Jornal OAB Julho / Agosto 2016 - page 11

Julho/Agosto 2016
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Dr. Fernando Pompeu Luccas
Falência e Recuperação Judicial: avanços e desafios
A
crise econômica tem gerado uma
demanda acentuada na área de
Falência e Recuperação Judicial por
parte das empresas que enfrentam difi-
culdades financeiras ante o atual cená-
rio do país. Dados da Serasa Experian
apontam que os pedidos de recupera-
ção judicial aumentaram 114,1% no pri-
meiro trimestre de 2016, comparados
ao mesmo período de 2015, totalizando
409 pedidos. Já os pedidos de falência
somam 391 e representam uma alta de
14,3% em relação a 2015.
A lei vigente (11.101/2005) temcomo
propósito garantir, como prioridade, a
recuperação das empresas, evitando a
falência. Apesar de ter completado mais
de uma década, e trazendo em seu es-
copo muitos avanços sobre o
regramento anterior, a lei ainda gera crí-
ticas. Por outro lado, o novo CPC traz
alterações relativas à contagem dos pra-
zos processuais, consideradas mais fa-
voráveis.
Em entrevista ao
Jornal da Ordem
, o
advogado Fernando Pompeu Luccas, pre-
sidente da Comissão de Estudos em Fa-
lência e Recuperação Judicial da OAB
Campinas faz uma análise dos dois ins-
titutos e da sua aplicabilidade.
Jornal da Ordem - A Lei de
Recuperação Judicial (Lei 11.101
de 2005) já foi alvo de muitas
críticas. É uma lei eficaz, conside-
rando a expectativa do empresário
ou empreendedor?
Dr. Fernando Pompeu Luccas
-
Fazendo uma comparação com a legis-
lação anterior, sem dúvida houve um
grande avanço. No entanto, sua eficácia
esbarra atualmente em aspectos cultu-
rais, sob três vertentes: a cultura do
empresário brasileiro de não se valer de
consultorias especializadas durante o
desenvolvimento de suas atividades,
procurando especialistas só quando já
não há mais muito o que salvar; a visão
de alguns empresários de considerarem
a alternativa da Recuperação Judicial
como uma possibilidade ruim, que trará
grande exposição à sociedade empresá-
ria e a ele próprio; e, por fim, o desco-
nhecimento de outros tantos empresá-
rios sobre a Lei 11.101/2005, desconhe-
cimento esse que também se estende a
uma parcela considerável dos advoga-
dos, mesmo após 11 anos de vigência
do diploma.
Tratam-se de grandes erros, pois
essa lei traz o caminho adequado que o
empresário deve seguir em situação de
crise, tendo como alternativas a recu-
peração judicial ou extrajudicial, bem
como a própria falência, se não preen-
cher os requisitos para pleitear um dos
caminhos anteriores, nos termos do ar-
tigo 105 da LRF.
Diante disso, o diploma é adequado
e precisa ser aplicado. Quando utilizado
da forma devida, sem dúvidas traz as
ferramentas necessárias para resolver a
questão, podendo, portanto, atingir a
eficácia esperada.
Sob o aspecto jurídico, como ana-
lisa o conteúdo da lei?
Nossa lei tem forte influência da le-
gislação norte-americana e a eficácia do
chamado
chapter eleven
nos EUA émuito
maior, por conta dos aspectos culturais
que comentamos anteriormente. Diante
disso, minha análise sob o aspecto jurí-
dico é positiva. Claro que existem opor-
tunidades pontuais de aperfeiçoamento
(como toda lei), mas não vejo o cami-
nho da mudança substancial como uma
boa alternativa. Penso que o melhor ca-
minho realmente é a maior divulgação
da lei, para que existam mais profissio-
nais especializados, mais empresários
conscientes e uma aplicação menos des-
virtuada do instituto, outro problema que
costumamos enfrentar na prática.
E quanto à falência?
Assim como a recuperação, a falên-
cia também é uma alternativa que deve
ser considerada, bastando a correta
avaliação do caso concreto. Se a socie-
dade empresária, diante da situação de
crise em que se encontra, não tem mais
viabilidade, o caminho realmente é o
da falência. No entanto, vê-se ainda
muitas empresas nesse estado, sim-
plesmente encerrando suas atividades
de forma irregular, ou tentando se va-
ler da recuperação judicial como alter-
nativa, fazendo com que, nesse segun-
do caso, aumente ainda mais o índice
de recuperações convoladas em falên-
cia, por exemplo.
Considerando o cenário de crise
que vem desde o ano passado, com
a “quebra” de empresas, houve au-
mento nas demandas dessa área?
Ponto de Vista
“...vejo uma grande
oportunidade para os
advogados que se
identificam com a
matéria...”
