A Recuperação Judicial na atual sistemática do regime jurídico da insolvência empresarial

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Dra. Aline Mirna Barros Vieira

Resumo: O objetivo é apresentar, de modo claro e objetivo, os principais pontos da recuperação judicial, instituto este que ainda não atingiu a sua maturidade jurídica no Brasil.

Sumário: O procedimento da recuperação judicial. Bibliografia.

A Lei 11.101/2005 instituiu a Recuperação Judicial de Empresas, cujo principal objetivo é solucionar a crise financeira-econômica da empresa devedora, mantendo a unidade empresária efetivamente produtiva (e não apenas formalmente), conservando os agentes da atividade (empregados, fornecedores e credores) e extirpando do mercado as sociedades que não tenham condições de exercer a sua função socioeconômica em todos os seus aspectos.

Por crise econômico-financeira compreende-se a dificuldade temporária da sociedade empresária ou do empresário em realizar os valores suficientes para solver as obrigações nas datas aprazadas e superar a iliquidez suportada pelos resultados irregulares ou negativos do fluxo de caixa, causada por diversos fatores (não taxativos), tais como: a diminuição de oferta de crédito no mercado ou elevação do preço para a sua obtenção, a queda das cotações de produtos no mercado internacional, elevada incidência de despesas trabalhistas, sociais e tributárias, quebra unilateral de contratos e, dentre outros, a inaptidão administrativa e deficiência de estruturação jurídica, que justificam a reestruturação da atividade.

É um benefício legal preventivo, que busca antever a possibilidade de enfrentar uma crise financeira ou quando está já em andamento, possibilita a reestruturação empresarial e a readequação da atividade, antes da instauração da situação de insolvência em estado crítico a ponto de inviabilizar a consecução do objeto social, em que a única solução jurídica restante é a falência do devedor.

Consiste em um instituto de Direito Econômico, que propõe o soerguimento da sociedade empresária e a superação da crise por ela enfrentada, sem que se desdobre em culpar o devedor pela situação apresentada e nem em favorecer os credores demasiadamente. Objetiva, principalmente, distribuir entre ambos a responsabilidade de encontrar a forma mais adequada de reestruturação da empresa, de modo que a reorganização administrativa e financeira apresente a solução para solver o passivo existente, manter a atividade empresária em exercício, superar a situação de iliquidez consolidada, estimular o desenvolvimento viável e estável da atividade econômica em favor do próprio devedor e dos credores (fomentadores, fornecedores e empregados).

Assim, apresentado o pedido de recuperação judicial pela sociedade ou empresário e, atendidos os requisitos legais para o exercício deste direito, o Poder Judiciário defere o seu processamento, imputando-lhe obrigações que devem ser cumpridas no curso do procedimento e ao mesmo tempo concedendo prazos suspensivos para que a empresa possa propor e adequar às medidas necessárias para a sua reestruturação.

Dentre essas incumbências legais, o devedor apresenta o plano de recuperação, que enseja demonstração consolidada da dívida e descrição pormenorizada da proposta de pagamento dos créditos e os meios de recuperação de que se utilizará para ter êxito em seu intento, seja para cumprir com as obrigações submetidas ou não ao procedimento recuperacional, seja para promover a reestruturação administrativo-financeira da sociedade de forma a superar a situação de iliquidez que a acomete e a viabilizar o exercício da atividade empresarial.

Consiste em um benefício legal que busca favorecer os interesses do devedor e da coletividade de credores, já que a decretação da falência, na maioria das vezes, pode acarretar mais prejuízos tanto no aspecto social como no econômico.

O devedor é beneficiado quando lhe é concedido o prazo suspensivo que lhe permite a reorganização societária e financeira e a renegociação do passivo e das condições para o seu pagamento, em condições geralmente melhores que as originais (stay period).

Já o credor, se beneficia quando lhe é conferido o direito de fiscalizar as atividades desempenhadas pela devedora, manifestar a sua concordância ou oposição às propostas ou aos atos intentados pela sociedade em recuperação, que possam lhe acarretar ou agravar os prejuízos já suportados com a impontualidade no cumprimento das obrigações.

Ressalte-se, por oportuno, que o devedor apresenta a proposta de pagamento que viabilizará quitação do passivo existente e o desenvolvimento da atividade empresarial e cabe ao credor o direito de negociar as cláusulas, apontar modificações e decidir o destino do procedimento recuperacional, ao analisar o projeto de viabilidade empresarial e a proposta de pagamento.

Quem pode requerer a Recuperação Judicial (Legitimidade Ativa)? E quem está sujeito ao procedimento (Legitimidade Passiva)?

O empresário ou sociedade empresária que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, há mais de dois anos e que (i) não seja falido ou se foi estejam as obrigações declaradas extintas por sentença transitada em julgado; (ii) não ter requerido a recuperação judicial há menos de 05 anos; (iii) não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, por qualquer dos crimes previstos na Lei de Recuperação de Empresas (art. 48).

