Comissão de Prerrogativas da OAB Campinas
10/07/2025Marcelo Mazzariol

Construção axiomatizada dos direitos e prerrogativas da advocacia
A advocacia, reconhecida como função essencial à administração da justiça, é estruturada por um conjunto de prerrogativas legais que resguardam não apenas o livre exercício profissional, mas também o funcionamento regular das instituições do estado democrático de direito. A presente sistematização organiza, de forma sintética, objetiva e referenciada, os principais comandos normativos contidos nos arts. 1º a 7º-B da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), conforme redação atualizada pelas Leis nº 13.245/2016, nº 13.793/2019 e nº 14.365/2022. Por meio de uma abordagem axiomatizada — direta, tópica e funcional —, oferece-se aos advogados um instrumento técnico de consulta prática, de compreensão cotidiana, à aplicação prática à defesa das prerrogativas profissionais, em qualquer esfera de atuação.
A. Liberdade, Dignidade e Inviolabilidade Profissional
- Não há hierarquia entre advogados, juízes e membros do MP (Art. 6º caput).
- Toda autoridade e servidor deve tratar o advogado com urbanidade e dignidade (Art. 6º, §1º e Lei nº 8.112/90 arts. 116 e 117 e LOMAN – Lei Complementar nº 35/1979 arts. 35 e 36 e e Lei nº 8.625/93 arts. 43 e 44).
- O exercício da advocacia é livre em todo o território nacional (Art. 7º, I).
- O escritório, os arquivos e instrumentos de trabalho do advogado são invioláveis (Art. 7º, II).
- A quebra da inviolabilidade só pode ocorrer com mandado judicial específico e motivado, cumprido na presença de representante da OAB (Art. 7º, §6º).
Nota:
O dever de urbanidade no trato com advogados, embora explicitado no Estatuto da Advocacia, é respaldado por normas disciplinares de alcance mais amplo.
– No âmbito da administração pública federal, a Lei nº 8.112/90 prevê como dever funcional o respeito à dignidade e como infração disciplinar o tratamento desrespeitoso (arts. 116 e 117).
– Na magistratura, a LOMAN (LC nº 35/1979) impõe ao juiz a manutenção de conduta compatível com a honra, o decoro e a dignidade da função (arts. 35 e 36).
– Aos membros do Ministério Público, a Lei nº 8.625/93 exige tratamento urbano às partes e operadores jurídicos (arts. 43 e 44).
A violação a esse dever pode ensejar procedimento disciplinar próprio, pedido de desagravo por parte da OAB e, em casos mais graves, responsabilidade funcional ou penal.
B. Acesso e Atuação Profissional
- O advogado tem livre ingresso nos tribunais, inclusive além das cancelas (Art. 7º, VI, a).
- Pode acessar cartórios, ofícios, delegacias e prisões, mesmo fora do expediente (Art. 7º, VI, b).
- Pode acessar qualquer recinto público onde deva praticar ato ou colher prova (Art. 7º, VI, c).
- Pode participar de assembleias ou reuniões das quais seu cliente participe ou deva comparecer (Art. 7º, VI, d).
- Pode permanecer ou retirar-se desses locais, sentado ou em pé, independentemente de licença (Art. 7º, VII).
- Pode dirigir-se diretamente aos magistrados em gabinetes, sem agendamento (Art. 7º, VIII).
- Pode falar, pela ordem, para esclarecimentos em qualquer órgão colegiado ou tribunal (Art. 7º, X).
- Pode reclamar, verbalmente ou por escrito, contra ilegalidades (Art. 7º, XI).
- Pode falar, sentado ou em pé, em juízo, tribunal ou órgão colegiado (Art. 7º, XII).
- Pode examinar autos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, exceto se sigilosos (Art. 7º, XIII).
- Pode examinar autos de flagrante e inquérito mesmo sem procuração (Art. 7º, XIV).
- Tem direito à vista e retirada de processos administrativos ou judiciais (Art. 7º, XV e XVI).
C. Garantias Processuais e Defesa
- Pode comunicar-se com clientes presos ou incomunicáveis, com privacidade (Art. 7º, III).
- Deve ter representante da OAB presente ao ser preso em flagrante (Art. 7º, IV).
- Só pode ser preso antes do trânsito em julgado em sala de Estado Maior ou prisão domiciliar (Art. 7º, V).
- Pode recusar-se a depor como testemunha sobre fatos protegidos pelo sigilo (Art. 7º, XIX).
