A ferramenta da Recuperação Judicial
19/07/2019Aspectos Basilares do Processo de Falência. Da Evolução Histórica ao Cumprimento de sua Finalidade
22/07/2019*Aline Mirna Barros Vieira
Resumo: Este trabalho tem o objetivo de analisar o instituto jurídico da Recuperação Extrajudicial, estabelecido com a Lei Federal n.º 11.101/2005, como alternativa de reestruturação das empresas que se encontrem em crise econômico-financeira em razão (i) do exercício da atividade empresarial de modo falho, (ii) da organização ineficiente ou (iii) da escassez dos fatores de produção. O artigo foi elaborado com base em pesquisas realizadas na legislação vigente (Lei 11.101/2005), em decisões proferidas pelos Tribunais pátrios e nos livros e artigos jurídicos escritos por autores atuantes na área de insolvência empresarial, que contribuem com o seu conhecimento teórico e prático, para melhor compreensão do instituto da Recuperação de Empresas. Com base no estudo realizado conclui-se que o instituto da Recuperação Extrajudicial embora seja uma efetiva ferramenta para a reestruturação da empresa em crise iminente (com dificuldades econômico-financeiras recentes) ainda é pouco utilizada, uma vez que as empresas não buscam auxílio especializado nos primeiros indícios de problemas no seu fluxo de caixa e na sua cadeia de atuação, quando é possível negociar com classes de credores, condições mais vantajosas para a devedora e os credores, mantendo-se o fornecimento, os postos de trabalho e a relação entre as partes. Por se tomar a decisão de reestruturação quando já não há qualquer outro recurso e nem caixa, é que a Recuperação Judicial está em evidencia, pois consiste no último suspiro de renegociação, numa etapa já avançada do seu endividamento, o que torna o processo difícil, custoso e sem garantia de superação da crise econômica.
Sumário: 1. Introdução. 2. Recuperação Extrajudicial. 3. Conclusão.
INTRODUÇÃO
A Lei Federal n.º 11.101/2005 instituiu o benefício da Recuperação de Empresas, estabelecendo formas da empresa em dificuldade econômico-financeira superar a crise em que se encontra, mantendo a sua unidade produtiva e conservando ativos os agentes vinculados a atividade empresarial, tais como os empregados, fornecedores e credores de outra natureza. A intenção desta Lei também consiste em extirpar do mercado aqueles entes que estão ativos apenas formalmente, mas que nenhuma contribuição faz para o desenvolvimento da economia do país.
O estado de crise econômico-financeira consiste na, temporária, dificuldade que o empresário ou a sociedade empresária enfrenta para adimplir as suas obrigações junto aos seus credores nos prazos estabelecidos.
Oportuno destacar a diferença entre inadimplemento e iliquidez. O primeiro é o não pagamento de dívida líquida e certa dentro do prazo ajustado. Já o segundo, consiste no inadimplemento provisório do devedor em razão de não dispor de dinheiro para quitar a dívida, embora possua bens e direitos para honrar suas obrigações vencidas (Abrão e Toledo, 2005).
O objeto da Recuperação Extrajudicial consiste na iliquidez decorrente dos irregulares ou negativos fluxos de caixa oriundo de causas externas ou causas internas ou imputáveis à própria empresa e aos empresários, “não apenas da má gestão, da incompetência, da desonestidade, do espírito aventureiro ou afoito dos administradores, da ignorância dos sócios ou acionistas, mas de uma série de causas em cadeia, algumas imprevisíveis, portanto inevitáveis, de natureza microeconômica e/ou macroeconômica e/ou supranacional” (Lobo, 2005, p. 121/122).
Os índices de liquidez têm o escopo de demonstrar a capacidade da empresa devedora em solver suas obrigações na data aprazada, sinalização esta que pode ser percebida por todos os que se relacionam com ela e na qual se baseará os acordos comerciais e financeiros (Abrão e Toledo, 2005).
