O improrrogável que era prorrogável e a nova tentativa da lei: o prazo de stay period na Recuperação Judicial

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*Geraldo Fonseca de Barros Neto e Rafaela Chiaradia de Souza

Quando a lei dizia “improrrogável”; a jurisprudência firmou ser prorrogável; quando a lei dizia “em nenhuma hipótese”, a jurisprudência passou a dizer “em qualquer situação”.

Reformada, a lei tenta estabelecer um novo prazo fixo para a suspensão das execuções contra o devedor em recuperação judicial, o stay period. A suspensão tem por objetivos, de um lado, conceder alívio ao devedor, para se recompor com tranquilidade, enquanto estuda e propõe os meios de recuperação, e, de outro, impedir o fatiamento do patrimônio, o que ocorreria com o prosseguimento das execuções individuais.

É, portanto, um elemento indispensável à preservação da empresa. Por outro lado, ao limitar o direito dos credores a perseguirem o cumprimento das obrigações, a suspensão é limitada. Na redação original, eram 180 dias de prazo “improrrogável” (esse, que era sempre prorrogado); agora, a lei autoriza a prorrogação, por igual período, mas uma única vez.

Será que isso vai bastar? “As leis não bastam, os lírios não nascem das leis”, dizia Drummond.

Em compasso com a reforma da lei, impõe-se a mudança de atitude, de todos os envolvidos: do devedor, que deve parar de usar instrumentos para retardar a realização da assembleia; do juiz, que deve se atentar ao seu papel de impulsionar os atos processuais; do administrador judicial, na função da fiscalizar o devedor nessa demora; dos credores, evitando tumultos processuais que obstaculizam o andamento; e da organização judiciária, que deve repensar práticas e aprimorar sua estrutura. Tudo isso, em conjunto, permitirá a conclusão dos processos recuperacionais em menor prazo, tornando até irrelevante a discussão sobre a extensão do stay period.

Durante os 15 anos de vigência do “improrrogável” da redação original, a jurisprudência se firmou pela ampla prorrogabilidade, porque o procedimento recuperacional se mostrava extremamente longo e pouco célere, de modo que o tempo concedido de oxigenação para recuperanda, muitas vezes (senão todas), não são suficientes até a aprovação do plano. Como exemplo:

“I. Salvo exceções legais, o deferimento do pedido de recuperação judicial suspende as execuções individuais, ainda que manejadas anteriormente ao advento da Lei 11.101/05. II. Em homenagem ao princípio da continuidade da sociedade empresarial, o simples decurso do prazo de 180 (cento e oitenta) dias entre o deferimento e a aprovação do plano de recuperação judicial não enseja retomada das execuções individuais quando à pessoa jurídica, ou seus sócios e administradores, não se atribui a causa da demora. III. Recurso especial improvido.”[1]

“1. Uma vez deferido o processamento da recuperação judicial, ao Juízo Laboral compete tão-somente a análise da matéria referente à relação de trabalho, vedada a alienação ou disponibilização do ativo em ação cautelar ou reclamação trabalhista. 2. É que são dois valores a serem ponderados, a manutenção ou tentativa de soerguimento da empresa em recuperação, com todas as conseqüências sociais e econômicas dai decorrentes – como, por exemplo, a preservação de empregos, o giro comercial da recuperanda e o tratamento igual aos credores da mesma classe, na busca da “melhor solução para todos” -, e, de outro lado, o pagamento dos créditos trabalhistas reconhecidos perante a justiça laboral. 3. Em regra, uma vez deferido o processamento ou, a fortiori, aprovado o plano de recuperação judicial, revela-se incabível o prosseguimento automático das execuções individuais, mesmo após decorrido o prazo de 180 dias previsto no art. 6º, § 4, da Lei 11.101/2005. 4. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Distrito Federal.”[2]

“1. Nos termos da jurisprudência desta Corte, o prazo de suspensão das ações e execuções na recuperação judicial, previsto no art. 6º, § 4º, da Lei 11.101/2005, pode ser prorrogado “caso as instâncias ordinárias considerem que tal prorrogação é necessária para não frustrar o plano de recuperação” (AgInt no REsp 1.717.939/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, DJe de 06/09/2018). 2. No caso, o Tribunal de origem, ao deferir a prorrogação do prazo legal de suspensão do stay period, entendeu, à luz das circunstâncias da causa, por limitá-la a 180 dias, ressalvando, no entanto, a possibilidade “de se postular nova prorrogação na origem, se preenchidos os requisitos para tal”. 3. Rever as premissas fáticas que ensejaram tal entendimento exigiria a reapreciação do conjunto fático-probatório dos autos, providência vedada em sede de recurso especial, por força do óbice contido na Súmula 7/STJ. 4. A existência de eventual fato novo relevante a ensejar nova prorrogação do prazo legal deve ser submetida ao Juízo de origem, sob pena de supressão de instância. 5. Agravo interno a que se nega provimento.”[3]

Nesse contexto, tem-se que a interpretação normativa pode se apresentar quando um determinado dispositivo legal sofre alguma omissão a ser suprida pelo interprete. É o caso da prorrogação do período de blindagem, que tem sido deferido desde que não haja culpa da recuperanda na demora para a aprovação do plano.

