Artigo: Justiça do Trabalho. Não deu certo?
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07/04/2017Beatriz Borges –
A mediação, especialmente na área do direito de família, é um método, uma ferramenta que pode ser utilizada tanto na esfera judicial, quanto na esfera extrajudicial e, se conduzida por mediador seriamente capacitado, pode oferecer às pessoas um caminho mais rápido, menos doloroso de solucionar os conflitos do que um processo judicial tradicional.
A via processual utilizada para levar ao conhecimento dos magistrados os conflitos da sociedade coloca fim, por meio de uma sentença impositiva, ao litígio aparente, mas essa decisão do juiz não dissolve os sentimentos de dor, de perda, que possam ter sido até mesmo ampliados ao longo do tempo de duração de um processo.
A decisão acaba apenas com o sintoma e ressalta para os envolvidos que há sempre de um lado um vencido e de outro um vencedor.
A responsabilidade do advogado do século XXI vai mais além do que apenas oferecer “remédios” a seus clientes. É ensinado aos alunos dos cursos de direito que esses remédios são as armas processuais com as quais os advogados defenderão seus clientes e se tornarão os “heróis” da sociedade, mas é preciso mais.
O advogado contemporâneo precisa também saber manusear outras ferramentas, além da via judicial e cautelosamente escolher o tratamento mais adequado a cada caso, a fim de que ao final, o motivo gerador daquele conflito também possa ser solucionado.
Em um primeiro momento, o profissional operador do direito, precisa investir um tempo para entender quais métodos estão disponíveis e só os oferecer aos seus jurisicionados quando de fato estiver seguro de que aquela é a via mais adequada.
Nas questões de família os advogados se tornam, muitas vezes, verdadeiros psicólogos que transformam cada encontro com seu cliente em uma sessão de terapia, mas esse não é papel do advogado. O advogado não é terapeuta, médico ou consultor da bolsa de valores, ainda que acumule profissões, por ética não poderá exercer funçõessimultaneamente.
Existe uma via (ação) própria para cada pedido (levado ao judiciário) e o advogado, assim como o juiz não estão acostumados/autorizados a se desviarem desses pedidos. Não faz parte, por exemplo, em uma audiência de conciliação em processo de execução de alimentos, tratar dos motivos pelos quais a mãe não quer que o filho pernoite na casa do pai. Esse assunto seria tratado apenas no processo de regulamentação de visitas ou guarda.
Trata-se de função técnica e objetiva, ou seja, o causídico escuta o problema, busca nas fontes do direito uma tese e transforma todo o seu conhecimento em argumentos e pede ao judiciário as respostas via ação correta.
Porém, muitas vezes, em uma ação de divórcio, por exemplo, na qual haverá partilha dos bens do casal, não se avança para um acordo, por mais esforço que os advogados, conciliadores, promotores e juízes possam fazer, porque há algo oculto, que pode estar sendo discutido em outro processo, ou sequer será descoberto. Sendo esse o caso, mesmo após a sentença impositiva, as partes continuarão a discutir, gerando mais e mais mágoas, desavenças e processos.
A classe advocatícia poderia pensar que isso seria bom porque mais processos significaria mais trabalho e, consequentemente, mais honorários. Esse pensamento antigo e simplório não pode ser o ideal para a advocacia moderna, pois mais ações judiciais significam mais tempo dedicados à causa e quanto mais longe do final da discórdia menos satisfeitas estarão as pessoas, em razão disso, menos reconhecerão o trabalho do seu advogado.
As relações entre os casais parentais, entre pais e filhos, avós e toda estrutura familiar ficam comprometidas e marcadas ao longo do tempo pelos efeitos dos adjetivos contidos nas peças processuais e todas as ofensas trocadas nas audiências, de alguma forma, amplificam as emoções negativas dessas pessoas.