Ressalte-se que em pesquisa realizada na Inglaterra e na Espanha e reproduzida em “Cómo sanear uma empresa en crises” foram retratadas as causas para a configuração de crise da empresa, representadas pelas entidades pelo mundo, das quais destacamos: a falta ou deficiente competitividade; empresas de pequeno porte sem escala para rivalizar em um mercado globalizado; falta de controle financeiro e gestão inadequada; elevada estrutura dos custos; má administração do “cash flow”; entre outros (Abrão e Toledo, 2005).
Com o objetivo de obter maior eficiência na recuperação de empresas em crise, a Lei de Recuperação de Empresas substituiu o revogado Decreto-Lei 7.661/1945. Neste último, o foco do legislador era a pessoa do comerciante, que suportava em sua própria pessoa a carga dos efeitos decorrentes da má-gestão e insolvência; o seu cunho era repressivo, ou seja, objetivava-se a punição do comerciante e não a solvência dos credores; seguia-se o Direito Processual estabelecido na legislação, qual seja, a liquidação da empresa e dos seus ativos, para solucionar a questão da insolvência. Assim, os credores não tinham qualquer participação no processo de concordata ou falencial, aplicando-se estritamente a fria previsão legal.
A Lei Federal n.º 11.101/2005 foi desenhada com outros objetivos. O foco deste regime jurídico é a atividade empresarial, separando – inicialmente – o patrimônio e a responsabilidade da pessoa jurídica daquela atribuída à pessoa física dos sócios; o seu cunho é recuperatório, ou seja, se a empresa apresenta viabilidade para retomar e desenvolver a sua atividade empresarial, ela pode apresentar um plano aos seus credores, de forma a apresentar a situação atual da entidade e como pretende reestruturá-la, por meio da concessão de novos prazos e condições de pagamento das suas dívidas, da venda de ativos, etc.
Vê-se que o objetivo é preservar a empresa e, portanto, as regras que são aplicadas referem ao Direito Empresarial e Econômico. Nesta modalidade, a devedora e os credores, conhecendo a situação podem participar mais ativamente do procedimento, seja rejeitando a proposta e/ou sugerindo alterações no plano de recuperação apresentado, de forma que ao final as condições propostas possam ser cumpridas pela Recuperanda para satisfazer os créditos inadimplidos dos credores.
Ressalte-se que a Recuperação de Empresas é um instituto inserido no âmbito do Direito Econômico, porque a aplicação das normas, na maioria das vezes objetiva a imposição de medidas alternativas para auxiliar na reestruturação econômico-financeira, mesmo que haja parcial sacrifício dos credores (Horst, 2011).
A Lei Recuperacional, em seu artigo 47, estabelece procedimentos de natureza material e procedimental, cujo escopo primário é a preservação da instituição empresarial, em que o aspecto financeiro é o foco essencial – mas não o único – da atuação dos profissionais envolvidos na reestruturação.
Conforme esclarece Lemos (2012) o ‘turnaround management’ prioriza a capacidade de geração de caixa, o lucro e o valor da empresa, pontos estes que devem ser levados em consideração pelas partes contratantes, sejam indivíduos ou entidades, antes de assumir algum risco ao se relacionar com a atividade da organização.
Estruturalmente, a Lei Federal n.º 11.101/2005, apresenta algumas propostas para a superação da crise da empresa, com o objetivo de preservar os múltiplos interesses da entidade, são elas: (i) Recuperação Judicial (arts. 5.º a 74), (ii) Recuperação Extrajudicial (art. 161 a 166) e (iii) celebração de acordos privados extrajudiciais (art. 167).
Neste trabalho, o foco será direcionado ao Instituto da Recuperação Extrajudicial como forma de reestruturação econômico-financeira da empresa em crise.
A RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL
A Lei Federal n.º 11.101/2005 introduziu o instituto da Recuperação Extrajudicial com a finalidade de “introduzir no nosso sistema legal mecanismos que tendem a viabilizar a negociação de acordos com grupos de credores escolhidos pelo devedor” (De Paiva, 2005, pág. 562), procedimento que não era previsto no Decreto-Lei 7.661/45 (antiga Lei de Falências e Concordatas), impedindo que fossem apresentadas propostas para a superação da crise suportada pela devedora, uma vez que qualquer providencia no sentido de concessão de prazo para quitação de débitos, remissão de créditos ou cessão de bens era considerado ato de falência.
Este procedimento inédito no regime jurídico da insolvência brasileira incorporou princípios análogos àqueles previstos no “prepackaged bankruptcy chapter 11” da legislação norte-americana e no “acuerdo preventivo extrajudicial” da norma argentinaapresenta-se como um mecanismo para promover a aceleração dos projetos de reestruturação econômico-financeiras dos entes empresariais, em que o devedor negocia extrajudicialmente com os credores e o plano de recuperação é levado à homologação judicial e pode ser imposto à minoria dissidente.
O procedimento da Recuperação Extrajudicial é orientado por alguns princípios, que melhor nortearão as negociações e o alcance do objetivo primordial que é a reestruturação das finanças e atividades da empresa. São eles:
(i) a par conditio creditorum, consiste na unicidade do tratamento concursal, ou seja, todos os credores que possuam créditos de mesma natureza, incluindo privilégios e preferências, devem ser tratados de forma igualitária;
(ii) a lealdade e a boa-fé, adjetivos que devem ser observados pela devedora para o cumprimento dos requisitos legais e obtenção da sua homologação perante o juízo competente, de modo a evitar o afastamento do sócio controlador e dos administradores do exercício do seu objeto social; e
(iii) a preservação da empresa, que somada à garantia constitucional do desenvolvimento nacional, atende a sua função econômico-social ao manter a fonte produtora e o emprego dos trabalhadores, ao cumprir as obrigações existentes perante os credores e ao estimular a atividade econômica.
Mas, qual é o objeto da Recuperação Extrajudicial?
Consiste em um acordo firmado entre a empresa devedora e os credores de dívida vencida e não adimplida, para a sua renegociação, substituindo-se as cláusulas originalmente pactuadas por novos termos e condições de quitação, quando estes fazem sua expressa adesão subscrevendo o documento que consolida as negociações realizadas.
A empresa devedora pode convidar para a renegociação todos ou alguns credores das classes legitimadas ao procedimento extrajudicial, quais sejam, com garantia real limitado ao valor do bem gravado, com privilégio especial e geral, quirografários e subordinados (art. 83, incisos II, IV, V, VI e VIII da Lei 11.101/2005).
Oportuno destacar que, não participam desta renegociação e não são submetidos aos seus efeitos, os credores expressamente elencados nos artigos art. 161, § 1.º c/c art. 49, § 3.º e 86, II da Lei Federal n.º 11.101/2005, que sejam titulares de créditos: (i) de natureza tributária; (ii) da legislação do trabalho ou decorrentes de acidente de trabalho; (iii) de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis; (iv) de arrendador mercantil; (v) de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias; (vi) de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio; (vii) de adiantamento a contrato de câmbio para exportação.
Todavia, mesmo que o devedor não tenha a obrigação de convocar todos os credores legitimados para a repactuação das dívidas, deve se esforçar para obter o maior número de adesões de forma a distribuir equitativamente os ganhos possíveis (Sztajn, 2005).
Já os credores, na oportunidade de análise da proposta de renegociação da dívida, devem comparar as condições apresentadas confrontando-as com o cenário que encontrariam na hipótese de ingresso com pedido de recuperação judicial e sua concessão e a decretação da falência, pois esta oportunidade permite que os credores possam requerer algum benefício adicional ou propor melhores condições de quitação do débito (Sztajn, 2005).
Oportuno esclarecer que o acordo firmado entre a devedora e os credores aderentes não deve contemplar (i) o pagamento antecipado de dívidas, (ii) o tratamento desfavorável aos credores que não estejam sujeitos às suas condições, nos termos do art. 161, § 2.º da Lei 11.101/2005.