Esse tem sido o posicionamento dos tribunais na matéria debatida nos casos em que a prorrogação se mostra necessária para não frustrar o plano de recuperação judicial. O ponto negativo é que, por muitas vezes, tais interpretações podem gerar insegurança jurídica quando o período de blindagem carece de critérios objetivos para sua aplicação e por muitas vezes deixam de refletir os efeitos práticos da decisão.

O cenário atual de pandemia causado pelo Covid-19 que agravou exponencialmente a crise econômica no pais, teve como uma de suas consequências o aumento no número de pedidos de prorrogação do stay period, sob a alegação de que a crise causada pela pandemia, teve forte impacto nos processos recuperacionais.

Nesse contexto, o Conselho Nacional de Justiça editou a Recomendação nº 63 de 31/03/2020 para recomendar aos juízes a adoção de medidas para mitigação dos impactos decorrente da pandemia. Dentre as recomendações, o art. 3º trata da recomendação dos juízes em prorrogar o prazo de duração do stay period nos casos em que houver necessidade de adiamento da realização da Assembleia Geral de Credores e até o momento em que seja possível a decisão sobre a homologação ou não do resultado da referida AGC.

Fato é que a pandemia trouxe fortes impactos nos processos judiciais, que demandaram tempo e tecnologia para se adaptar à nova realidade, ocasião em que se estabeleceu que as assembleias gerais ocorressem de forma virtual.

Mesmo com o advento da tecnologia e a adaptação à chamada nova realidade, o número dos pedidos de stay period continuaram crescendo, o que reforçava a necessidade de adequação no referido dispositivo.

Com a reforma promovida pela Lei 14.112/2020, o § 4º do art. 6º passou a estabelecer que o prazo de suspensão será de 180 dias, prorrogáveis por igual período, uma única vez, em caráter excepcional, desde que o devedor não haja concorrido com a superação do lapso temporal.

A ideia é mesmo travar o marco temporal do stay period, não se admitindo que supere os 360 dias.

Assim, conclui-se que a reforma quanto ao período de blindagem era de fato necessária, tendo em vista que sua aplicação não era seguida pelos tribunais. Porém, o maior desafio da lei nesse aspecto, era de oferecer mecanismos que dessem efetividade ao dispositivo legal. Na pratica, cabe aos legisladores a interpretação e aplicação da lei, para encontrar o equilíbrio entre os interesses da empresa que busca seu soerguimento, e a satisfação dos credores, visando sempre um direito recuperacional, de fato, eficiente e seguro.

E agora, o prorrogável “uma única vez” será mesmo “uma única vez”? E agora, os pedidos de prorrogação adicionais serão rejeitados? E agora, será admitida a penhora dos bens do devedor depois de esgotado o prazo? “E agora, José?”, os lírios nascerão do novo texto legal?

[1] (STJ – REsp: 1193480 SP 2010/0085399-1, Relator: Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Data de Julgamento: 05/10/2010, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/10/2010).

[2] (STJ – CC: 112799 DF 2010/0117928-8, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 14/03/2011, S2 – SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 22/03/2011).

[3] (AgInt no REsp 1809590/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 19/09/2019, DJe 09/10/2019)

Geraldo Fonseca de Barros Neto é Mestre e Doutor em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Professor de Direito Processual Civil da PUC-Campinas. Coordenador da Especialização da PUC-Campinas. Professor convidado na pós-graduação da PUC-SP, PUC-Rio e UFMT. Membro da Association Internationale des Jeunes Avocats (AIJA), do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), Instituto Panamericano de Derecho Procesal (IPDP), Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro). Integrante do Grupo de Trabalho do CNJ para aprimoramento dos processos de recuperação judicial. Autor dos livros “Manual da Recuperação Judicial” (Forense, 2021) e “Reforma da Lei de Recuperação Judicial e Falência Comentada e Comparada” (Forense, 2021), dentre outros. Advogado sócio do FVA | Fonseca Vannucci Abreu. geraldo@fva.adv.br

 Rafaela Chiaradia de Souza é Graduada em Direito pelo Mackenzie. Advogada associada do FVA | Fonseca Vannucci Abreu. rafaela.chiaradia@fva.adv.br

 

 

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