Artigo: Audiência de Custódia

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*Rogério Batista Gabbelini 

1          Audiência de Custódia

A resolução 213 do Conselho Nacional de Justiça, determina, que toda pessoa presa em flagrante delito, seja apresentada, em 24 horas, a Autoridade Judiciária, com a seguinte redação:

Toda pessoa presa em flagrante delito, independente da  motivação ou natureza do ato, seja obrigatoriamente, apresentada, em até 24 horas da comunicação do flagrante, à autoridade judicial competente, e ouvida sobre as circunstâncias em que se realizou sua prisão ou apreensão.

As regras internacionais de direitos humanos atinentes a apresentação da pessoa presa em flagrante, estabelecem a imediata apresentação do custodiado a autoridade judiciária, conforme, previsto no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, em seu artigo 9º, item 3 e ao artigo 7º , item 5, e também, na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica). Os referidos, tratados, estão incorporados ao ordenamento jurídico, através dos decretos, 592 de 06 de julho de 1992 e do decreto 678 de 06 de novembro de 1992.

A Carta Magna estabelece em relação aos tratados internacionais que o Brasil, seja signatário, após aprovação legislativa, terão força de emendas constitucionais, conforme redação dos parágrafos segundo e terceiro do artigo 5º.

Ancorado aos preceitos de direitos e garantias fundamentais e alinhado as regras de direitos humanos internacionais a audiência de custódia, tem por objetivo, primordial, analisar a prisão à luz das garantias fundamentais, previstas no artigo 5º da Constituição Federal, reprimindo a tortura e os maus tratos; estabelece que o Juiz deverá abster-se de fazer perguntas, com a finalidade de produzir provas para a investigação ou ação penal relativas aos fatos objeto do auto de prisão em flagrante.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º inciso III, estabelece que ninguém será submetido a tortura, tratamento desumano ou degradante. Em cumprimento a este ditame constitucional foi editada a lei 9.455/1997( lei de tortura), tendo como bem jurídico o direito a vida e a proteção da integridade física.

 O Brasil também é signatário de outros tratados, tais como, a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, celebrados pela Organização das Nações Unidas.

O Constituinte de 1988, pela primeira vez, fez constar nas garantias fundamentais do homem a expressa vedação ao crime de tortura e a lei 9.455/97 (lei de tortura) materializou a resposta do direito penal tipificando e criando mecanismos legais de enfrentamento ao crime de tortura[1].

Importantes ponderações, são apontadas, por Flávia Piovesan e Fernando Salla, no sentido de que, existe um crescente número de países, que estão aderindo, ao enfrentamento da tortura e aos maus tratos, visando, punir e erradicar essa prática por afrontar a consciência ética contemporânea:

Nossa democracia e civilidade estarão ainda ameaçadas enquanto persistir a tortura a cidadãos abordados na rua por policiais, ou detidos em dependência policial ou prisional, ou ainda enquanto se tolerar que os condenados à pena privativa de liberdade tenham uma pena adicional por meio de tortura, maus-tratos e submissão a condições degradantes de encarceramento.[2]

Nas palavras de Antônio Scarance Fernandes: Entre nós, às Constituições, desde o Império, contemplam normas de garantia individual, sendo neste aspecto pródiga a Constituição atual, que em seu artigo 5º, apresenta extenso rol de regras destinadas a assegurar os direitos individuais e coletivos.[3]  As normas de direito fundamentais, estabelecem o limite da ingerência estatal em respeito aos direitos individuais assegurados na Constituição Federal.

O Conselho Nacional de Justiça através da Resolução 213, em seu artigo 8º, estabelece, na audiência de custódia, várias medidas judiciais, para enfrentar e combater a prática de tortura e maus tratos, devendo o Magistrado, indagar o custodiado, sobre o  tratamento recebido, nos locais em que passou, atento se houve ocorrência de tortura e maus tratos.

Importante função terá o exame de corpo de delito que será realizado, em Juízo, nas hipóteses do artigo 8, inciso VII: a) de não ter sido realizado; b) os registros se mostrarem insuficientes; c) a alegação de tortura e maus tratos referir-se a momento posterior ao exame realizado; d) o exame tiver sido realizado na presença de agente policial, observando a recomendação do CNJ, quanto a formulação de quesitos ao perito.