Os casais se separam, mas as famílias continuam de responsabilidade de ambos, porém ao se colocarem em lados opostos em uma mesa de audiências, uma barreira invisível se instala e todo o sistema familiar adoece. Os filhos, frutos de um processo longo e complicado de divórcio, repleto de troca de acusações, provas, períciase, em alguns casos, boletins de ocorrências, são afetados e não é só o núcleo familiar que sofre, mas sim toda a nossa sociedade.
Estudos apontam que não é o divórcio que causa traumas aos filhos, mas as condutas dos casais durante esse processo de quebra de vínculo conjugal.
O judiciário vem se humanizando com a implementação de políticas públicas, inserindo a mediação, as oficinas de pais e filhos, a justiça restaurativa, dentre tantas outras iniciativas, que se em um primeiro momento aparentam que foram introduzidas apenas para redução de processos, analisando mais a fundo, percebe-se que o objetivo é algo muito maior.
A causa dos conflitos pode permanecer latente internamente para sempre dentro das pessoas e não será a vitória ou a derrota processual que fará dissolver esses sentimentos.
O advogado deste século pode oferecer serviços mais céleres e mais humanizados aos seus clientes, mas precisa abrir os olhos para enxergar outros caminhos e estuda-los antes de tudo, pois oferecer algum método sem antes ter certeza que é o adequado ao caso concreto seria uma irresponsabilidade, como também é não aceitar que outros métodos também possam ser eficientes e rentáveis.
No Brasil, ao final de 2015, tramitavam mais de 74 milhões de processos, sendo que a Justiça Estadual, local no qual tramitam as ações de família, era responsável por aproximadamente 59 milhões deles.
Pela análise do Conselho Nacional de Justiça, no “Justiça em Números de 2016”, publicado em outubro de 2016, para zerar esse número de demandas, na seara Estadual, seriam necessários 3 (três) anos de atuação, com o mesmo rítmo de trabalho atual, sem que nenhuma nova ação fosse distribuída.
Ainda por essa publicação do CNJ, verifica-se que na mesma área, entre a data da distribuição de uma ação e a data do término de sua execução, os processos têm um tempo médio de 12 (doze) anos.
Ora, a Constituição Federal assegura a todos o acesso à justiça e à razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, então qual seria o esse tempo razoável? Quem se beneficia com a demora da resposta jurisdicional?
O compromisso da profissão do advogado perante à sociedade é firmado simbolicamente no dia da formatura e deve ser buscado a todo custo:
“Prometo exercer a advocacia com dignidade e independência, observar a ética, os deveres e prerrogativas profissionais e defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático, os direitos humanos, a justiça social, a boa aplicação das leis, a rápida administração da Justiça e o aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas.”
Porém, como manter preservado esse juramento de defender a Constituição e oferecer a rápida administração da justiça se o local para o qual os advogados enviam seus reclamos custa a respondê-lo? É preciso abrir os olhos para outras formas de defesa da justiça social e dos direitos humanos, assegurando o retorno financeiro por cada prestação.
Em 2015, a Ordem dos Advogados aprovou o novo Código de Ética e no art. 2º, parágrafo único, inciso VI, acrescentou aos deveres do advogado o de estimular a mediação entre os litigantes e manteve entre esses deveres o de prevenir, sempre que possível, a instauração de litígios.
Ainda, no artigo 48, parágrafo 5º, que trata dos honorários advocatícios, vedaem qualquer hipótese, a diminuição dos honorários contratados em decorrência da solução do litígio por qualquer mecanismo adequado de solução extrajudicial.
No novo CPC, Lei 13.105/2015, em seu artigo 3º, parágrafo 3º, diz que a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.
Dessa forma, temos a seguinte situação: de um lado, a maioria dos cursos de direito ensina aos bacharéis a argumentação, a fundamentação jurídica e os remédios processuais como busca da defesa dos direitos dos cidadãos; de outro, um judiciário sufocado de processos, cuja demora na resposta pode gerar a perda do objeto discutido, mais sensação de insegurança e a permanência dos conflitos na sociedade e, em outra banda, um arcabouço legal, o qual não só autoriza o uso, como também determina que todos no âmbito jurídico devem incentivar as formas alternativas de solução dos conflitos.
