A Recuperação Extrajudicial como meio de reestruturação da empresa em crise atual ou iminente
19/07/2019Medida Provisória n. 881/2019 e o art. 19, § 8.º, da Lei n. 10.522/2002
03/08/2019*Jhonatan Luís Marques Poiana
Subtítulo: A falência, por si só, possui características anômalas quando comparadas com a execução comum. A reunião de todos os credores em um único processo, faz com que a ação falimentar seja um procedimento executório concursal, heterogêneo e com inúmeras peculiaridades normativas, cabendo a todos os interessados assumir de forma equilibrada o ônus processual e adotar práticas e metodologias sistemáticas permissivas no ordenamento jurídico brasileiro vigente para bom andamento do processo, por conseguinte, declaração, em sentença, quanto a extinção das obrigações do falido.
Ab initio, o presente artigo tem como desígnio conceituar brevemente os primórdios da falência, sua principiologia, finalidade e procedimentos iniciais.
Da Evolução Histórica e Principiologia Falimentar
Na linha histórica da evolução processual, encontramos o nascedouro do Direito falimentar no direito arcaico romano – Lei das XII Tábuas, 450 a.C., extensivamente preocupado em punir atos fraudulentos e de má-fé pelos devedores confessionários de dívidas – Aeris confessi rebusque iure iudicatis – dies iusti sunto – Tábua III.
Falido e fraudador eram sinônimos status quo ante. Recebiam tais qualificações de forma objetiva, independentemente de prova sobre seu caráter tencionado a prejudicar os credores através de manobras burlistas, bastando simplesmente se evadir de suas responsabilidades mercantis obrigacionais.
Assim, o Direito falimentar inicial romano – relacionado diretamente com a gênese do direito das obrigações – trazia em seus transcritos, algumas medidas coercitivas inconcebíveis como forma de quitação de débitos, evidenciando-se (i) a permanência do devedor insolvente no prazo máximo de 60 (sessenta) dias como serviçal de seu credor, (ii) venda do devedor como escravo para estrangeiros e, em hipóteses extremistas (iii) a sua condenação à morte, ao qual o credor seria responsável pelo corpo (patrimônio), repartindo a estrutura cadávera aos demais credores (Tertiis nundinis partis secanto. Si plus minusve secuerunt, se fraude esto)[1].
Essa sistemática punitiva permaneceu até a promulgação da Lex Poetelia Papíria, de 326 a.C., introduzida ao direito romano, que teve como primazia legal, a distinção (mínima, mas essencialmente significante) quanto a relação de patrimônio/bens com a personalidade civil do devedor, atribuindo-se, com isso, os passos iniciais da ação executória patrimonial, extinguindo, por óbvio, a responsabilidade ilimitada e pessoal do devedor.
Destarte, o ordenamento jurídico falimentar recepcionou durante sua trajetória de aplicabilidade, diversos conjuntos de normas, princípios e conceitos derivados do Direito processual, Direito civil, comercial e financeiro, além dos insistentes e não menos relevantes reflexos do Direito Penal e processual Penal.
No Direito brasileiro colonial, as reações iniciais no tratamento de questões falimentares, iniciarem-se com as regras jurídicas de Portugal (colonizador), principalmente com as chamadas Ordens Afonsianas, reguladoras do concurso de credores, a partir do descobrimento de possível insuficiência de patrimônio do devedor quando comparados com seus débitos.
Com a revolução industrial, o advento da globalização, inovações na estrutura mercantil e econômico-social cultural, houve a necessidade de adequar os termos das legislações, inclusive falimentares, a realidade dos fatos correntes.
Assim, após inúmeros codex que surgiram com a elaboração do código comercial de 1850, em 09 de fevereiro de 2005, promulgou-se a Lei ordinária 11.101, atual diretriz normativa da recuperação judicial, extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária.
Nos termos editores da referida Lei, o Senador Ramez Tabet (PMDB-MS) enumerou 12 (doze) princípios norteadores para análise e aplicação da matéria, destacando-se abaixo, somente os que estão inseridos intrinsicamente no âmbito falimentar.
- Separação dos conceitos de empresa e de empresário;
- Retirada do Mercado de sociedades ou empresários não recuperáveis;
- Redução do custo do crédito no Brasil
- Celeridade e eficiência dos processos judiciais;
- Segurança Jurídica;
- Participação ativa dos credores
- Maximização do valor dos ativos do falido;
- Rigor na punição de crimes relacionados à falência e à recuperação judicial.
Dos Objetivos da Falência
(LRF) Art. 75. A falência, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades, visa a preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa.
Sendo assim, após todo o exposto histórico, a falência é um dos instrumentos de insolvência previsto na Lei 11.101/2005, regulando os procedimentos de liquidação da sociedade por meio da intervenção do Estado, com presunção da crise econômico social estrutural-não circunstancial, devendo, com tal procedimento, retirar do universo empresarial o agente ineficiente, realocando os ativos da sociedade liquidanda para uma SOCIEDADE DE ATIVIDADE PRODUTIVA e, com isso, cumprir com suas obrigações e responsabilidades legais/contratuais assumidas até a data da decisão que decretou sua quebra.
Vale sempre relembrar que, a falência deve ser aplicada para empresas em crise não reversíveis e sem quaisquer condições de gerar valor (conceito macro) ao Estado, à Economia e ao Social, posto que, em caso de possibilidade de restruturação, a medida mais adequada para superação da crise circunstancial e não estrutural é o instituto da Recuperação, seja Judicial ou Extrajudicial.
