A função do Administrador Judicial enquanto agente especializado nas Recuperações e Falências

O Administrador Judicial não é o Administrador da Recuperanda
28/06/2019
O Administrador Judicial não é o Administrador da Recuperanda
28/06/2019

Dr. Fernando Pompeu Luccas, presidente da Comissão de Estudos em Falência e Recuperação Judicial

Todos nós, profissionais atuantes na área de Recuperação de Empresas e Falências e conhecedores do dia a dia dos processos, defendemos a grande necessidade de se ter varas especializadas de competência regional, para a melhor condução das ações.

Nas cidades nas quais já existem, verifica-se o ganho de eficiência que se tem quando há juízes especializados e habituados com a matéria, bem como cartórios acostumados com os procedimentos. A diferença nos resultados é incontestável e os estudos específicos já feitos mostram isso.

Porém, a evolução do judiciário para esse cenário de se ter estruturas especializadas regionalizadas no Brasil, apesar de ser uma necessidade imediata, é algo que ainda pode demorar um certo tempo.

Diante disso, o papel do Administrador Judicial no exercício de suas funções transversais, principalmente quando atua em comarcas nas quais não há juízos especializados, mostra-se fundamental para o regular processamento das demandas, posto que, independente de não haver um juiz e um cartório especializado, o suporte adequado prestado pelo Administrador pode, mesmo não suprindo totalmente, pelo menos amenizar consideravelmente tal lacuna, considerando que exerce função de auxiliar direto do Juízo, sendo também agente especializado na matéria.

Para tanto, é papel fundamental do Administrador Judicial, além de exercer as funções expressas elencadas na Lei 11.101/2005, ter a consciência que deve atuar também como gestor conjunto do processo.

O exercício de gestão conjunta, dentre uma série de fatores, passa pela análise periódica dos autos folha a folha, documento a documento, elaborando controles internos que resumam os autos (tendo em vista o volume de folhas que costumam ter), repassando ao juiz, periodicamente, relatórios que sinalizem todos os pontos constantes dos autos, destacando-se os que pendem de decisão.

Trata-se de papel fundamental, independente, inclusive, se a atuação é em vara especializada ou não, principalmente diante do grande volume de processos que cada juízo tem.

Além dessa gestão folha a folha, o Administrador Judicial, nas situações nas quais existem questões cruciais e complexas para a decisão que podem comprometer os rumos do processo, deve também, de forma contributiva, subsidiar o juízo com os fundamentos mais recentes sobre aqueles pontos, sinalizando as correntes jurisprudenciais e doutrinárias de todos os lados, como forma de trazer mais um auxílio ao juízo na definição das questões.

A decisão, por óbvio, sempre será da convicção do magistrado. No entanto o auxílio do AJ, enquanto agente especializado na matéria, pode ser de suma importância para apresentar todos os possíveis caminhos a serem tomados, bem como, por consequência, para agilizar a decisão, que poderá ser amadurecida mais rapidamente diante dos subsídios trazidos, principalmente, como já dito, quando o processo tramitar em juízo não especializado, não acostumado a lidar com aquelas questões no dia a dia.

Porém, para a atuação transversal de excelência que cada vez mais se espera do Administrador Judicial, que engloba os exemplos acima dentre outros pontos, não basta mais apenas que o AJ se organize como pessoa jurídica especializada e tenha equipe multidisciplinar. Atualmente, além disso, o Administrador deve investir em automação de processos e boa gestão corporativa.

Nessa linha, há que se ter em mente que o uso da tecnologia já não é mais, há muito tempo, apenas uma opção, que as equipes multidisciplinares devem ser bem organizadas e compostas por profissionais especializados e capacitados, a divisão das tarefas deve seguir linhas bem racionais, e, como ponto fundamental para a atuação detalhista que se espera em cada caso, deve-se ter carteira reduzida de processos por advogados/analistas.

Ou seja: sem gestão organizada, sem investimentos pesados em pessoas e em tecnologia, não há como uma pessoa jurídica especializada em Administração Judicial, atualmente, desenvolver o trabalho de suporte e auxílio ao judiciário que se espera.

