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11/12/2023– Rosemeire Meris Baird Ferraz
LLM de Mercado Financeiro e de Capitais – INSPER
Introduzido na Lei nº 11.101/2005 (“LRF”) pela Lei nº 14.112/2020, o art. 193-A trouxe atualizações importantes na LRF a fim de dispor sobre a não afetação ou suspensão do exercício de direitos de vencimento antecipado e de compensação nas operações compromissadas e de derivativos, em razão do pedido de recuperação judicial, deferimento de seu processamento ou da homologação do plano de recuperação.
Inicialmente, e para um melhor entendimento sobre tal dispositivo, se faz necessário explicar, em linhas gerais, o que são as operações compromissadas e de derivativos.
As operações compromissadas que envolvem títulos de renda fixa, são reguladas pela Resolução n° 3.339/2006 do Conselho Monetário Nacional (“CMN”) e consistem em operações em que o vendedor assume o compromisso de recompra do título em uma data futura pelo preço pactuado.
Os derivativos, por sua vez, são contratos cujo valor pode variar de acordo com a oscilação de uma moeda, taxa de juros, preço ou índice a que ele está vinculado, servem como instrumento de proteção contra o risco de oscilação.
Cumpre destacar que as operações de derivativos poderão ser negociadas: i) em ambiente de balcão, quando essa negociação ocorre entre a instituição financeiras e seus cliente (fundo de investimento, outra instituição financeira) para atender necessidades específicas, dessa forma, são mais caras, têm risco de crédito, não são padronizadas e os contratos são registrados em sistemas de registro, ou ii) em ambiente de bolsa, onde é feita a negociação indireta, com participação de uma corretora ou operador autorizado e da B3 S.A. – Brasil, Bolsa, Balcão (“B3″) e o risco de crédito é eliminado por meio de sistema de margens, com ajustes diários calculados pela própria B3 e instrumentos derivativos padronizados.
Feitas essas considerações iniciais, passa-se a análise do art. 193-A. Nos últimos meses, muito se discutiu sobre a concessão de liminar em razão do pedido de tutela de urgência cautelar em caráter antecedente preparatória do processo de recuperação judicial da Americanas S.A., o qual requereu, dentre outros, o sobrestamento dos efeitos de toda e qualquer cláusula de vencimento antecipado de suas dívidas, de qualquer direito de compensação contratualmente previsto e de eventual pretensão de liquidação de operações com derivativos.
Após o referido pedido, o Banco BTG Pactual S.A. notificou a companhia para comunicar a compensação dos investimentos com o saldo devedor de convênios e operações de derivativos firmados, incluindo o resgate de investimentos mantidos pela Americanas.
Para fins elucidativos, alguns contratos firmados pela companhia previam a possibilidade de vencimento antecipado automático no caso de distribuição de pedido de recuperação judicial, deferimento de seu processamento ou da homologação do plano de recuperação e consequente compensação entre créditos e débitos para extinção de tais obrigações até onde se compensarem (clouseout netting).
Como dito anteriormente, o art. 193-A foi introduzido no ordenamento jurídico a fim de dispor que pedido de recuperação judicial, o deferimento de seu processamento ou a homologação do plano de recuperação judicial não afetarão ou suspenderão o exercício dos direitos de vencimento antecipado e de compensação no âmbito de operações compromissadas e de derivativos, de modo que essas operações poderão ser vencidas antecipadamente, desde que assim previsto nos contratos celebrados entre as partes ou em regulamento, proibidas, no entanto, medidas que impliquem a redução, sob qualquer forma, das garantias ou de sua condição de excussão, a restrição do exercício de direitos, inclusive de vencimento antecipado por inexecução, e a compensação previstas contratualmente ou em regulamento.
Tal dispositivo tem por finalidade neutralizar o risco sistêmico, ou seja, risco de quebra de mercado, no sentido de que, principalmente no caso de operações de derivativos que estão sujeitas a oscilação, em caso de inadimplemento, haverá descasamento das operações o que poderá gerar reflexo negativo em todo sistema e possível crise. A possibilidade de vencimento antecipado e compensação dá maior segurança as instituições financeiras para liquidarem as operações e não ficarem sujeitas a (des)valorização da obrigação contratada.
Portanto, pode-se concluir que, a concessão da liminar antecedente no caso da Americanas deixou de observar as disposições do Art. 193-A e tal omissão foi afastada pela decisão do processamento da recuperação judicial, a qual previu, de forma expressa, que as exceções do referido artigo deveriam ser observadas desde a data de ajuizamento da medida cautelar que antecedeu o pedido de recuperação judicial validando e possibilitando, assim, o vencimento antecipado e compensação das obrigações assumidas pela Americanas nos contratos de derivativos e compromissadas realizados com tais cláusulas.