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09/11/2020A Impugnação de Crédito na Lei 11.101/05: Prazo de Manejo Peremptório?
19/11/2020*Fernando Pompeu Luccas
Não é novidade para ninguém a imensa carga tributária imposta às empresas no Brasil, bem como a necessidade de se reformar esse sistema.
No tocante às empresas em crise, também não é novidade que, em sua maioria, costumam possuir débitos significativos com o fisco.
O que se observa, na prática, é que, no início da crise empresarial (muitas vezes, inclusive, antes de se procurar operações de crédito), as sociedades empresárias deixam de recolher seus impostos, usando esse inadimplemento como uma espécie de “financiamento” de suas atividades, prática que leva à famosa “bola de neve”, acumulando-se, mês a mês, o passivo, que, em muitos casos, chega a se tornar impagável.
Na área de Recuperação de Empresas, quando nos deparamos com esse cenário, vemos, em muitos casos, uma tendência a tentar se proteger a atividade empresarial, em nome da preservação dos empregos etc.
Porém, por outro lado, os efeitos do inadimplemento dos tributos são nefastos, sobre dois principais aspectos: o primeiro, em se considerando a carga tributária exorbitante que temos no país, a ocorrência de concorrência desleal com outros players do mesmo segmento, pois, se o seu concorrente recolhe todos os impostos, e você não faz o mesmo, vê-se uma exorbitante diferença na margem de resultados, o que proporciona, ao inadimplente, oferecer uma condição melhor de preços para o mercado; o segundo, o comprometimento de recursos que deveriam ir para os cofres públicos, que, em última análise, trata-se do dinheiro comum a todos.
É claro que, nesse segundo ponto, existem problemas sérios de desvios de recursos públicos por conta da corrupção e, também, o ineficiente emprego de tais recursos, por conta de má gestão. Porém, corrupção e incompetência na gestão da máquina pública não se tratam de problemas de recursos públicos, mas, sim, de uma questão cultural enraizada no país e da falta de maturidade eleitoral do brasileiro.
Diante desse cenário, no tocante às sociedades em recuperação, o que fazer? Acabar com a Recuperação Judicial para devedores do fisco? Facultar, à Fazenda Nacional, requerer a Falência de uma sociedade em recuperação, caso não consiga pagar seus tributos federais em moldes pré-determinados?
Trata-se de um tema muito difícil de endereçar, pois, conforme exposto, não se deve proteger uma sociedade empresária devedora de tributos a todo custo, sob pena de se ferir a coletividade (em uma esfera macro), bem como sua própria concorrência (em uma esfera específica).
Então, o que fazer? Nesse ponto, o convite à reflexão que se propõe é no sentido da análise da atuação das Fazendas na cobrança dos seus créditos.
Não se pode admitir que as empresas devam seus tributos por longos anos, isso é um fato. Porém, também é um fato que não se pode admitir a inércia e a ineficiência das Fazendas na cobrança de seus créditos pelos mesmos períodos, deixando empresas acumularem passivos imensos durante longos anos, sem uma postura eficiente para a recuperação desses créditos.
Trata-se de senso comum, para quem é especialista em cobrança, que, quanto maior é o atraso, mais difícil se torna a recuperação do crédito. Dessa forma, supor que a maioria das empresas que atualmente se valem do processo de Recuperação Judicial terão condições de pagar os seus tributos em atraso com parcelamentos pré-determinados em tetos de, por exemplo, 120 meses, mostra-se totalmente utópico.
Mas então a solução seria um perdão de dívidas? Obviamente não, pois poderia até estimular, ainda mais, o não pagamento de tributos.
Dessa forma, mostra-se adequado começar a se endereçar essa questão em duas frentes.
A primeira delas, podemos chamar de “tratamento do legado”. Como a questão de se haver muitas empresas com grandes débitos fiscais no Brasil se trata de situação posta, quando uma delas ingressar com pedido de Recuperação Judicial, deve-se pensar em mecanismos que garantam a retomada imediata do recolhimento de tributos a partir do stay period, diante do “efeito caixa” que ele traz, pensando-se em alternativas possíveis para pagamento do débito pretérito, que pode ser, num primeiro momento, a estipulação de uma “data de corte”, como um prazo sugerido de dois anos anteriores ao pedido de Recuperação, para ser pago, aí sim, em um prazo razoável pré-determinado, a se iniciar após a aprovação do Plano de Recuperação, com consequências em caso de inadimplemento. A partir então da quitação desse saldo de débitos de dois anos anteriores ao pedido de Recuperação Judicial, somado à manutenção dos pagamentos fiscais desde o pedido, poder-se-ia se manter os mesmos valores de parcelas, pensando-se numa dinâmica de atualizações, até a quitação do saldo remanescente, que, em muitos casos, certamente transporá décadas, diante das bolas de neve que se verificam na prática.