Bezerra (2005) ensina que a vedação ao pagamento antecipado de dívidas é estipulação clara de que nenhum favorecimento de alguns credores será admitido por terem aderido ao acordo.
Em relação à proibição de tratamento desfavorável não deve ser entendida pelo fato de que mesmo quem não aderir à proposta de renegociação terá os mesmos benefícios ou vantagens de quem o fizer, mas “se coaduna com o principio geral de direito que determina tratar igualmente todos, desde que na mesma situação ou posição jurídica e desigualmente aos que ocupem posições outras” (Sztajn, 2005, p. 419).
Ressalte-se que os credores signatários do acordo não poderão desistir da adesão realizada após a distribuição do pedido de homologação, salvo se houver a concordância expressa dos demais aderentes (art. 161, 5.º da Lei Recuperacional).
O simples acordo firmado entre a devedora e os credores aderentes gera efeitos conforme discriminados nos termos e nas condições pactuadas, independentemente da chancela judicial por meio da homologação, com base no art. 167 da Lei Federal n.º 11.101/2005.
Assim, na hipótese da empresa devedora optar pela homologar judicialmente do simples acordo este passa a ter tratamento de “plano de recuperação extrajudicial” e, portanto, com a sentença proferida, passa a constituir título executivo extrajudicial (art. 784, inciso VIII do Código de Processo Civil 2015) conforme disposto no art. 161, § 6.º da Lei 11.101/2005. Oportuno informar que na hipótese de previsão de alienação de ativos, este será realizado sem os benefícios insculpidos no art. 141 da Lei Recuperacional.
Todavia, faz-se necessário esclarecer que o pedido de homologação do plano de recuperação extrajudicial não incorre na suspensão de direitos, ações ou execuções, assim como, não impede o ajuizamento do pedido de falência pelos credores que não estejam sujeitos ao referido acordo de reestruturação (art. 161, § 4.º da Recuperacional).
Destaque-se, que a Lei 11.101/2005 aponta a existência de duas espécies de Recuperação Extrajudicial: (i) meramente homologatória e (ii) impositiva, insculpidas, respectivamente, nos arts. 162 e 163 da Lei Federal n.º 11.101/2005 e serão estudadas separadamente a seguir.
Iniciando a análise da espécie meramente homologatória, verifica-se que a Lei 11.101/2005, em seu art. 161, caput, determina que a empresa devedora comprove o exercício regular das suas atividades empresariais há mais de 02 anos na data do pedido (art. 48, caput, da Lei 11.101/2005), ou seja, apresente a sua inscrição regular e ativa perante o Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede (arts. 967 e seguintes do Código Civil).
Oportuno esclarecer que o procedimento recuperacional – judicial ou extrajudicial – é aplicável para qualquer (i) empresário e (ii) sociedade empresária, exceto aquelas que estejam no âmbito da empresa pública e a sociedade de economia mista; da instituição financeira pública ou privada, da cooperativa de crédito, do consórcio, da entidade de previdência complementar, da sociedade operadora de plano de assistência à saúde, da sociedade seguradora, da sociedade de capitalização e de outras entidades legalmente equiparadas às anteriores, conforme disposição expressa no art. 2.º Lei Federal n.º 11.101/2005.
A exclusão de referidos entes do tratamento da Lei Federal 11.101/2005 justifica-se pelo fato de que seu tratamento é realizado em legislação especial e sob a égide do “Conselho Monetário Nacional e Banco Central do Brasil, responsáveis pelo Sistema Financeiro Nacional, intervir diretamente quando apresentam dificuldades econômico-financeiras, tendo em vista que a falta de confiabilidade em tais instituições pode resultar em crise de todo o sistema”, esclarece Filho (2005, p. 52).