Sim, e a tendência é que aumente
cada vez mais. Analisando os números
da Serasa, no comparativo “ano contra
ano - 2015/2016”, observa-se que o nú-
mero mais que dobrou. Penso que o au-
mento se dará por dois motivos: além
da crise, que é o principal deles, vemos
agora com mais frequência os principais
veículos de comunicação dando cada vez
mais enfoque às recuperações. Isso tem
tornado a lei cada vez mais conhecida e
menos estigmatizada pelos empresári-
os. Diante disso, vejo um cenário mais
favorável em relação à eficácia da lei,
principalmente com o aumento de pro-
fissionais especializados na matéria.
A busca por bancas e profissio-
nais especializados emRecuperação
Judicial aponta para um crescimen-
to em 2016?
Sem dúvida alguma é essa a ten-
dência. Vejo o reflexo disso, inclusive,
no aumento das minhas próprias de-
mandas na área consultiva do escritó-
rio, com um acréscimo significativo da
procura em 2016, tanto por parte de
empresários, quanto por parte de cole-
gas que atuam em áreas relacionadas
(mas não têm essa especialização), e
acabam sendo procurados por clientes
com casos relacionados à matéria, ne-
cessitando, então, de suportes pontu-
ais. Diante desse cenário, vejo uma
grande oportunidade para os advoga-
dos que se identificam com a matéria e
que gostam também de economia e
administração, que são áreas correlatas.
Pela Comissão de Estudos em Falência
e Recuperação Judicial, promoveremos
palestras, debates e cursos sobre o
tema, que com certeza ajudarão os
advogados interessados na matéria e
que desejam começar a trabalhar com
o assunto.
O novo CPC trouxe alguma mo-
dificação que impacta sobre a Lei de
Recuperação Judicial e Falência?
Sim, principalmente em relação às
contagens de prazos processuais, que
passam agora a ser em dias úteis. Ainda
existe discussão sobre esse ponto espe-
cífico, principalmente no tocante ao pra-
zo do
stay period
, que faz com que as
ações e execuções em face da
Recuperanda sejam suspensas por de-
terminado período, por exemplo.
Outro ponto também de discussão é
a possibilidade de recurso de todas as
decisões interlocutórias, dado o rol
restritivo que o Novo Código de Proces-
so Civil traz em relação ao Agravo de
Instrumento.
Não há ainda uma sinalização da ju-
risprudência a respeito, considerando-se
a recente entrada em vigor do NCPC,
mas penso que deverá seguir a linha do
bom senso, principalmente pelo o fim
proposto ao qual se destina o processo
de recuperação.
Em sua opinião, quais são os de-
safios para os advogados que atu-
am na área?
Considerando as características dos
processos, o mais desafiador e também
interessante é o caráter multidisciplinar
da área. Além da necessidade de do-
minar as questões jurídicas sobre o as-
sunto, o advogado que deseja militar
nessa área deve também buscar conhe-
cimentos nas esferas econômica e ad-
ministrativa.
Isso amplia a visão do profissional e
penso que só faz agregar. Além dessa
questão multidisciplinar, os aspectos ju-
rídicos também são muito interessantes
e as discussões muito ricas, o que faz
com que o profissional tenha que sem-
pre se manter atualizado e em estudo.
As possibilidades e discussões que o
tema proporciona são realmente vastas.
Para quemgosta de se aplicar, é umprato
cheio.
O mais interessante é que o tema
trata de um dos aspectos mais impor-
tantes da economia do país, que é cal-
cada na atividade empresarial. Sem
empresas, não há empregos, não há ren-
da, não há recolhimento de tributos, nem
circulação de bens e serviços. Ou seja:
não há sustentabilidade econômica. Por-
tanto, o profissional que atua nessa es-
fera lida com questões que são alicerces
da economia, o que torna a matéria ain-
da mais apaixonante.
*
Fernando Pompeu Luccas é espe-
cialista em Direito Processual Civil pela
PUC-Campinas, em Direito Empresarial
pela Escola Paulista de Direito - EPD e
em Recuperação de Empresas e Falên-
cias pela Fadisp. É também membro do
Instituto Brasileiro de Estudos sobre Re-
cuperação de Empresas – IBR, da Inter-
national Association of Restructuring,
Insolvency & Bankruptcy Professionals –
INSOL, professor dos cursos de exten-
são e pós-graduação da Fadisp e do
Ibajud, diretor da Brasil Trustee e sócio
da Mangerona & Pompeu Advogados,
além de autor de obras e artigos sobre
Direito Empresarial.
Para dúvidas e/ou sugestões sobre
temas para os eventos da Comissão de
Estudos em Falência e Recuperação Ju-
dicial – E-mail: fernando.pompeu@brasil-
trustee.com.br
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