A Inclusão Tardia de Empresas no Polo Ativo da Recuperação Judicial: Uma Análise sobre o Litisconsórcio Ativo e a Segurança Jurídica nos Grupos Econômicos

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A Baixa Aderência à Nova Norma Contábil e seus Impactos no Cenário de Liquidação Empresarial
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*Thamara M. Belinatti e Heloisa Nogueira Engel –

 

O direito falimentar e recuperacional é como uma caixa de pandora, cujo conteúdo pode tanto surpreender quanto assustar, a mais nova questão (não tão nova assim) é o litisconsórcio ativo presente nos pedidos de Recuperação Judicial. A discussão voltou como pauta devido à recente decisão do Superior Tribunal de Justiça no Resp de nº 2.001.535[1], no processo de Recuperação Judicial do grupo empresarial Dolly que, após diversas discussões dentro dos autos ajuizados em 2018, incluiu tardiamente ao pedido mais uma empresa do grupo.

Sabe-se que a Lei 11.101/05[2] originalmente não previa de forma expressa a possibilidade de litisconsórcio ativo na recuperação judicial, não obstante, a doutrina e jurisprudência utilizavam-se do artigo 189 da mesma carta normativa, que deliberava a aplicação subsidiaria do Código de Processo Civil quando houvesse lacunas na LREF, ocasião perfeita para a valência da disciplina da possibilidade de dois indivíduos acharem-se no mesmo polo.

Com a reforma da lei pela Lei 14.112/20, essa possibilidade foi explicitamente prevista, mediante o cumprimento de certos requisitos, estipulando duas figuras do litisconsórcio dentro da Recuperação Judicial, a Consolidação Processual e a Consolidação Substancial.

Em suma, a Consolidação Processual é configurada para o ganho de economia processual do grupo econômico de maneira alternativa, assim, aquelas Pessoas Jurídicas que estiverem em dificuldades econômico-financeiras e cogitarem postular Recuperação Judicial, podem realizá-la em litisconsórcio ativo. Assim, entende também o Ilustríssimo Professor Marcelo Sacramone:

Nesses casos, possível que uma ou algumas das sociedades integrantes desse grupo de fato sejam acometidas por crise econômico-financeira e pretendam obter recuperação judicial. A pretensão poderá ser exercida em litisconsórcio como mera ALTERNATIVA para que os empresários possam reduzir os custos processuais e suas despesas com a recuperação judicial.[3]

Por outro lado, a Consolidação Substancial se caracteriza pela confusão patrimonial que o juiz reconhece no curso do processo judicial. Nesta situação, o grupo econômico é intimado a incluir todas as empresas na Recuperação Judicial por meio de litisconsórcio necessário. Esse mecanismo é fonte de grande controvérsia, pois, ao exigir a consolidação substancial, pode-se entender que há uma interferência na autonomia dos empresários para gerir suas empresas de maneira independente, o que evidência as dificuldades de procurar os limites entre a publicidade e transparência da Recuperação e a autonomia da vontade regida pelo direito privado.

Sabe-se que a Recuperação Judicial exige transparência e publicidade para que os credores, o judiciário e demais interessados acompanhem o andamento do processo e se certifiquem da viabilidade das ações da empresa em crise. O princípio da transparência, determinado na recuperação judicial, serve para informar aos credores sobre as condições reais da empresa, os planos para superar a crise e a perspectiva de pagamento das dívidas. As empresas em recuperação devem apresentar seus documentos contábeis, fiscais e o plano de recuperação detalhado, que é submetido à aprovação dos credores. Essa abertura busca equilibrar as relações entre devedores e credores, promovendo a confiança no processo e permitindo uma participação ativa dos credores nas decisões que afetam seus créditos.

Por outro lado, a autonomia da vontade no direito privado dá aos sócios e administradores o direito de decidir, dentro de sua liberdade contratual e organizacional, como gerir e estruturar suas atividades empresariais e em tese se querem ou não seguir com a consolidação das empresas. Esse princípio assegura que, em condições normais, as empresas têm o poder de determinar seu curso sem intervenção externa, desde que respeitem as normas legais e os direitos de terceiros.

Na recuperação judicial, porém, a autonomia da vontade dos sócios sofre limitações ao enfrentar as exigências de transparência e o controle judicial, como por exemplo a consolidação substancial. Os sócios podem desejar limitar o acesso a certas informações estratégicas ou determinar um curso de ação distinto desde que justificável, mas o processo recuperacional exige que suas escolhas respeitem a necessidade de informação dos credores e os parâmetros estabelecidos pelo judiciário.

Esse equilíbrio entre a publicidade e a autonomia da vontade é, portanto, sempre um desafio, os sócios mantêm certa liberdade para propor estratégias de recuperação e gestão do negócio, estabelecendo quais empresas irão demandar o instrumento recuperacional, como serão quitados os débitos, deságio dos pagamentos, quais seus credores, entre diversas outras questões a serem esgotadas no Plano, mas estão sujeitos ao crivo dos credores e à supervisão judicial (art. 66, LRFE), que atuam para evitar abusos, fraudes e assegurar que o plano de recuperação seja exequível e transparente.

A jurisprudência brasileira tende a reforçar a ideia de que a transparência deve prevalecer, entretanto, sendo muito importante destacar de que muitas vezes a confusão patrimonial se trata de má gestão ou até mesmo desorganização. Há casos e casos e nem tudo é fraude, sendo que nos casos que tais atos sejam comprovados, a sanção cabível deverá ser aplicada em sua medida e proporção.

Neste caminhar, com base no precedente que inspirou o presente artigo, no caso do grupo econômico Dolly, a desconsideração da separação patrimonial entre empresas constituiu um instrumento de equidade à disposição do magistrado, pois foi constatada a existência de dívida trabalhista e tributária gerada por todo o grupo[4], naquele CNPJ específico.

Diante desta constatação de confusão patrimonial, é poder-dever do juiz, mesmo de ofício, ordenar a unificação dos ativos e passivos, alheio à vontade das partes envolvidas, pois no caso se tratou de medida destinada a preservar os direitos dos credores, assegurando que não sejam lesados por uma distinção meramente formal entre patrimônios que, na realidade, mostraram-se indissociáveis. Todavia, salienta-se que a análise sempre deverá ser feita caso a caso.

 

Thamara M. Belinatti, estudante de direito na Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Estagiária no escritório de Advocacia Nogueira Engel Sociedade de Advogados (NOEN). thamara@nogueiraengel.com.br

Heloisa Nogueira Engel, Advogada sócia do escritório Nogueira Engel Sociedade de Advogados, formada pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, especialização em Law Economics pela Universidade de Augsburg – DE, Coordenadora do Núcleo de Recuperação Judicial na Comissão da OAB Jovem de São Paulo, membra do IAB (Instituto dos Advogados Brasileiros).

 

 

[1] STJ – Consulta Processual, Stj.jus.br, disponível em: <https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=202102707635&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea>. acesso em: 18 nov. 2024.

 

[2] Lei nº 11.101, Planalto.gov.br, disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm>. acesso em: 18 nov. 2024.

 

[3] Sacramone, Marcelo Barbosa. Comentários à lei de recuperação judicial de empresas e falência. 5 ed. São Paulo: SaraivaJur, 2024.

[4]. (TJ-SP – AI: 21708794520198260000 SP 2170879-45.2019.8.26.0000, Relator: Maurício Pessoa, Data de Julgamento: 30/01/2020, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 30/01/2020).

 

 

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