O empresário é aquele que “exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”, conforme disposto no art. 966 do Código Civil. Já a sociedade empresária pode ser definida como “a reunião de pessoas que tem como objetivo exercer profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços, que vise o lucro a ser partilhado entre as pessoas que a integram, ou exercer profissão que constitua elemento de atividade organizada em empresa” (art. 966, parágrafo único, Código Civil).
No que tange aos requisitos objetivos, a empresa devedora deverá demonstrar, ainda, que não é falido e se o foi, há decisão transitada em julgado declarando as responsabilidades extintas; não ter se beneficiado da recuperação judicial há menos de 05 anos, da recuperação extrajudicial há menos de 02 anos e da recuperação especial há menos de 08 anos; não ter sido condenado por crime falimentar (art. 48, incisos I a IV).
Cumpridos os referidos requisitos objetivos e subjetivos, o pedido de homologação do plano de recuperação extrajudicial será direcionado para o juízo do local do principal estabelecimento da empresa devedora ou de sua filial, caso a sua sede esteja localizada no exterior (art. 3.º da Lei Federal n.º 11.101/2005). No seu requerimento de homologação, a empresa devedora precisará (i) justificar o seu pedido e (ii) instruí-lo com o termo de acordo com assinado por todos os aderentes da renegociação proposta (art. 162).
Em análise da homologação impositiva destaca-se nessa espécie a possibilidade de obrigar todos os credores por ele abrangidos, signatários e não signatários. Mas como será possível impingir a adesão aos credores não interessados na subscrição do acordo firmado entre a empresa devedora e os credores aderentes?
Nos termos do art. 163 da Lei 11.101/2005, a empresa devedora deverá comprovar que o acordo firmado foi assinado por credores que representem mais de 3/5 (três quintos) de todos os créditos de cada classe aderente, dentre as apontadas no art. 83, incisos II, IV, V, VI e VIII da Lei Federal n.º 11.101/2005.
E, para fins de apuração do percentual previsto no art. 163, caput, (i) os crédito que não forem incluídos pela empresa devedora no plano de recuperação judicial não serão considerados e manterão o seu valor e condições de pagamento inalteradas; (ii) o crédito em moeda estrangeira será convertido para moeda nacional pelo câmbio da véspera da data da assinatura do plano; e (iii) haverá a desconsideração de créditos detidos por sócios do devedor, as sociedades coligadas, controladoras, controladas ou as que tenham sócio ou acionista com participação superior a 10% (dez por cento) do capital social do devedor ou em que o devedor ou algum de seus sócios detenham participação superior a 10% (dez por cento) do capital social, conforme orientação do pelas pessoas indicadas no art. 43 da Lei 11.101/2005.
Destaque-se que o plano de recuperação extrajudicial que previr a alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia ou a sua substituição somente serão admitidas com a comprovação de concordância expressa do credor detentor, em conformidade com o disposto no art. 163, § 4.º da Lei Recuperacional.
Por conseguinte, a empresa devedora ao requerer a homologação impositiva do plano de recuperação judicial, deverá cumprir os requisitos exigidos para a espécie meramente homologatória, acrescidos dos documentos elencados no art. 163, § 6.º, incisos I a III da Lei Recuperacional:
(i) a exposição da situação patrimonial do devedor, para conhecimento por todos os interessados;
(ii) as demonstrações contábeis do último exercício social (12 meses) e as levantadas especialmente para instruir o pedido, confeccionadas com estrita observância da legislação societária aplicável e composta obrigatoriamente de: (ii.i) balanço patrimonial, (ii.ii) demonstração de resultados acumulados, (ii.iii) demonstração do resultado desde o último exercício social e (ii.iv) relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção;
(iii) a relação nominal e completa dos credores, incluindo os respectivos endereços, a natureza e o valor atualizado do crédito, discriminando a sua origem, o regime dos respectivos vencimentos e a indicação dos registros contábeis de cada transação; e
(iv) comprobatórios dos poderes dos signatários do documento para novar ou transigir.