Conforme o artigo 49 “estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos”, ou seja, inserem-se nesta definição os créditos de natureza trabalhista, com direitos reais de garantia, créditos quirografários (sem garantias preferenciais).

Existe alguma categoria de credores que não se sujeita ao procedimento recuperacional?

Sim. Os credores de natureza fiscal, de créditos decorrentes de adiantamento a contrato de câmbio para exportação, o proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis (observados alguns requisitos relativos a constituição da garantia) e o arrendador mercantil.

Como é efetivado o pedido de Recuperação Judicial?

O pedido de recuperação judicial deve ser feito perante o Poder Judiciário. O devedor deverá expor as causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da crise econômico-financeira e instruir o pedido, obrigatoriamente, com todos os documentos elencados no artigo 51 da Lei 11.101/2005.

A partir do pedido, a empresa tem 06 (seis) meses para tentar um acordo com credores sobre a proposta de pagamento que definirá como vai superar a crise financeira.

Cumpridos os requisitos para a propositura do pedido de recuperação judicial (art. 319, NCPC e art. 51, LRE), será proferida decisão deferindo o processamento da recuperação judicial.

Quais os efeitos advindos da decisão que defere o processamento da Recuperação Judicial?

Dentre os efeitos da decisão que defere o processamento destaca-se como as principais:

– a nomeação o administrador judicial, que atuará como fiscal das atividades desenvolvidas pelo devedor, durante o período em que estiver em recuperação judicial;

– a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades (exceto contratação com o Poder Público);

– a apresentação de contas demonstrativas mensais, sob pena de destituição dos administradores;

– a apresentação do plano de recuperação judicial no prazo de 60 (sessenta) dias.

– a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor, pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias, prazo este que entendeu o legislador suficiente para a realização de todos os atos necessários para que o devedor consiga a concessão do benefício recuperacional, após a aprovação do plano de recuperação judicial.

A determinação de suspensão das ações e das execuções concedida em favor da Recuperanda beneficia os sócios ou garantidores solidários (fiadores, avalistas)?

Não. A lei estabelece que o benefício recuperacional é concedido apenas para a sociedade empresária ou sócio ilimitadamente responsável pelas obrigações sociais.

Este ponto trouxe discussões perante credores, recuperandas e devedores solidários, pela confusão criada na interpretação do artigo 6.º da LRE quando estabelece a suspensão “da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário”.

A questão foi solucionada pelo Superior Tribunal de Justiça esclarecendo que o sócio solidário que se beneficia com a suspensão concedida à devedora em recuperação judicial é aquele presentes nos tipos societários em que a responsabilidade pessoal dos consorciados não é limitada às suas respectivas quotas/ações, como é o caso, por exemplo, da sociedade em nome coletivo (art. 1.039 do CC) e da sociedade em comandita simples, no que concerne aos sócios comanditados (art. 1.045 do CC).

A razão de ser da norma que determina a suspensão das ações, ainda que de credores particulares dos sócios solidários ilimitadamente pelas obrigações societárias, é simples, pois, na eventualidade de decretação da falência da sociedade os efeitos da quebra estendem-se àqueles, conforme dispõe o art. 81 da Lei n. 11.101/2005, o que não acontece com os sócios do tipo societário Limitada ou Sociedade Anônima.

O que é o Plano de Recuperação Judicial? Como deve ser elaborado?

O plano de recuperação judicial é uma proposta de composição amigável, dirigida pelo devedor a seus credores, em que discriminará os meios que julga necessário utilizar para superar a situação econômico-financeira, bem como a forma de pagamento dos credores.

A proposta deve apontar os meios de recuperação que pretende o devedor utilizar para superar a crise financeira que suporta, bem como a forma de pagamento dos credores submetidos ao procedimento, além de instruir a proposta com o estudo da viabilidade econômico-financeira que demonstre efetivas possibilidades de reorganização e recuperação do devedor.

Os meios de recuperação estão dispostas no art. 50, LRE. Trata-se de sugestão legislativa (rol exemplificativo), que podem ser utilizadas individual ou cumulativamente. O devedor deve pormenorizar como pretende aplicá-las no corpo do plano de recuperação judicial. Destaque-se, por oportuno, que atualmente os meios mais utilizados são: 1. Reestruturação financeira por meio da dilação de prazos para adimplemento das obrigações e remissão total ou parcial da dívida; 2. Alienação de bens do ativo permanente; 3. Alienação do poder de controle; etc.

Quais são os próximos passos do procedimento após a apresentação do Plano de Recuperação Judicial?

Apresentado o plano, o juiz divulga aviso aos credores acerca do prazo para eles apresentem sua objeção, ou seja, os pontos de discordância à proposta de pagamento do devedor. Se houver ao menos uma objeção apresentada por qualquer credor sujeito ao procedimento, será convocada Assembleia de Credores.

Porque há convocação de Assembleia Geral de Credores, se a Lei 11.101/2005 oportuniza o direito de impugnar a proposta por meio da objeção?