Durante a audiência de Custodia ao ser constado pelo Magistrado o crime de tortura ou maus tratados, diversas, providências serão tomadas, tais como:  (I) o registro detalhado das informações,(II) providencias cabíveis para a investigação da denúncia e da preservação da segurança física e psicológica da vítima; (III) encaminhamento para atendimento médico e psicossocial especializado.( artigo 11)

Deverá também o Magistrado, estar atento para preservar a integridade do denunciante, das testemunhas, do funcionário que constatou a prática abusiva, dos familiares, e se for necessário, o sigilo das informações.

O registro da audiência de custodia será realizado através do termo de audiência sendo apensado ao inquérito ou à ação penal conforme artigo 12 da Resolução 213 do CNJ.

Em consonância com os princípios constitucionais penais estruturantes do ordenamento punitivo, previstos, no devido processo legal, no contraditório e da ampla defesa e da presunção de inocência, materializados no artigo 5º incisos LIV, LV, LVII, estabelece o Conselho Nacional de Justiça atinente a perguntas formuladas em audiência de Custodia a obrigatoriedade do Juiz abster-se de formular perguntas com a finalidade de produzir prova para investigação ou ação penal relativas aos fatos objeto do auto de prisão em flagrante.

Ao termino da oitiva do custodiado estabelece o § 1º do artigo 8º da Resolução 213 a aberturas de reperguntas compatíveis com a natureza do ato, devendo, o Juiz negar as perguntas ligadas ao mérito que poderão prejudicar o acusado e após passará a decidir: sobre o relaxamento da prisão (I); concessão da liberdade provisória com ou sem aplicação de medida cautelar diversa da prisão (II); decretação da prisão preventiva (III); estabelecerá medidas para preservar o direito do preso.

O preceito constitucional da devida fundamentação dos atos judiciais, previsto no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, estabelece que toda as decisões do Poder Judiciário serão fundamentadas, sob pena de nulidade.[4]

Em consonância, as medidas cautelares, diversas da prisão, elencadas no artigo 319 do Código de Processo Penal, terão como parâmetros a real necessidade da medida e o prazo para seu cumprimento e reavaliação de sua manutenção. (art. 9º ).

Estabelece o artigo 10, que as medidas alternativas diversas da prisão, prevista no artigo 319, inciso IX do Código de Processo Penal (monitoramento eletrônico),  terão como requisitos objetivos as pessoas que forem presas em flagrante delito, por crime doloso, punido com pena privativa de liberdade, máxima ou superior a 4 (quatro) anos ou condenadas por outro crime doloso, sem sentença transitada em julgado e, também, para pessoas que estejam cumprindo medidas protetivas causadas por violência doméstica e familiar contra mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, quando não couber medida menos gravosa.

2          Do provimento Conjunto nº 3º/2015 da Presidência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) e da Corregedoria Geral da Justiça (CGJ)

Em continuidade a audiência de Custodia o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, apresentada pela Resolução 213 do Conselho Nacional de Justiça, ponderou que o Brasil ratificou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (pacto de San Jose da Costa Rica) que em seu artigo 7º, item 5, dispõem:

Toda a pessoa detida ou retida deve ser conduzida sem demora à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais.

A regra do artigo 306 do Código de Processo Penal, parágrafo único, estabelece a obrigatoriedade da apresentação do custodiado ao Juiz responsável, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, após a realização da prisão.

Um dos objetivos da audiência de custódia é implantar em consonância com o Conselho Nacional de Justiça, um mecanismo judicial, para um melhor controle da necessidade da manutenção da custódia cautelar que representa um grande contingente do sistema prisional paulista.

Estabelece o artigo 3º do Provimento conjunto 3º /2015 do TJSP que a autoridade policial, em até 24 horas, após a prisão irá apresentar o custodiado a autoridade judicial competente, para participar da audiência de custódia juntamente com o auto de prisão em flagrante.