Tendo a empresa devedora cumprido com os requisitos inerentes à espécie de homologação pretendida, inicia-se a fase processual, seguindo-se as orientações dispostas no art. 164 e seus parágrafos, de forma a conduzir o processo para a prolação de sentença concedendo ou não o pedido de homologação da recuperação extrajudicial.
Com a distribuição e o recebimento da ação, o Juiz determinará a publicação de edital, no Diário Oficial e em Jornal Local da sede e das filiais da empresa devedora, com o objetivo de convocar os credores para apresentar oposição, no prazo 30 (trinta) dias, contados da efetiva publicação do edital, ao pedido de homologação do Plano de Recuperação Extrajudicial formulado pela empresa devedora. Neste mesmo prazo, os credores deverão comprovar o seu interesse processual para o pedido e apresentar os documentos comprobatórios do seu crédito.
Cumpre ressaltar que a Lei Federal n.º 11.101/2005, em seu art. 164, § 3.º, expressamente aponta as matérias que poderão ser alegadas em sede de impugnação, quais sejam: (i) não preenchimento do percentual mínimo (art. 163, caput) para que se inclua obrigatoriamente o credor no plano de recuperação extrajudicial; (ii) a prática de atos de falência (art. 94), ou que configurem a intenção de prejudicar credores, com prova do conluio fraudulento entre o devedor e o terceiro, bem como do efetivo prejuízo sofrido pela massa falida (art. 130); (iii) o descumprimento de requisitos previstos na Lei Recuperacional ou de qualquer outra exigência legal.
Diante da apresentação da oposição e após a manifestação da empresa devedora, os autos serão remetidos para a conclusão, onde serão apreciados os argumentos trazidos. Se houver o afastamento de todas as impugnações, o plano será homologado. O entendimento jurisdicional será proferido por meio de sentença, contra a qual pode ser interposto o recurso de apelação sem efeito devolutivo.
Conforme destaca Pantano (2006) o prévio pedido de falência contra o devedor, a existência de protestos ou de dívida vencida e não quitada não impedem a homologação do plano de recuperação extrajudicial, impeditivos existentes no Decreto-Lei n.º 7661/45, em relação à figura da concordata.
Ressalve-se, ainda, que na hipótese de rejeição do pedido de homologação: (i) ficam preservados os direitos dos credores aderentes de exigir seus créditos nas condições originais e anteriores à adesão; (ii) não ocorre a decretação da falência da empresa devedora, podendo a sociedade empresária apresentar novo plano para apreciação pelo Juízo, em conformidade com o disposto no art. 164, § 8.º da Lei Recuperacional.
Apresentadas as minúcias do instituto da Recuperação Extrajudicial entende-se pertinente demonstrar as suas vantagens quando comparado ao procedimento da Recuperação Judicial, mais amplo e complexo:
(i) o procedimento é simples, objetivo e célere, no qual o devedor convida os credores para propor a renegociação da dívida, repactua as condições de pagamento originalmente contratadas e reestrutura a sua atividade empresarial, levando ao Juízo para a homologação (simples ou imposta);
(ii) a sociedade empresária devedora não carrega a estigma de “Empresa em Recuperação Judicial” (art. 69), prenotada em todos os seus cadastros junto aos órgãos financeiros até que cumpra se cumpram todas as obrigações previstas no plano, situação que afugenta investidores e concessão de crédito;
(iii) após a homologação do plano não haverá fiscalização judicial de seu cumprimento pelo devedor, uma vez que a desídia do devedor não enseja a quebra da empresa e os credores poderão executar o título executivo formado pela sentença, tendo por base o acordo que discrimina as condições de quitação do crédito;
(iv) nesta modalidade de recuperação, o plano de reestruturação pode prever deságio, dilação de prazos de pagamentos, alienação de ativos, converter da dívida em ações ou em debêntures sem deságio em relação ao valor atual, do mesmo modo que faria na Recuperação Judicial (Mandel e Menezes, 2016).