Na seara das famílias essa demora resulta em danos ainda mais sérios. Alimentos de menores que só serão executados quando os interessados já tiverem adquirido a maioridade. Regulamentação de visitas quando os pais já tiverem perdido anos de acompanhamento da evolução dos seus filhos, isso sem falar no constrangimento familiar geral que um processo pode ocasionar.
A lei 13.140/2015 regulou a mediação, a atuação dos mediadores judiciais e dos extrajudiciais, bem como fala a respeito das câmaras privadas. O CNJ, desde 2010, uniformizou os cursos de capacitação e a atuação dos mediadores judiciais, dos NUPEMECs e dos CEJUSCs.
O tempo médio dos procedimentos de mediação pode variar de um único encontro, três encontros, um mês, seis meses, dependendo do local de realização. Esse tempo de duração da mediação pode inclusive ser combinado previamente, dentro de um contrato, por exemplo, pois a autonomia das partes deve sempre prevalecer.
Nos Centros privados esse princípio é ainda mais preservado, pois caberá também aos advogados e partes a escolha dos mediadores, dos horários de realização das sessões que poderão ocorrer fora do horário de expediente, modos de realização dos encontros, como a possibilidade de utilizarem em uma plataforma online, atendendo, inclusive, mediandos que estejam em cidades diversas ou até mesmo em outros países.
Quanto à validade dos acordos realizados nesses centros, fora do judiciário, não há o que se discutir, pois além de autorizados por lei, no âmbito extrajudicial não é requisito que a instituição escolhida esteja cadastrada em algum local, tribunal ou órgão administrativo.
Essas empresas são prestadoras de serviços que podem ser constituídas por profissionais de qualquer área, inclusive, mas que, ainda assim, terão como válidos os seus atos.
O novo Código de Processo Civil autoriza as partes, inclusive, a pedirem aos juízes a suspensão do processo para discutirem de forma extrajudicial por meio da mediação (art.694/CPC) em um desses locais.
No Brasil, há muitas câmaras renomadas e reconhecidas como idôneas, principalmente no meio jurídico, estabelecidas há tempos, nas quais se realizam mediações desde muito antes da promulgação da lei 13.140/15 e estas não estão vinculadas ao judiciário.
Existem cadastros organizados pelos Núcleos dos Tribunais de Justiça, que servem para que as entidades privadas possam receber demandas judiciais para a mediação, em parceria com os CEJUSCs, inclusive com atendimentos gratuitos.
Esses registros têm a finalidade única e exclusiva de habilitar essas Câmaras dentro das regras do judiciário, o que também não significa que estas são mais ou menos sérias do que as outras câmaras, não cadastradas.
Portanto, a escolha desses locais deve se basear no tipo de serviços que cada local oferece, na idoneidade dos prestadores dos serviços e o advogado é fundamental também nesse processo.
Há regras, não só internas como também internacionais, que regulam a atividade dos mediadores, como o Código de Conduta para Mediadores do Fórum UIA de Centros de Mediação (2003), Código de Conduta Europeu para Mediadores da Comissão Europeia (2004), Diretrizes Éticas para Mediadores do Conselho da Austrália Lei (2006), dentre outras.
Cabe verificar ainda, se a entidade está preparada para o atendimento exclusivo, preservando o sigilo integralmente das negociações, se seus profissionais mediadores e conciliadores são qualificados, experientes, reconhecidos como profissionais éticos, atuantes na área que envolva o conflito (família, empresarial, condomínios etc) e certificados por órgãos brasileiros e internacionais que garantam a competência de atuação desses profissionais.
