A Impugnação de Crédito na Lei 11.101/05: Prazo de Manejo Peremptório?

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*Ana Carolina Andrade Neves Carneiro da Cunha  / Felipe Roberto dos Santos Pinto 

As ações incidentais de crédito são instrumentos ligados diretamente à formação do Quadro Geral de Credores da Falência e da Recuperação Judicial. São elas que garantem aos interessados[1], após a publicação do 2º Edital de Credores, discutir a inclusão, exclusão ou modificação dos créditos arrolados e suas respectivas classificações.

A Lei 11.101/05 coloca à disposição do credor, de forma ordinária, a Habilitação de Crédito Retardatária (art. 10) e a Impugnação de Crédito (art. 8º), enquanto prevê, de forma extraordinária, a possibilidade de manejo de Ação Ordinária (art. 19). Na prática, todas essas figuras possuem diferentes efeitos, tempo e requisitos de manejo.

Em 15 (quinze) anos da LFRE, a prática forense revela que os agentes envolvidos em processos de insolvência passaram a se importar mais com a análise da natureza desses incidentes de crédito, justamente, como dito, pelas sensíveis diferenças entre as figuras, como também por elas se encontrarem ligadas, de certa forma, à manutenção da paridade de credores, que deve ser observada tanto na Recuperação Judicial, quanto na Falência[2].

Se o interessado fica, por exemplo, impedido de lançar mão da discussão sobre o crédito, isso pode traduzir, na prática, em mais dispêndio à Recuperanda ou à Massa Falida ou prejuízo ao credor[3], justificando a mencionada preocupação com o equilíbrio do procedimento falimentar.

 E, nessa seara, é importante entender que a natureza da ação que discutirá o crédito é definida pelas circunstâncias em que ela é manejada, possibilitando que o interessado saiba, de antemão, qual será, e suas vantagens e desvantagens. Tratando-se, mais especificamente, da Impugnação de Crédito, a doutrina indica que, para o incidente ser assim classificado, deve-se pressupor a participação prévia na fase administrativa de créditos, ainda que indiretamente.

O professor Manoel Justino, em sua obra “Lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/05 comentada artigo por artigo”[4], descreve o seguinte sobre a legitimidade:

  1. A partir da publicação deste edital com a relação dos credores, que configura a segunda lista, os créditos podem ser impugnados pelas pessoas relacionadas no caput do artigo sob exame – somente neste momento é que há acionamento da jurisdição, pois até então, os atos todos são praticados ante o administrador. (…) Se o administrador omitir o nome ou o crédito de algum credor que tenha se habilitado no prazo de 15 dias do § 1.º do art. 7.º, deverá este apresentar impugnação, que será processada em autos apartados. O mesmo procedimento deve adotar os credores ou interessados que foram incluídos na lista mas que, por qualquer motivo, tenham discordância acerca da importância, classificação ou legitimidade do crédito. No entanto, o credor apenas poderá apresentar impugnação se tiver cumprido o § 1.º do art. 7.º e tiver apresentado habilitação ou divergência; evidentemente, poderá também apresentar impugnação se o que constar na segunda lista divergir do que constava na primeira lista. (…)”.

A partir disso, com clara definição de quem poderá se valer da Impugnação de Crédito, passou-se a discutir se haveria a sua figura retardatária – tal como a da Habilitação de Crédito –, para que o interessado, em atraso, pudesse rediscutir, judicialmente, o que foi embatido durante a formação do 2º Edital de Credores.

Parte da doutrina não aceita essa hipótese, citando-se, como exemplo, Marcelo Barbosa Sacramone[5] e Paulo Fernando Campos Salles de Toledo e Adriana Valéria Pugliesi[6]. O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, não pacificou a matéria, mas, muito recentemente, por meio do julgamento do REsp 1.704.201/RS, com acórdão de Relatoria da Ministra Nancy Andrighi, seguiu a mesma linha, mas sem dar contornos do que, no futuro, possivelmente restará assentado em julgamento mais amplo.

No julgamento, que se deu por maioria[7], como também nos ensinamentos do professor, há aceitação pelo caráter peremptório do prazo do art. 8º da LFRE, posto que a norma traz “regra de aplicação cogente, que revela, sem margem para dúvida acerca de seu alcance, a opção legislativa a incidir na hipótese concreta” (trecho da ementa do acórdão).

Parece-nos razoável o julgamento dado pelo Tribunal da Cidadania e que, portanto, o prazo seja peremptório, tendo analisada, cada Impugnação de Crédito, a sua tempestividade. Pressupõe-se, como explicado, que o interessado que maneja Impugnação de Crédito participou da fase administrativa de verificações de crédito e, por isso, tem como obrigação o acompanhamento de seu resultado – tal como autores e réus acompanham os resultados dos litígios aos quais estão vinculados.