Destaca-se, ainda, que o procedimento falimentar, durante seu curso natural, deverá ter sempre como racional lógico o cumprimento do binômio de bancarrota[2], ou seja, a venda de ativos cumulado com o pagamento aos credores – Artigos 139 e 149, ambos da LRF.
Para tanto, como teoria subjacente, entende-se também que, após a r. Sentença de quebra, deverá ser efetivado o binômio de bancarrota através do conceito analítico/prático denominado 4 A’s (Arrecadar, Avaliar, Alienar e Adimplir)[3] – Artigos 108, 140 e 149, todos da LRF.
Superada tais questões iniciais e respeitado o princípio constitucional do devido processo legal, objetiva-se que o processo de falência alcance seu destino com a r. Sentença de encerramento, nos termos do art. 158, I, da Lei 11.101/2005 – Quitação integral de todos os créditos.
Ressalta-se que, em caso de apresentação e confirmação de quaisquer fatores impeditivos no cumprimento das diligências acima descritas (4 A’s), a ação de falência restará prejudicada em seu animus, devendo ser solucionada através de alternativas anômalas baseadas no direito e prática comercial, devidamente levadas à apreciação do juiz competente, respeitando as características do caso em concreto, sob pena de tramitação ad aeternum e irresolúvel da demanda.
Da Divisão Equilibrada do Ônus Processual
Na medida em que os Autores das ações de falência optam em perseguir seus direitos creditórios por meio de execução concursal, fundamentando-se nos artigos 94 e seguintes da Lei 11.101/2005, por constatações notórias, o valor originário da dívida, em sua grande maioria, já foi almejado por outras vias (judicias ou não) e, sem restar outra possibilidade, decidem pelo procedimento da falência.
Assim, decretada a insolvência da sociedade empresária nos termos do art. 99, da Lei 11.101/05, temos aqui, talvez a medida mais drástica de reaver um título inadimplido ou liquidação de uma sociedade, posto que, em caso de confirmação de sua quebra por meio de decisão judicial, há imediatamente a subsunção principiológica da vis attractiva, por força do art. 76 da Lei 11.101/2005, e, com isso, dois efeitos diretos (i) reunião de todos os credores/créditos para pagamento perante o Juízo da Falência (universalidade e indivisibilidade) e (ii) inabilitação do exercício da atividade empresarial pela pessoa jurídica insolvente – Art. 102, da LRF.
Antes de entrar no mérito da divisão equilibrada do ônus no processo de insolvência empresarial, há de se expor que, a própria legislação falimentar, em seu art. 189, prevê, no que couber, a aplicação de disposições previstas no Código de Processo Civil.
De acordo com os Capítulos I e II, ambos do Código de Processo Civil vigente, impõe-se deveres e obrigações às partes interessadas que guarnecem do judiciário para dirimir litígios, entre eles:
Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.
Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.
Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.
Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo:
I – expor os fatos em juízo conforme a verdade;
Logo, quando o credor opta pela execução concursal de seu crédito é atraído para si e para a universalidade de credores (conhecidos ou não), todos os princípios falimentares acima expostos, bem como, no que couber, as normas do direito processual civil, inclusive as elencadas no corpo desse artigo.
Desse modo, de forma cristalina e dada a complexidade e subvenção das questões falimentares, para bom andamento do processo e eficiência na realização de diligências, deve-se repartir o ônus processual entre as figuras criadas na ação de falência: Juízo Indivisível da Falência, Massa Falida, Autor do pedido de quebra (1º credor), Administrador Judicial, universalidade de credores etc., sendo incabível qualquer concentração de poder deliberativo a uma ou parte das figuras acima descritas.
Nesse contexto, na visão prática almejada à este artigo, entende-se que o ônus do processo deverá ser incumbido à todos os interessados capazes, sob pena de inviabilizar o instituto falimentar, enfatizado, à título exemplificativo, as seguintes providências essenciais: (i) localização de ativos (bens e patrimônios), (ii) localização da falida (estabelecimento) e, (iii) cumprimento das obrigações legais destinadas ao sócio administrador falido (art. 104, da LRF).
Conclusão
Por fim, espera-se que, cada vez mais o processo de falência se torne eficiente e menos custoso ao Estado, realizando procedimentos normativos em linhas sistemáticas e metodológicas simples, através das teorias fictas denominadas 4 A’S (Arrecadar, Avaliar, Alienar e Adimplir) – procedimento intermediário – e BINÔMIO DE BANCARROTA – procedimento final -, repartindo-se o ônus processual para cumprimento do que é inerente à ação de falência, à todas as figuras do processo: Juízo Indivisível da Falência, Massa Falida, Autor do pedido de quebra (1º credor), Administrador Judicial, universalidade de credores etc., sob pena de tramitação ad aeternum e irresolúvel da demanda falimentar.
Jhonatan Luís Marques Poiana, advogado (OAB/SP 413.590), atuante nas questões normativas referentes a Lei 11.101/2005 e possui extensão em Recuperação Judicial de Empresas e Falência pela PUC/Cogeae
Reprodução de Artigo publicado originalmente no site Migalhas
[1] Sobre este último, há uma pequena distorção histórica, haja vista não estar claro no direito temporal aplicado se os credores recebiam partes do corpo dilapidado, ou se recebiam os valores pagos pelos órgãos vendidos.
[2] Denominação ficta criada por este expositor, para fins doutrinários e pedagógicos, qualificando de forma simples o que se entende como FINALIDADE da falência.
[3] Denominação ficta criada por este expositor, para fins doutrinários e pedagógicos, qualificando de forma simples o que se entende como MEIOS para atingir a finalidade da falência.