O tempo da pauta dos atendimentos desses locais também é importante, assim como os custos. Os CEJUSCs realizam não só audiências de mediação ou conciliação processuais. Esses centros de cidadania também atendem pessoas para que tenham oportunidade de resolverem seus conflitos antes de iniciarem um processo. Os advogados também podem levar seus casos para esses locais, pois receberão o mesmo tratamento, ou seja, não necessitarão recolher custas, sendo o caso pré-processual.
Percebe-se quanto o advogado é fundamental para o sucesso da mediação, pois é ele quem levará a mesa às questões jurídicas e, previamente, auxiliará o seu cliente a seguir ciente, não só dos seus direitos que estão sendo tratados, mas também das suas escolhas.
Um advogado diligente sabe não só se comportar em uma sessão de mediação, mas também ter consciência de que ser beligerante não ajudará o seu tutelado, quando a via escolhida for esta. Sabe que se o momento é de diálogo deve se desarmar e orienta seu cliente a colaborar, a ouvir aproveitando as técnicas de negociação aplicadas neste método.
Ainda que as partes não cheguem ao final desse procedimento a um acordo, todos podem se beneficiar, seja pelo avanço na implementação do diálogo, seja pela geração de opções ou pela identificação dos reais interesses das partes.
Participamos de um momento de mudança de cultura, a exemplo de muitos outros países, como a Argentina, na qual a mediação infrutífera é condição da ação e, essa mudança, necessita da adesão de todos, principalmente da classe dos advogados.
Assim, os operadores do direito agora podem usar a estratégia competitiva quando necessitarem de uma solução urgente ou carecedora da interferência de um terceiro, um juiz ou árbitro, e a estratégia colaborativa quando os interesses de seus clientes não serão alcançados apenas com uma decisão impositiva.
Ter esse olhar faz do “novo advogado” um profissional mais humanizado e especializado, capaz de oferecer uma ferramenta mais eficiente e menos desgastante para o cliente, o que é uma excelente forma de conseguir o reconhecimento no mercado de trabalho.
A especialização nesse novo campo pode contribuir com mais um ramo de atuação para os advogados e ela é necessária para os que decidirem atuar também como mediadores, pois para exercer essa atividade não há restrições quanto às áreas de formação e outros profissionais como os da psicologia, pedagogia e assistentes sociais já estão atuando e tem demonstrado grande interesse.
Assim, a mediação pode ser uma grande ferramenta para atuação no dia a dia do atendimento nos escritórios de advocacia ou pode tornar-se mais uma atividade que contribua com a renda do advogado, claro que observando os códigos de ética das duas atividades.
Além disso, aos que estejam estudando para galgarem uma carreira jurídica pública, se atuarem como mediadores judiciais, podem, dependendo do tipo do edital, contar o tempo de atuação como tempo de atividade jurídica, além do assunto ter sido inserido como matéria obrigatória em muitos desses concursos.
Enfim, é tempo da Ordem dos Advogados do Brasil não só apoiar a atividade no judiciário, mas principalmente entender que a mediação não restringe, nem desvaloriza o trabalho dos advogados, pelo contrário, amplia as oportunidades de ganhos para aqueles que eticamente se dedicarem aos dessa nova profissão.
Beatriz Borges Mediadora e Advogada Pós-graduada em Direito Penal Econômico/EDB e Pós Graduanda em Métodos Alternativos de Solução e Conflito/EPM, Mestranda em Mediação de Conflitos pelo IFE/AAMI e em Direito Empresarial com ênfase em Métodos Adequados de Solução de Conflitos pela ESEADE, ambos em Buenos Aires, Mediadora Judicial do TJSP – Mediadora Privada certificada e integrante da lista de mediadores ICFML e em certificação pelo International Mediation Institute – Instrutora em Formação das Oficinas de Pais e Filhos/CNJ e de mediadores judiciais/CNJ. – Membro da Comissão de Conciliação e Mediação da OAB/Campinas – Professora da Escola Superior da Advocacia de Campinas. Sócia e Mediadora do Centro de Prevenção e Solução de Conflitos – CONVENIRE.