A Assembléia Geral de Credores é o veículo de deliberação de todas as questões sobre a recuperação judicial, tais como a aprovação, rejeição ou modificação ao plano de recuperação e a constituição do Comitê de Credores ou qualquer outra matéria que possa afetar os interesses dos credores.

A realização da Assembleia Geral de Credores é de grande importância porque nesta oportunidade o devedor e os credores (de todas as classes submetidas ao procedimento recuperacional) poderão debater a proposta de pagamento, propor-lhe alterações, buscando equalizar os interesses de ambas as partes.

Finalizada a fase de deliberações, inicia-se a fase de aprovação ou não da proposta de pagamento apresentadas para a superação da crise.

Quais os possíveis resultados podem advir da votação do Plano de Recuperação em Assembleia Geral de Credores?

O plano de recuperação judicial será considerado aprovado e o Juiz concederá o benefício recuperacional, em havendo voto favorável das três classes (I – trabalhista; II – garantia real; III – quirografários e IV – ME e EPP.

Se o plano não obteve a aprovação nos termos do art. 45, LRE, poderá o Juiz conceder a recuperação judicial com base em plano não aprovado. Trata-se do instituto do cram down, que em tradução livre, quer dizer goela abaixo, que poderá ser aplicado nos termos do art. 58, § 1.º, da LRE.

Por fim, se o plano não obtiver a aprovação em Assembleia Geral de Credores (art. 45, LRE), e nem pelo instituto do cram down (art. 58, LRE), será decretada a falência, nos termos do art. 73, III, LRE.

Quais as consequências da aprovação do Plano de Recuperação?

Com a aprovação do plano de recuperação judicial e havendo cumprimento das demais exigências contidas na Lei 11.101/2005, será proferida a decisão concessiva do benefício recuperacional.

Diante da publicação da decisão concessiva, opera-se a novação dos créditos anteriores ao pedido, ou seja, as condições de cumprimento dos contratos originalmente entabulados entre o devedor e os credores são substituídas pelas obrigações assumidas e insertas no plano aprovado, obrigando o devedor e os credores sujeitos ao procedimento recuperacional ao seu estrito cumprimento.

Trata-se de novação condicional (diferente da natureza da novação civil), pois decretada a falência, serão reconstituídos os direitos e garantias originalmente constituídos (art. 62, LRE), ou seja, ela somente se mantém enquanto houver o cumprimento das obrigações estabelecidas no plano de recuperação judicial.

O Plano de Recuperação Judicial pode prever a extinção de garantias? E qual o efeito que se opera aos credores que votaram pela rejeição da proposta?

O plano de recuperação pode prever a extinção da garantia seja pessoal (avalistas, fiadores, coobrigados solidários) ou real (por meio de penhor ou hipoteca sobre bens). Contudo, nos termos da LRE somente com a expressa autorização do detentor da garantia, poderá surtir efeito a extinção pretendida pelo devedor.

Há entendimento dos Tribunais Estaduais de que se o credor votou favorável a aprovação do plano, ele manifestou concordância com a extinção da sua garantia. No que se referem aos credores que não compareceram a Assembleia de Credores, ou comparecendo se abstiveram de votar ou votaram rejeitando a proposta de pagamento a cláusula que previr a extinção não surte efeitos.

Como se dá o encerramento da Recuperação Judicial?

A recuperação judicial é encerrada quando o devedor cumprir todas as obrigações previstas no plano que se vencerem até 02 (dois) anos depois da concessão da recuperação judicial.

Quais as consequências ao devedor que não cumprir as obrigações estabelecidas no Plano de Recuperação aprovado?

É decretada a falência da empresa. O capítulo cinco da Lei de Falências é o que diz respeito à falência. Com o decreto de falência, o devedor é afastado suas atividades com o objetivo de preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos da empresa. Segundo a lei, a decretação da falência determina o vencimento antecipado das dívidas do devedor e dos sócios solidariamente responsáveis pelas obrigações sociais, dentre consequências.

 

Bibliografia

 

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Publicado originalmente na Revista Âmbito Jurídico

VIEIRA, Aline Mirna Barros. A recuperação judicial na atual sistemática do regime jurídico da insolvência empresarialRevista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22n. 517229 ago. 2017. <https://jus.com.br/artigos/59927>.

Aline Mirna Barros Vieira é Advogada Empresarial. Conciliadora e Mediadora Judicial. Autora de artigos jurídicos. Graduada em direito. Graduanda em ciências contábeis. Pós-graduada em direito processual civil, em direito empresarial, em direito contratual e em recuperação de empresa e falência. MBA em gestão estratégica de negócios. Atuação profissional estratégica em projetos jurídicos consultivos e contenciosos e gerenciamento de risco (jurídico, compliance e sustentabilidade). Membro da Comissão de Estudos sobre Falência e Recuperação de Empresa da OAB Campinas / SP.

 

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