A Impugnação de Crédito tem, como principal ponto de vantagem, a ausência de custas – vez que a Lei 11.101/05 indica essa hipótese, apenas, para a Habilitação de Crédito Retardatária (art. 10, §3º)[8] – e, para que o interessado se valha da vantagem, é bastante coerente e equilibrado que os atos sejam manejados no tempo adequado.

Aliás, esse agir no tempo correto não se trata apenas de vantagem ao interessado: ele resguarda, também, o princípio constitucional da segurança jurídica (art. 5º, inciso XXXVI, da Carta Magna), não deixando a Massa Falida ou a Recuperanda à mercê dos legitimados, que, a qualquer momento, poderiam concretizar a ameaça de ajuizar a renovação da discussão acerca de determinado crédito.

A formação do Quadro Geral de Credores é de interesse coletivo, razão pela qual o cumprimento dos prazos estabelecidos faz parte do processo de acelerar essa conclusão, já bastante demorada na prática. Sobre esse assunto, Marlon Tomazette[9] escreve:

A nosso ver, a impugnação retardatária, qualquer que seja o seu objeto, não poderá ser processada. É comum no Direito o estabelecimento de prazos fatais para o exercício de atos processuais, inclusive para o ajuizamento de ações. Por mais curto que seja, não há como afastar a interpretação de que o prazo para apresentação da impugnação é peremptório. A exiguidade do prazo é apenas uma tentativa de agilizar esse processo, em atenção aos princípios da celeridade e da economia processual.

 

Importante consignar que o manejo a qualquer tempo da Habilitação de Crédito Retardatária, a nosso ver, não causa desequilíbrio frente ao prazo da Impugnação de Crédito, pois aquele primeiro crédito não teve a vantagem da análise prévia; apenas tomou conhecimento do procedimento recuperacional ou falimentar de forma atrasada e, no caso da falência, não participará dos rateios já feitos; e, por fim, arcará com custas processuais.

Voltando-se à prática, entretanto, fato é que, por vezes, mesmo o crédito tendo sido alvo de análise na fase administrativa de créditos e com a participação direta do credor, não havia todos os elementos necessários ao perfeito processamento da Impugnação de Crédito, tornando-se, já depois do prazo do art. 8º da LFRE, evidente a necessidade de reanálise da quantia arrolada. Cita-se, como exemplo disso, fato visto de forma diária na Recuperação Judicial e Falência: os julgamentos supervenientes de Reclamações Trabalhistas.

O crédito trabalhista, e tantos outros, não necessitam de declaração judicial para serem existentes, podendo existir o arrolamento com base na documentação formada extrajudicialmente. Entretanto, havendo o ajuizamento da demanda e sendo reconhecida nova quantia, sendo ou não mais vantajosa ao credor, obviamente a declaração judicial precisará ser observada, não existindo outra forma senão permitir aos interessados a possibilidade de manejo do incidente de crédito, ainda que de forma extemporânea ao prazo do art. 8º da LFRE.

Nesse sentido, como forma de resolver essa problemática, é preciso relativizar nossa posição, para que ela não crie uma barreira de acesso à justiça. Propõe-se, tal como a Corte da Cidadania fez no REsp 1.704.201/RS, uma superação da regra legal de forma excepcional quando observadas, exatamente como a Relatora Ministra Nancy Andrighi colocou, “determinadas condições específicas, tais como elevado grau de imprevisibilidade, ineficiência ou desigualdade”.

A reflexão deve ser tida no âmago do Juízo Recuperacional e Falimentar, de modo que ele chegue à conclusão em que termos se está aceitando a Impugnação de Crédito extemporânea; se a resposta for que o ato se dá por fundada justificativa e razoabilidade, tal como a impossibilidade daquele combate ter se dado em tempo anterior, tem-se revelado o grau de imprevisibilidade, ineficiência ou desigualdade e, portanto, a possibilidade de superação da regra legal.