(v) a empresa devedora tem a possibilidade de convidar a classe de credores que lhe convier para promover a reestruturação da dívida (com garantia real, com privilégios, quirografários);
(vi) não há necessidade de nomeação de um Administrador Judicial e nem o pagamento dos seus honorários pelo prazo de 02 (dois) anos, período este em que o profissional ou a empresa especializada exercerá as atividades discriminadas no art. 22 da Lei Federal 11.101/2005, como por exemplo a fiscalização das atividades da empresa devedora;
(vii) o Ministério Público não precisa acompanhar os atos processuais e procedimentais da Recuperação Judicial, limitando sua atuação na hipótese de haver indícios da prática de crime falimentar, oportunidade em que poderá oferecer denúncia;
(viii) embora a previsão legal insculpida no art. 161, § 4.º da Lei Recuperacional, tem-se constatado que os juízes proferido decisões nas quais se concede a suspensão de direitos, ações ou execuções e rejeitado os pedidos de falência formulados por credores sujeitos – ainda que discordantes – ao plano de recuperação extrajudicial, até decisão final sobre a concessão ou não do pedido, conforme pode ser verificado nos autos n.º 1058981-40.2016.8.26.0100 e nº 1003856-87.2016.8.26.0100 em tramite nas Varas Especializadas de Recuperação e Falência do Tribunal de Justiça de São Paulo (Mandel e Menezes, 2016).
Não se olvida que o procedimento da Recuperação Extrajudicial ainda não está entre os procedimentos mais utilizados para acelerar a reestruturação econômico-financeira da empresa em crise financeira instalada e/ou na iminência. Tem-se notícia de que desde a entrada em vigência da Lei 11.101/2005 poucos pedidos de Recuperação Extrajudicial tenham sido distribuídos para obter a chancela judicial.
Essa realidade precisa ser modificada. Os profissionais atuantes da área de reestruturação precisam se conscientizar e demonstrar aos seus clientes que dependendo da situação econômica que a empresa enfrenta não, necessariamente, precisa lançar mão do procedimento da recuperação judicial – sempre tão custosa, burocrática e incerta – para solucioná-la
Conforme ensina De Paiva (2005, p. 568), a Recuperação Judicial deve ser utilizada apenas e tão somente quando (i) o percentual mínimo de adesão ao plano de recuperação extrajudicial não for atingido; (ii) o perfil da dívida não for adequado para a utilização da recuperação extrajudicial; (iii) o devedor tiver débitos tributários a parcelar; (iv) o plano contemplar a alienação de ativos sem a sucessão do arrematante nas obrigações do devedor; e nos casos em que (v) o plano inclua ajustes de natureza operacional que requeiram uma fiscalização mais adequada.
CONCLUSÃO
O legislador apresentou uma medida inovadora para a solução da crise econômico-financeira pontual ou iminente suportada pela empresa devedora, qual seja, a repactuação das condições de pagamento da dívida vencida e inadimplida, levando-se em consideração as classes de credores e a possibilidade de sujeição aos efeitos do plano de recuperação extrajudicial aos credores dissidentes, a partir do momento em que houvesse os aderentes representassem mais de 60% (sessenta por cento) do total de créditos de cada classe.
Neste trabalho foi demonstrado que o procedimento é célere, apresenta baixo custo, reduz o desgaste da negociação com os credores, uma vez que a empresa devedora pode convidar determinados credores para uma composição e a chancela judicial da homologação dos termos acordados traz segurança a ambos os participantes da reestruturação; ao credor, porque tem a oportunidade de requerer benefícios adicionais ou pode apresentar outras formas de quitação do crédito, além de que na hipótese de inadimplemento da devedora poderá executar o título executivo formado com a sentença transitada em julgado; e à empresa devedora que poderá solucionar um problema financeiro sem ter a estigma de empresa em dificuldade financeira (ou “em recuperação judicial”) pelo período do cumprimento do plano e na hipótese de não conseguir cumprir o plano aderido, não terá a sua falência decretada.