Para tanto, há também que se tocar em um ponto fundamental da atividade: a remuneração.

Muitas discussões se veem nesse ponto, a maioria em tom de crítica e poucas com o viés de sinalizar a importância desse quesito.

Para o desenvolvimento das atividades que se esperam do Administrador Judicial Moderno nos dias de hoje, faz-se necessário, por óbvio, que se tenha remuneração adequada. Não se pode esperar que uma pessoa jurídica especializada, que recolhe todos os tributos atinentes à atividade, que suporta todos os riscos também atinentes a ela, que se estrutura com profissionais multidisciplinares devidamente registrados em carteira, que investe em automação etc., não tenha honorários adequados às atividades que exerce.

Observando-se o artigo 24 da Lei 11.101/2005, mais especificamente no tocante à sinalização de “valores praticados no mercado para atividades semelhantes”, vê-se que o Administrador Judicial que se estrutura a ponto de ter poucos processos por cada equipe multidisciplinar dedicada (advogado/contador/financeiro), deve receber remuneração similar aos escritórios de grande especialização de mercado, que têm dinâmica similar de atuação (poucos processos por advogado), para atuação pormenorizada e nos detalhes.

Ademais, não se deve perder de vista que se trata de custo processual. Ou seja: tomando por exemplo a Recuperação Judicial, para que haja sua propositura, os honorários do auxiliar do judiciário, que exerce papel fundamental para o regular deslinde do feito e para fiscalização das atividades, evitando desvios, verificando e corrigindo inúmeros créditos, buscando ativos, exercendo funções transversais etc., devem, necessariamente, sempre estar na conta das Recuperandas, considerando-se, inclusive, os benefícios que elas virão a ter com a propositura da ação e a possibilidade de, se viáveis, recuperarem-se.

Posto isso, vê-se que o caminho não deve ser de crítica à remuneração do AJ. Muito pelo contrário: deve-se defender a boa remuneração do Administrador Judicial, porém com a cobrança de que tenha uma estrutura adequada às atividades de excelência que deve exercer e a todo o suporte ao juízo e ao cartório que deve dar.

Por esses e outros motivos que se verifica que o Administrador Judicial, que não está ligado ao orçamento do judiciário, se bem remunerado, não só pode como tem o dever de se estruturar de forma robusta para ser o principal ponto de suporte nos processos de Recuperação Judicial e Falência.

Dessa forma, o Administrador Judicial, tendo consciência que não basta mais apenas ter equipe multidisciplinar, mas sim que deve fazer com que essa estrutura trabalhe com a maior eficiência possível, e que isso passa, necessariamente, por fortes investimentos em automação, estrutura e efetivo adequado para se trabalhar com carteiras reduzidas de processos por profissionais dedicados, poderá, efetivamente, assumindo sua condição de agente especializado, auxiliar na lacuna ainda aberta pela ausência das varas especializadas de competência regional, enquanto elas ainda não forem implementadas.

(Reprodução do artigo publicado originalmente pela Revista Insolvência) 

Fernando Pompeu Luccas – Sócio Diretor da Brasil Trustee. Presidente da Comissão de Estudos em Falência e Recuperação Judicial da OAB/Campinas. Membro do Instituto Brasileiro de Estudos de Recuperação de Empresas – IBR, do Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP, do Instituto Brasileiro de Administração Judicial – IBAJUD, da International Association of Restructuring, Insolvency & Bankruptcy Professionals – INSOL e do Turnaround Management Association – TMA. Especialista em Direito Processual Civil pela PUC/Campinas, em Direito Empresarial pela Escola Paulista de Direito/SP e Recuperação de Empresas e Falências pela FADISP. Professor dos cursos de extensão e pós-graduação da Escola Paulista de Direito/SP e da FADISP. Professor convidado do IBAJUD, do Mackenzie, da Faculdade Damásio de Jesus, da PUC/Campinas e da Escola Superior de Administração, Marketing e Comunicação – ESAMC. Palestrante e autor de obras e artigos sobre temas relacionados ao Direito Empresarial.

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