A posição não poderia ser outra, aliás. A fase de verificação de créditos, seja ela a administrativa ou a judicial, deve ser instrumento seguro, facilitador e de justiça entre credores e devedores, com observância à celeridade e economia processual. Como já dito, é interesse coletivo a rápida conclusão dessa fase. Nesse sentido são, mais uma vez, os ensinamentos do professor Manoel Justino[10]:

  1. O interesse da Lei é que o processo caminhe de forma segura e rápida, em direção a seu final, e, por isso, traz estímulos às partes para que cumpram os prazos. No entanto, supondo que, como ocorre até de forma comum, os prazos de habilitação não sejam respeitados, a Lei admite a habilitação retardatária, trazendo, porém, uma série de limitações a esses credores, exatamente para estimulá-los à observância rigorosa dos prazos. 2. Não há estabelecimento expresso de prazo após o qual a habilitação retardatária não mais poderá ser aceita. No entanto, o § 5.º do art. 10 estabelece que serão regularmente processadas as habilitações retardatárias apresentadas até o momento da homologação do quadro-geral de credores. Já o § 6.º do mesmo art. 10 estabelece que, após tal homologação, deve a parte interessada valer-se de ação ordinária. Em consequência, este é o prazo para habilitação do credor retardatário sem necessidade de ajuizamento de ação de rito ordinário, ou seja, até o momento da homologação do quadro-geral de credores.

Assim, em uma coletânea de todos os julgamentos e ensinamentos doutrinários, conclui-se que é possível propor o prazo do art. 8º da Lei 11.101/05 como peremptório e, consequentemente, ter-se a análise de tempestividade de cada Impugnação de Crédito manejada, para que se obste o processamento daquelas em que o interessado, mesmo podendo apresenta-la, não o fez por sua desídia. Por outro lado, cabe a relativização, na medida em que se encontre, na prática, o grau de imprevisibilidade, ineficiência ou desigualdade, caso em que, de rigor e em extrema excepcionalidade, haverá a superação da regra legal.

Espera-se, com essa proposta, que sejam respeitados o equilíbrio, segurança, celeridade e economia processuais, mas, principalmente, o equilíbrio entre os credores, de forma que algumas discussões de crédito não sejam mais privilegiadas que outras, mesmo se encontrando no mesmo patamar.

 

Ana Carolina Andrade Neves Carneiro da Cunha é advogada, atuante na área do direito bancário e empresarial, com ênfase em recuperação de grandes créditos. Graduada pela Universidade do Sul de Santa Catarina e pela Adtalem Global Education (2016) e pós-graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBET (2018). Membra efetiva da Comissão de Estudos em Falência e Recuperação Judicial da 3º Subseção – Campinas – da OAB/SP.

Felipe Roberto dos Santos Pinto é advogado, atuante na área do direito empresarial, com ênfase em Recuperação Judicial e Falência. Graduado pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo (2014) e pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil pela Adtalem Global Education (2018). Membro efetivo da Comissão de Estudos em Falência e Recuperação Judicial da 3º Subseção – Campinas – da OAB/SP.

[1] Art. 8º No prazo de 10 (dez) dias, contado da publicação da relação referida no art. 7º, § 2º, desta Lei, o Comitê, qualquer credor, o devedor ou seus sócios ou o Ministério Público podem apresentar ao juiz impugnação contra a relação de credores, apontando a ausência de qualquer crédito ou manifestando-se contra a legitimidade, importância ou classificação de crédito relacionado.

 

[2] Enunciado nº 81 da II Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal: Aplica-se à recuperação judicial, no que couber, o princípio da par condicio creditorum.

 

[3] O professor Manoel Justino discorre sobre a “correta formação do quadro geral de credores”, já que se “busca compor a configuração do passivo do devedor de acordo com a realidade, tendo em vista que o direito de cada credor individualmente considerado impacta os resultados de toda a recuperação judicial ou da falência.” (in Tratado De Direito Empresarial – Recuperação Empresarial e Falência – 2ª Edição. Revista dos Tribunais, 2018. Cap. IV, item 4).

[4] Lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/05 comentada artigo por artigo. 13. ed. rev., atual. e ampl. Editora Revista dos Tribunais, 2018. Páginas 100 e 101.

 

[5] In. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. Saraiva, 2018. Página 92.

 

[6] In Tratado De Direito Empresarial – Recuperação Empresarial e Falência – 2ª Edição. Revista dos Tribunais, 2018. Página 120.

 

[7] O julgamento por maioria se deu no âmbito da Terceira Turma, mas foram opostos Embargos de Divergência e o recurso ainda não transitou em julgado.

 

[8] Existem legislações estaduais que, mesmo ante a falta de previsão da Lei 11.101/05, taxam a Impugnação de Crédito, mas, a nosso ver, trata-se de desiquilíbrio legislativo.

 

[9] Curso de Direito Empresarial. Vol. 3. 6ª edição. Saraiva Educação, 2018. Páginas 193 e 194.

[10] In Tratado De Direito Empresarial – Recuperação Empresarial e Falência – 2ª Edição. Revista dos Tribunais, 2018. Capítulo II.

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