Embora haja vantagens para ambos os contratantes, a ferramenta extrajudicial ainda é renegada em razão de uma insegurança legal, disposta no art. 161, § 4.º da Lei 11.101/2005, que não promove a suspensão de direitos, ações ou execuções, nem a impossibilita a decretação de falência pelos credores não sujeitos ao plano de recuperação extrajudicial, durante a apreciação judicial do pedido de homologação do plano de recuperação extrajudicial.
Embora haja esforços dos magistrados em primeira instância, concedendo liminares contra o disposto no mencionado artigo, o fato é que se trata de uma decisão subjetiva do entendimento de cada julgador, não se podendo garantir que todas as empresas devedoras terão a suspensão necessária do direito de cobrança dos credores sujeitos – ainda que discordantes até a decisão sobre a concessão ou não da Recuperação Extrajudicial, sem que a lei seja alterada para prever expressamente esse direito até a decisão final deferindo ou não a recuperação extrajudicial.
Pitombo (2009, p. 549) aponta a “possibilidade de declaração de ineficácia ou revogação dos atos validamente praticados no âmbito do Plano de Recuperação Extrajudicial, ainda que homologado judicialmente” como uma fator de desconfiança dos empresários. E sugere a alteração da Lei Federal n.º 11.101/2005 para fazer constar a previsão, neste capítulo, dos atos já praticados, algo semelhante ao art. 61, § 2.º, que estabelece “falência, os credores terão reconstituídos seus direitos e garantias nas condições originalmente contratadas, deduzidos os valores eventualmente pagos e ressalvados os atos validamente praticados no âmbito da recuperação judicial”.
Outro incentivo à utilização da Recuperação Extrajudicial consiste em uma alteração na Lei, em que se estabeleça que na alienação de ativos, o arrematante não suportará qualquer ônus e nem sucederá o devedor em suas obrigações, desde que sejam observadas o disposto nos arts. 141 e 142 da Lei Federal n.º 11.101/2005.
Desse modo, constata-se que apesar da excelente proposta do legislador, faltam ainda alguns ajustes na legislação referente ao procedimento da Recuperação Extrajudicial que incentive os empresários a utilizar esta ferramenta sentido mais segurança para promover a reestruturação econômico-financeira de forma mais célere e rápida, sem depender sempre dos recursos da Recuperação Extrajudicial e sem se expor aos desgastes que a utilização desta última promove na imagem e no fluxo de caixa da empresa.
REFERÊNCIAS
Abrão, C. H.; Toledo, P. F. C. S. 2005. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. Saraiva, São Paulo, SP, Brasil.
Araújo, J. F. 2009. Comentários à Lei de Falências e Recuperação de Empresas. Saraiva, São Paulo, SP, Brasil.
Brasil. Lei 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm. Acesso em: 08 nov. 2016.
De Lucca, N; Domingues, A. A. Direito Recuperacional: Aspectos Teóricos e Práticos. vol. 1. Quartier Latin, São Paulo, SP, Brasil.
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Publicado originalmente na Revista Âmbito Jurídico
VIEIRA, Aline Mirna Barros. A recuperação extrajudicial como meio de reestruturação da empresa em crise atual ou iminente. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XXI, n. 169, fev 2018.
Aline Mirna Barros Vieira é Advogada Empresarial. Conciliadora e Mediadora Judicial. Autora de artigos jurídicos. Graduada em direito. Graduanda em ciências contábeis. Pós-graduada em direito processual civil, em direito empresarial, em direito contratual e em recuperação de empresa e falência. MBA em gestão estratégica de negócios. Atuação profissional estratégica em projetos jurídicos consultivos e contenciosos e gerenciamento de risco (jurídico, compliance e sustentabilidade). Membro da Comissão de Estudos sobre Falência e Recuperação de Empresa da OAB Campinas / SP.