Direito Bancário da OAB/SP.

 

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