Em conformidade com os direitos e garantias constitucionais, previsto, na cláusula pétrea do artigo 5º, inciso LXIII e do artigo 133 da Magna Carta, estabelece o artigo 5º do Provimento conjunto 03/2015 do TJSP, a garantia ao custodiado, ter prévio contato, por tempo razoável, com seu advogado ou na falta deste com Defensor Público, antes da audiência de custódia.

Os procedimentos da audiência de custódia passam a ser regulados, pelo artigo 6º, estabelecendo, a análise da circunstância objetiva da prisão, não sendo, permitido perguntas que antecipem a instrução processual.

Importante frisar a necessidade de estabelecer os limites cognitivos da audiência de custodia, em razão de tratar-se de entrevista do Magistrado com o custodiado:

(…) percebe-se que há um contato prévio do julgador com possíveis elementos probatórios relacionados ao caso que, eventualmente, será processado e julgado. Ou seja, considerando-se que o magistrado terá contato direto com o imputado, que muitas vezes é visto (equivocadamente) como “ principal fonte de provas” para o processo, há um forte risco de antecipação da produção probatória, a partir de uma realização adiantada do interrogatório do réu sobre o mérito da persecução.[5]

A necessidade da decisão do Magistrado, sob eventual decretação da prisão preventiva, ser devidamente, fundamentada, nada impede, que a confissão do réu, seja utilizada, para sedimentar o decreto, cujo fato, em tese, com  o transcurso da ação penal, poderá violar o direito do acusado, pronunciar-se, no termino das demais provas.

Desta forma, o ato de apresentação do custodiado, ao Magistrado, visa prevenir abusos, na atuação policial, evitar tortura, proporcionando uma leitura específica  sobre o cumprimento dos direitos e garantias constitucionais assegurado ao custodiado e também, desde que devidamente, fundamentada, a imposição de medidas cautelares, diversas da prisão.

Importante estabelecer que a audiência de custódia, não pode ser aplicada, como meio de prova, para eventual condenação, por ferir as regras do devido processo legal do contraditório e da ampla defesa, por ferir a própria essência do ato, por ocorrer a inversão dos atos acusatórios e defensivos, em razão do acusado, se manifestar, antes da denúncia, ferindo o modelo adotado na Reforma do Código de Processo Penal do ano de 2008 que deslocou o interrogatório para o final das provas.

*Rogério Batista Gabbelini é advogado militante em Campinas

REFERÊNCIAS

 

FERNANDES, Antônio Scarance. Processo Penal constitucional. Ed. Ver. e ampl. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 2010, p. 20

 

FRANCO, Alberto Silva; LIRA, Rafael; FELIX, Yuri. Crimes Hediondos. 7. ed., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. P. 195.

 

PIOVESAN, Flávia; SALLA, Fernando. Tortura no Brasil: pesadelo sem fim?: núcleo da violência Universidade de São Paulo. Disponível em: http://nevusp.org/publicacoes/tortura-no-brasil-pesadelo-sem-fim/ . Acessado em: 30 de ago. de 2016.

 

NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios constitucionais penais e processuais penais. 2. Ed.Rev. atual. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 2012. P. 178.

 

VASCONCELOS, Vinícius Gomes de. Audiencia de Custódia no processo penal: Limites cognitivos e a regra de exclusão probatória. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 24, número 283, junho de 2016, p.5-6

 

[1]  FRANCO, Alberto Silva; LIRA, Rafael; FELIX, Yuri. Crimes Hediondos. 7. ed., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. P. 195.

[2] PIOVESAN, Flávia; SALLA, Fernando. Tortura no Brasil: pesadelo sem fim?: núcleo da violência Universidade de São Paulo. Disponível em: http://nevusp.org/publicacoes/tortura-no-brasil-pesadelo-sem-fim/ . Acessado em: 30 de ago. de 2016.

[3] FERNANDES, Antônio Scarance. Processo Penal constitucional. Ed. Ver. e ampl. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 2010, p. 20.

[4] NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios constitucionais penais e processuais penais. 2. Ed.Rev. atual. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 2012. P. 178.

[5] VASCONCELOS, Vinícius Gomes de. Audiência de Custódia no processo penal: Limites cognitivos e a regra de exclusão probatória. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 24, número 283, junho de 2016, p.5-6.

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