- Pode retirar-se do recinto após 30 min de espera injustificada para ato judicial (Art. 7º, XX).
- Pode assistir cliente em investigação, sob pena de nulidade dos atos (Art. 7º, XXI).
- Pode apresentar razões e quesitos na fase investigatória (Art. 7º, XXI, a).
- Pode realizar sustentação oral em recurso contra decisão monocrática ou colegiada (Art. 7º, §2º-B).
- Só poderá ser preso em flagrante no exercício da profissão por crime inafiançável (Art. 7º, §3º).
D. Instrumentos, Atos e Poderes Profissionais
- Pode postular em juízo, com procuração ou em urgência justificada (Art. 1º, I e Art. 5º, §1º).
- Atua com múnus público tanto no processo judicial quanto administrativo (Art. 2º, §§2º e 2º-A).
- Contratos sociais e atos constitutivos só têm validade com visto de advogado (Art. 1º, §2º).
- A advocacia é indispensável à administração da justiça (Art. 2º, caput).
- Pode contribuir com o processo legislativo e a elaboração normativa (Art. 2º-A).
E. Reconhecimento Simbólico e Corporativo
- Pode usar os símbolos privativos da profissão (Art. 7º, XVIII).
- Tem direito ao desagravo público pela OAB quando ofendido no exercício da profissão (Art. 7º, XVII e §5º).
- O Conselho Federal da OAB julga a efetividade dos serviços jurídicos (Art. 7º, §14).
- É nulo qualquer ato que viole a competência privativa da OAB sobre serviços jurídicos (Art. 7º, §16).
- Constitui crime violar os direitos do advogado previstos nos incisos II a V do caput do art. 7º (Art. 7º-B).
- Pena: 2 a 4 anos de detenção + multa
- As prerrogativas com proteção penal expressa são:
- II – Inviolabilidade do local de trabalho e instrumentos do advogado –Escritório, arquivos, correspondência, dados, comunicações, físicos ou digitais.
- III – Comunicação pessoal e reservada com clientes detidos ou presos –Mesmo em regime de incomunicabilidade.
- IV – Prisão em flagrante sem presença da OAB –Lavratura do auto sem acompanhamento da Ordem acarreta nulidade.
- V – Prisão antes do trânsito em julgado em local inadequado –Advogado só pode ser recolhido em sala de Estado Maior ou, na ausência, em prisão domiciliar.
- II – Inviolabilidade do local de trabalho e instrumentos do advogado –Escritório, arquivos, correspondência, dados, comunicações, físicos ou digitais.
- Pena: 2 a 4 anos de detenção + multa
F. Prerrogativas Específicas da Advogada
- Gestantes não devem ser submetidas a detectores ou raios-X (Art. 7º-A, I, a).
- Direito à vaga em garagens de fóruns (Art. 7º-A, I, b).
- Direito à creche ou local adequado para atendimento do bebê (Art. 7º-A, II).
- Preferência nas audiências e sustentações orais (Art. 7º-A, III).
- Suspensão dos prazos processuais quando for única patrona da causa (Art. 7º-A, IV).
Considerações Finais
Através desta abstração axiomatizada das prerrogativas garantidas em lei, transportamos os direitos profissionais para uma esfera comunicacional mais acessível, sem romper o vínculo com sua fonte normativa. Essa transposição para a linguagem prática não dilui seu conteúdo jurídico; ao contrário, o torna mais presente e operativo. Mais do que garantias corporativas, as prerrogativas da advocacia são instrumentos essenciais à preservação da legalidade, do contraditório e da ampla defesa. Conhecê-las em profundidade, aplicá-las com firmeza e defendê-las com destemor constitui dever ético e compromisso institucional de toda advogada e advogado. Esta síntese axiomatizada visa justamente a fortalecer esse compromisso, oferecendo um mapa normativo claro, preciso e funcional para o exercício cotidiano da profissão. Em tempos de tensão permanente entre liberdade profissional e burocratização da justiça, a leitura atenta e a internalização desses direitos revelam-se ferramentas de resistência, dignidade e técnica.
Marcelo Mazzariol é advogado e economista com mais de 20 anos de experiência multidisciplinar nas áreas de direito, economia e tecnologia. Atualmente exerce o cargo de vice-presidente da Comissão de Prerrogativas da OAB Campinas, atuando ativamente na defesa das garantias institucionais da advocacia e no fortalecimento das prerrogativas profissionais.