Porém, essas não seriam condições totalmente diferentes de tudo o que já se viu? Sim, contudo se trata de ônus das Fazendas pela ineficiência nos mecanismos de cobrança dos seus créditos, o que nos levará às reflexões sobre a “segunda frente”.
Na segunda frente, a ideia é que as Fazendas Públicas criem mecanismos melhores para a cobrança de seus créditos na partida, logo no início do atraso, valendo-se, inclusive, de tecnologia, que mostre, no mês contra mês, quando determinada empresa deixa de recolher determinado tributo, gerando “sinais de alerta”, que iniciem mecanismos eficazes de cobrança, em primeiro lugar, de forma administrativa. Para tanto, far-se-ão necessários também esforços no sentido de se pensar em boas estratégias de cobranças administrativas, que, se eficazes, além de recuperar brevemente os créditos, poderão desafogar o judiciário de inúmeras demandas fiscais ineficientes.
O que queremos deixar claro, para reflexão nesse artigo, são dois pontos: o primeiro, é que o universo de Recuperações Judiciais ajuizadas, em comparação com a quantidade de empresas que devem para o fisco, é muito pequeno, razão pela qual alterar a Lei de Recuperação de Empresas agora, para endurecer, além da conta, a cobrança nesse pequeno universo, pode ser um “tiro no pé”, que, além de não se chegar ao fim utópico almejado – da recuperação total do crédito em prazo curto -, pode inviabilizar o instituto como um todo, eliminando-se completamente as chances de recebimento dos novos tributos que poderiam ser gerados com a manutenção da atividade.
O segundo (e mais claro), é que o melhor endereçamento, para a recuperação de créditos fiscais inadimplidos, é a cobrança eficaz no início do atraso, que, certamente, trará muito mais resultados em esfera macro do que o foco que vem sendo dado para as empresas em recuperação.
Por fim, no tocante às sociedades empresárias em Recuperação Judicial e devedoras do fisco, apesar de se propor, nessas breves linhas, que o tratamento seja diferente do que o que se vê nas propostas legislativas sobre o tema, no sentido de se maleabilizar mais a possibilidade de satisfação do crédito, tornando-se, portanto, mais branda a possibilidade de solução, cabe-se também analisar, por outro lado, a falta de proteção do fisco quando se vê propostas, nas referidas recuperações, de venda de ativos de valores significativos.
Nesses casos, como o fisco não participa da recuperação, vê-se que, de fato, pode haver um considerável prejuízo às Fazendas. Dessa forma, endereçar-se esse ponto também nos parece razoável, dando-se então a sugestão de, nos casos de venda de ativos, pensar-se em se destinar parte do produto dessa venda para pagamento dos débitos tributários, podendo ser em percentual já pré-determinado em lei, ou se seguindo, excepcionalmente para esses casos, a regra de pagamentos dos credores na Falência.
Diante de todos esses pontos trazidos à reflexão, o que se propõe é o pensamento de forma razoável e estratégica para essa importante questão, como forma de endereçar o assunto de maneira eficiente, razoável e, principalmente, factível com o que se vê hoje na prática, para que tenhamos disposições legais efetivamente possíveis de serem aplicadas.
Fernando Pompeu Luccas é Advogado, Administrador Judicial, Presidente da Comissão de Estudos em Falência e Recuperação Judicial da OAB/Campinas, Sócio-Diretor da Brasil Trustee Administração Judicial e da Mangerona & Pompeu Advogados. Membro do Instituto Brasileiro de Estudos de Recuperação de Empresas (IBR), do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), do Instituto Brasileiro de Insolvência (IBAJUD), da International Association of Restructuring, Insolvency & Bankruptcy Professionals (INSOL) e do Turnaround Management Association (TMA). Especialista em Direito Processual Civil pela PUC/Campinas, em Direito Empresarial pela Escola Paulista de Direito/SP e em Recuperação de Empresas e Falências pela FADISP. Professor dos cursos de pós-graduação da Escola Paulista de Direito/SP, da Escola Superior de Advocacia e da FADISP. Professor convidado do Instituto Brasileiro de Insolvências (IBAJUD), da Escola Superior de Magistratura de Mato Grosso – ESMAGIS/MT, do Mackenzie, da Facamp, da Faculdade Damásio de Jesus, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, da Escola Superior de Administração, Marketing e Comunicação – ESAMC e da Universidade Metodista de Piracicaba – Unimep.