Julho 2013
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Artigo
As manifestações e a liberdade de expressão
Uma cortina de ferro de moralidade,
parcial, seletiva e tendenciosa tenta ora
inibir as manifestações populares ora es-
camotear a legitimidade dos protestos
quem têm ocorrido em todo o país. O des-
pertar do amargo não pode ser censurado
como regra geral, nem
realizado de forma se-
letiva e os excessos
cometidos por aque-
les que transbordam
seu direito a manifes-
tação tem sido apre-
sentados em casos
pontuais e isolados
em gradiente dialmetralmente inverso as
acusações que repousam sobre a atuação
das forças de contenção governamentais
nestes mesmos protestos.
Também não se trata de chancelar atos
de violência quando iniciados pelos ma-
nifestantes, visto que a condita ilícita, in-
dependentemente do agente que a pro-
move, deve ser reprimida pelas autorida-
des competentes. Mas a liberdade de dis-
cordar é peça fundamental para o exercí-
cio do Estado democrático de direito.
Em certa oportunidade, Robert
Houghwout Jackson, Ministro da Supre-
ma Corte norte-americana, declarou
que:
”O patrimônio inestimável de nossa
sociedade é o direito constitucional
irrestrito de cada membro de pensar como
quer. O controle do pensamento é um di-
“... a liberdade de
discordar é peça
fundamental...”
reito de autor do totalitarismo, e não te-
mos direito a ele. Não é a função do go-
verno impedir que o cidadão caia em
erro, é a função do sujeito para impedir
o governo da queda no erro. Poderíamos
justificar qualquer censura somente quan-
do os censores estão
melhor protegidos
contra o erro do que
a
censura.”
(American Associa-
tion
v
Douds
Communications,
EUA339382, 442-43)
Essa liberdade de
pensamento é necessária para que pos-
sam ser evitados perigos ainda maiores,
como a servidão e extinção das
discordâncias, contradições e multiplici-
dade de objetivos, porquanto indissociá-
vel a existência de governo democrático
sem que o povo tenha plena liberdade de
opinião, de forma a desenvolver o espírito
crítico e o conseqüente poder de escolha
sobre os rumos que pretendem tomar.
A Declaração Universal dos Direitos
Humanos, de 10.12.1948, assegura que:
“Todo o homem tem direito à liberdade
de pensamento, consciência e religião;
este direito inclui a liberdade de mudar
de religião ou crença e a liberdade de
manifestar essa religião ou crença, pelo
ensino, pela prática, pelo culto e pela
observância, isolada ou coletivamente,
em público ou em particular.”
(art. 18). E
ainda:
“Todo o homem tem direito à li-
berdade de opinião e expressão
;
este di-
reito inclui a liberdade de, sem interfe-
rências, ter opiniões e de procurar, rece-
ber e transmitir informações e idéias por
quaisquer meios, independentemente de
fronteiras.”
(art. 19)
A conjugação do direito a liberdade
com o de manifestação encontra esteio
ainda na Constituição Federal de 1988
que, em seu artigo 5º cita: “...
é livre a
expressão da atividade intelectual, ar-
tística, científica e de comunicação, in-
dependentemente de censura ou licen-
ça;”
e declara também que
“ todos po-
dem reunir-se pacificamente, sem armas,
em locais abertos ao público, indepen-
dentemente de autorização, desde que
não frustrem outra reunião anteriormen-
te convocada para o mesmo local, sen-
do apenas exigido prévio aviso à auto-
ridade competente”.
O exercício da expressão crítica contra
as autoridades, atos públicos ou aqueles
ligados a instituição ou ampliação de di-
reitos, ainda que desfavorável e exposta
de forma contundente deve ser tutelado
pela OAB em detrimento aos interesses
dos “donos do poder”, pois o interesse
social deve ser a norteadora do exercício
da função pública e havendo conflito de
interesses a natureza da instituição impõe
a defesa da parte mais fraca para haver o
equilíbrio de forças durante os eventos.
Igualmente se repudia a censura
fornecida em doses homeopáticas de for-
ma a ampliar o controle governamental,
seja através de projetos de lei ou atos físi-
cos contra manifestantes, cujos atos ten-
tam ser justificados através de medidas
de supressão de direito que mascaram in-
teresses subjetivos ditatoriais.
Numa época onde os brasileiros têm
adquirido maiores rendimentos salariais,
com a diminuição da desigualdade social
e miséria, bem como um maior acesso a
educação e mídias alternativas, é natural
que passem a se reunir para protestar com
mais freqüência de forma politizada, rei-
vindicando direitos outrora em
descompasso com sua realidade, interes-
se ou senso de coletividade.
