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11/09/2017Por Carlos Otávio Ferreira de Almeida 1
Será possível criar uma relação harmônica, essencialmente cooperativa, entre fisco e contribuinte no Brasil? Decerto que a maioria responderia a esta questão com um sonoro “não”, o que em nada seria espantoso.
De fato, a relação entre o fisco – aqui tomado em sentido amplo, abrangendo as três esferas federativas, a despeito das muitas diferenças vigentes no bojo de cada administração fazendária municipal, estadual e federal- e os contribuintes brasileiros tem sido marcada pela desconfiança de ambas as partes. Pela lente da administração, veem-se sonegadores a mancheias, enquanto pela dos contribuintes identificam-se autoridades vingativas e oportunistas, sempre à espreita para produzir novas interpretações da norma que resultem em autuações fiscais. É a consagração da insegurança, em toda a sua vitalidade.
Naturalmente que muitos outros problemas decorrem da natureza de uma relação de tal feitio. Excesso de burocracia, altos custos de conformidade (compliance costs), intermináveis litígios administrativos ou judiciais, elevado volume de créditos tributários insatisfeitos, planejamentos tributários agressivos e corrupção são alguns exemplos. Ora, se tão indesejáveis consequências trazem prejuízos a ambas as partes, seja por impactarem negativamente a arrecadação; seja por aumentarem custos dos contribuintes; e mais, se o Estado precisa do contribuinte e este, a seu turno, precisa daquele, não seria mais racional reduzir o ambiente conflitivo e torná-lo mais harmônico?
Pois é justamente esta mudança de paradigma que deverá se tornar realidade no Brasil num futuro não tão distante, embora um efetivo compliance cooperativo possa ensejar diversos matizes e seja difícil definir o grau de harmonização a que a relação fisco-contribuinte poderá alcançar por aqui. Certo, contudo, é que a animosidade reinante deverá dar lugar a maior interação e aumento da confiança entre as partes. Se não, vejamos.
O Brasil, no último 30 de maio, oficializou seu pedido de adesão ao grupo de membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que deverá, em breve, decidir sobre o ingresso do nosso País. Com efeito, o Brasil tem crescentemente participado da extensa agenda da OCDE, sobretudo em temas como política macroeconômica, agricultura, comércio, educação, ciência e tecnologia, estatísticas, combate à corrupção, política de investimentos, conduta empresarial responsável, governança corporativa, financiamento às exportações, e, logicamente, tributação.
Justamente no campo da tributação, o Brasil integra o Foro Global sobre Transparência e Troca de Informações Tributárias, catalisador da cooperação internacional em matéria tributária, que tem atingido resultados surpreendentes nos últimos anos. A este respeito, veja-se a troca automática de informações fiscais entre diferentes jurisdições que, além de suplantar o modelo anterior de troca a pedido, consagra o ímpeto multilateralista de combate a perdas de arrecadação dos Estados, consubstanciado no Plano BEPS (Base Erosion and Profit Shifting) da OCDE. Como um parceiro-chave reconhecido pela própria OCDE, o Brasil aderiu à Convenção sobre Assistência Administrativa Mútua em Matéria Tributária, promulgada pelo Decreto nº 8.842 de 29 de agosto de 2016, indubitavelmente, o mais amplo acordo internacional para combate à evasão fiscal, já ratificado por 112 jurisdições até o momento.
Assim como ocorreu com a rápida mudança de paradigma quanto à transparência e à troca de informações fiscais, em que a ordem interna sofreu radicais mudanças conformes à ordem internacional2, não seria prudente desprezar o ímpeto multilateral a que o Brasil, ainda com maior razão, se verá forçado a observar na condição de membro da OCDE.
Por esta razão, o título desta nota não se torna absurdo. Reforça esta tese o fato de o Fórum sobre Administração Tributária (FTA) da OCDE trabalhar, atualmente, para aprimorar o ambiente da relação entre fisco e contribuintes com resultados que já se fazem notar. Os passos iniciais remontam quase a uma década, quando, em 2008, o FTA publicou seu Study into the Role of Tax Intermediaries, preconizando a criação do que se consagrou por enhanced relationship, um relacionamento aperfeiçoado pela confiança e pela cooperação a ser desenvolvido pelo fisco inicialmente com grandes contribuintes.
Antes mesmo que se disseminasse, o relacionamento aperfeiçoado já se tornou inadequado, cedendo lugar ao que o FTA, em julho de 2013, denominou Cooperative Compliance3, i.e., o cumprimento da obrigação tributária principal (pagamento) na quantia correta e no tempo exato, levado a efeito por meio da cooperação do fisco para com o contribuinte e vice-versa.
A despeito do enorme desafio às autoridades fiscais brasileiras, a quem compete o primeiro passo na elaboração de boas práticas – como conduta transparente e amigável, aconselhamento tempestivo e oportuno – capazes de reduzir controvérsias e evitar despesas desnecessárias por parte dos contribuintes, fato é que ambas as partes têm a ganhar com a efetivação de relação baseada na cooperação.
A consagração do compliance cooperativo não deverá ser fácil, contudo. Além de exigir do fisco, motivação e vontade suficientemente grandes para promover séria modificação na mentalidade reinante na administração, este novo paradigma também exigiria a implantação de amplo e efetivo programa de educação fiscal, dotando o cidadão brasileiro de consciência contributiva.
Mas, se o percurso é desafiador, um ambiente de cooperação traria recompensas a ambas as partes. De um lado, o contribuinte reduziria insegurança em vista do ganho em certeza e clareza por meio de um serviço coordenado em conjunto com a administração tributária; do prévio conhecimento dos custos de conformidade nos diversos órgãos fazendários e da respectiva chance de reduzi-los; da percepção comercial/negocial a ser desenvolvida no âmbito das atividades da fiscalização4; da simplificação dos sistemas de decisões no âmbito do processo fiscais
administrativo-fiscal; da tempestiva resposta da administração a consultas e devolução de recursos e créditos. O fisco, por seu giro, teria maior previsibilidade e segurança na arrecadação, em razão do ganho em transparência com a divulgação voluntária de informações por parte das empresas; do maior respeito ao “espírito da lei”; do diálogo aberto e transparente; da cooperação na avaliação do risco fiscal; da assistência para entender negócios e práticas comerciais, além da melhoria no uso dos sistemas de gerenciamento de riscos fiscais.
Em síntese, apesar da desconfiança reinante na relação fisco-contribuinte, a situação atual gera perdas a ambas as partes. O Brasil não precisa ser pioneiro na mudança de paradigma, mas não deve desprezar a real possibilidade de mudar para melhor, a exemplo de outros países, especialmente quando um de seus maiores problemas está na relação entre carga tributária e contraprestação estatal.
1 Professor Dr. Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Direito Tributário da PUC-Campinas.
2 A este respeito, veja-se a LC nº 105/01, art. 6º, e o acesso a dados bancários por autoridades fiscais.
3 OECD (2013), Co-operative Compliance: A Framework: From Enhanced Relationship to Co-operative Compliance, OECD Publishing.
4 Alguns países já adotam meios para desenvolver a percepção comercial dos agentes do fisco, permitindo-lhes ampla compreensão do contexto em que são decididas transações e atividades de grandes empresas. Exemplos bem sucedidos são a Divisão de Grandes Rendas do Fisco Irlandês, organizado em bases setoriais para compreensão das características específicas de negócios e mercados; o Programa de Relacionamento Aperfeiçoado com Contribuintes do fisco de Cingapura, que prevê atuação conjunta para a compreensão profunda das operações negociais e dos riscos fiscais; e das autoridades