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Créditos Consignados e a Reforma da Lei de Recuperação de Empresas
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*Ana Eliza Alli
No ano de 2020, o mundo foi acometido pela pandemia da Covid-19, sendo que, como toda situação difícil, essa nos exigiu, “a duras penas”, uma mudança de comportamento, para que fosse possível nos adaptarmos à nova realidade a qual fomos submetidos.
A crise pandêmica mencionada não abalou apenas a saúde das pessoas, mas também a nossa economia, que foi severamente atingida, fazendo com que houvesse a necessidade de mudanças também no âmbito jurídico.
Nesse espeque, com o retrocesso econômico e a consequente dificuldade presenciada no mercado, prevendo um estouro no número de Recuperações Judiciais e Falências, o qual, frisa-se, ainda não ocorreu, reacendeu, em nossos legisladores, a necessidade de alterações na Lei nº 11.101/2005, as quais foram realizadas por meio da promulgação da Lei nº 14.112/2020.
Neste artigo, tratarei em especial acerca da inclusão feita por meio da Sessão II-A, do Capítulo II, que dispõe sobre as conciliações e mediações antecedentes ou incidentais aos processos de Recuperação Judicial.
Prima facie, rememora-se que, desde o ano de 2019, o Conselho Nacional de Justiça, por meio de suas recomendações, tais como a nº 58 e a nº 71, já buscava o estímulo ao uso dos métodos autocompositivos, os quais ocorreriam por meio dos “CEJUSCs Empresariais”, tanto na fase pré-processual, quanto em demandas já ajuizadas de Recuperação Judicial.
Assim, a inclusão dos artigos 20-A a 20-D na Lei nº 11.101/2005, concretizou o uso dos métodos de solução de conflitos que já vinham sendo incentivados na área empresarial pelo CNJ, métodos esses que buscam resolver os embates de forma mais célere e menos burocrática, sem a necessidade de intervenção do Poder Judiciário.
Logo no artigo 20-A, há o incentivo à conciliação e a mediação, que deverão ser estimuladas em qualquer grau de jurisdição, inclusive nos Tribunais Superiores, estabelecendo que o uso de tais métodos não suspenderá os prazos processuais, exceto se as partes assim quiserem ou se houver determinação judicial.
Nesse ínterim, abre-se um parêntese sobre a importância do Administrador Judicial no incentivo ao uso dos métodos de autocomposição, pois, em ampliação as suas competências, o art. 22, inciso I, alínea “j”, incluído pela reforma da Lei nº 11.101/05, confere-lhe a função de “estímulo à conciliação, mediação e outros métodos de solução de conflitos”. Contudo, faz-se necessário ressaltar que a figura desse agente processual não se confunde com a do conciliador e/ou mediador, profissional que possui investidura para a realização das sessões relativas aos métodos em comento.
Conforme o artigo 20-B, caput e incisos, da Lei nº 11.101/2005, os métodos de conciliação e mediação serão admitidos de forma antecedente ou incidental aos processos de Recuperação Judicial, notadamente nas fases pré-processual e processual de disputas entre sócios e acionistas da devedora; em litígios que envolvam credores não sujeitos à Recuperação Judicial, nos termos dos parágrafos 3º e 4º do artigo 49 da lei em referência; na hipótese de haver créditos extraconcursais contra empresas em recuperação, durante estado de calamidade pública; em conflitos que envolverem concessionárias ou permissionárias de serviços públicos em recuperação e órgãos reguladores ou entes públicos municipais, distritais, estaduais ou federais; e, ainda, na hipótese de negociação de dívidas e formas de pagamento entre a devedora e seus credores, em caráter antecedente ao pedido de Recuperação Judicial.
Além disso, a Lei permite que, no caso de negociações entre a devedora e os credores, em caráter antecedente ao pedido de Recuperação Judicial, seja facultado às empresas requerer à concessão de tutela de urgência cautelar, situação na qual as execuções ajuizadas ficarão suspensas pelo prazo de 60 (sessenta) dias, para que ocorra a tentativa de composição.
Em havendo posterior pedido de Recuperação Judicial, o prazo mencionado acima será deduzido do stay period, período de suspensão da prescrição e das execuções relativas às obrigações sujeitas à Recuperação Judicial e dos atos de constrição e expropriação do patrimônio da devedora, previsto no artigo 6º da Lei de Falências e Recuperação de Empresas.
Ademais, o parágrafo 2º do artigo 20-B, estabelece a proibição do uso da mediação e da conciliação para discussão sobre a natureza jurídica e a classificação de créditos, bem como a critérios de votação dos credores em Assembleia Geral de Credores e, ainda, o art. 20-C, dispõe que o acordo realizado por meio dos métodos de solução de conflitos deverá ser homologado pelo N. Juízo competente, determinado nos termos do artigo 3º, da Lei nº 11.101/2005.
Por derradeiro, caso seja requerida Recuperação Judicial em até 360 (trezentos e sessenta) dias da negociação realizada, os credores terão reconstituídos os seus direitos, com a dedução, por óbvio, dos valores eventualmente já adimplidos.
A meu ver, a inclusão da possibilidade de uso dos métodos autocompositivos é benéfica à Recuperação Judicial, pois, propiciará a oportunidade de negociações entre a Recuperanda e os seus credores, seja com o processo em curso ou antes do seu ajuizamento, nesse caso, buscando, inclusive, evitar um futuro pedido de Recuperação Judicial.
Assim, acredito que tais medidas poderão diminuir o número de pedidos de Recuperações Judiciais, muitas das quais são ajuizadas de maneira desnecessária, apenas causando abarrotamento no sistema judiciário. E, até mesmo, o número de incidentes de crédito, o que tornará o procedimento mais célere.
Do mesmo modo, entendo que o diálogo entre a Recuperanda e os credores, por haver a presença de um conciliador ou mediador, será mais proveitoso e assertivo, evitando, também, a ocorrência de eventuais votos abusivos e sem motivo justificável, o que contribuirá, também, para a elaboração de um Plano de Recuperação Judicial mais adequado aos credores e, consequentemente, à sua aprovação em Assembleia Geral de Credores.
Desta forma, o uso dos métodos de resolução de conflitos só tende à trazer benefícios ao processo de Recuperação Judicial. Contudo, será que a faculdade de utilização desses métodos será aproveitada? E, ainda, em sendo usados, o serão com assertividade? Acredito que esses e outros questionamentos somente serão respondidos com o transcorrer do tempo e com a observação dos casos concretos na prática.
Referências:
A mediação empresarial no novo sistema de recuperação judicial de empresas implementado pela lei 14.112/20. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/340921/mediacao-empresarial-no-sistema-de-recuperacao-judicial-de-empresas. Acessado em 28/03/2021.
A mediação e a conciliação na nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-mar-13/garcia-mediacao-conciliacao-lei-falencias. Acesso em 02/04/2021.
Ana Eliza Alli – Advogada na empresa Brasil Trustee Administração Judicial, na área de Recuperação Judicial. Formada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUCCAMP (2018). Pós-Graduanda em Direito Civil e Direito Empresarial pelo Instituto Damásio de Direito da Faculdade Ibmec SP (2020-2021) e com Curso de Extensão em Falência e Recuperação de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas – FGV (2019). Membro efetivo da Comissão de Estudos sobre Falência e Recuperação Judicial da 3º Subseção da OAB de Campinas/SP.