Em uma sociedade que ainda vive dias
de redemocratização, em fase de consoli-
dação de direitos fundamentais e cons-
trução de direitos de segunda e terceira
geração, tais afrontamentos a liberdade de
reunião ou expressão remontam às práti-
cas da ditadura militar, representando um
retrocesso à participação democrática do
povo brasileiro.
*Raquel Tamassia Marques é
advogada e presidente da Comissão de
Direitos Humanos da 3ª Subseção; Gui-
lherme Pessoa Franco de Camargo é
advogado e membro da Comissão de
Direitos Humanos da 3ª Subseção
Nossa gente não quer só comida!
No dia 27 de junho, o filósofo Marcos
Nobre surpreendeu a todos publicando, ain-
da no furor dos acontecimentos, uma obra
chamada “Choque de Democracia” que pre-
tendeu diagnosticar as razões das manifesta-
ções populares nas ruas do Brasil e aponta a
inexistência de oposição política no país com
o desaparecimento do embate entre esquer-
da e direita, o que conceituou como
“peemedebismo” do sistema político brasi-
leiro, culpando uma determinada “cultura
política” de centro e baseada na
“governabilidade” como responsável por
minar a “formação política de toda uma gera-
ção”, desde nossa constituinte.
As coalizões políticas que permitiram a
elaboraçãodeuma constituiçãonotavelmente
cidadã, pluralista e emancipatória merecem
ser reduzidas a “umamaneira” de neutralizar
as “aspirações mudancistas”?
Os esforços dos constituintes de 1988 em
compor os mais variados anseios e deman-
das de diversos setores sociais não forma-
ramuma “blindagemdo sistema político con-
tra a sociedade”.
Foram, ao contrário, o resultado da
dialética pública, acomodando e equilibran-
do os interesses de uma nação gigantesca e
multifacetada, visando atender, quanto me-
lhor, o máximo possível de cidadãos. Pura
democracia.Aliás, social-democracia!
Também destoa a conclusão de que, nos
movimentos que tomamas ruas do país, “não
é a classe média” que se faz presente.
Anova classemédiabrasileira temmetade
de ex-pobres, não é branca, não émachista, é
progressista, desconfia da mídia, não deseja
viver como as elites, mas demanda respeito
enquanto maioria na sociedade brasileira e
percebeu que, mesmo nesta nova classe so-
cial, os brasileiros não recebem dignidade,
não desfrutam de cidadania substantiva.
As promessas de melhoria na qualidade
de vida através da inserção das massas mise-
ráveis ao mercado de consumo decepciona-
ram. Esta é a razão da revolta!
Não é de reformas institucionais que os
populares estão atrás, mas de realização da
dignidade da pessoa humana por meio dos
tantos instrumentos da burocracia adminis-
trativa do Estado que já estão instalados no
poder, sem, contudo, entregar direitos soci-
ais pelos quais se pagam caros tributos, to-
dos os dias.
A violação da decência é materialmente
percebida por todos os brasileiros que tem
contato com os decepcionantes resultados
cotidianos da administração incompetente
dos recursos públicos, seja na conservação
das estradas, ruas, calçadas, creches, esco-
las, universidades, delegacias, postos de saú-
de, hospitais, etc. e etc..
Propor um “novo pacto federativo” ou
alardear a “reforma radical do sistema políti-
co” como solução para as reconhecidas ne-
cessidades práticas da população brasileira
é teimar em
pensar dentro da caixa
.
As grandes obras públicas e os eventos
internacionais evidenciam a capacidade do
Governo de realizar o novo para o deleite de
poucos privilegiados, enquanto o sofrimen-
to, a humilhação e as mortes permanecem
gerais.
Em verdade, as revoltas apresentammui-
tomais uma feição de
pragmatismo
, que está
lançandomão de formas menos elegantes de
ação, pelo utilitarismo. A nova classe média
pensa e demanda na velocidade da internet e
não aceita justificativas transcendentais para
a inação governamental.
Segundo noticiado nestes dias, Eduardo
Campos - governador pernanbucano - após
reunião com a Presidenta, teria desabafado:
“
Ela não entendeu o recado das ruas: O
Dragão acordou e quer comer!
”.
Eu recomendo pensar que comida o povo
já tem. Agora veio cobrar todo o resto.
*Ivan Voigt é advogado
*Raquel Tamassia Marques e Guilherme Pessoa Franco de Camargo
* Ivan Voigt